"Sem renegociação, dívida pública de São Paulo será eterna", diz especialista em gestão pública.
"A dívida pública corresponde a 195,29% das receitas tributárias do município. Para se ter uma ideia de sua dimensão, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Segundo Gustavo Fernandes, professor de gestão pública da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), a dívida pública de São Paulo é impagável.
Por Mailliw Serafim, no "Carta Maior"
A maior metrópole brasileira é também a cidade com a maior divida, cerca de R$ 62 bilhões. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. A dívida pública total corresponde a 195,29% das "Receitas Correntes Líquidas" [somatório das receitas tributárias de um governo]. Para se ter uma ideia dessa dimensão, a saúde, em 2012, custou 18,64% das receitas correntes líquidas municipais; a educação, cerca de 31,33%. Para Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da EAESP-FGV, essa situação é no mínimo curiosa. Em entrevista à "Carta Maior" ele analisa a situação da dívida da capital paulistana, sua viabilidade e o impacto dela na capacidade de investimento da cidade.
Carta Maior: Várias personalidades políticas, como o ex-prefeito Gilberto Kassab, disseram que a dívida pública da prefeitura de São Paulo é impagável. Como o senhor avalia a situação da dívida pública da cidade de São Paulo?
Gustavo Fernandes: A real situação da dívida pública de São Paulo é no mínimo curiosa. Sim, é impagável. Ao mesmo tempo, porém, está controlada. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. Naquele período de forte ajuste fiscal, os Estados e Municípios foram estimulados a arrumar suas contas, reconhecendo o passivo acumulado que não aparecia na contabilidade, escondido pelos anos de inflação alta. Com a estabilização da moeda, o desequilíbrio das contas da administração pública veio à tona. Assim, foi preciso reconhecer toda a dívida acumulada.
CM: Segundo matéria da Folha de São Paulo, 2 em cada 3 reais arrecadados do IPTU em 2009 foram utilizados para pagamentos da dívida. Como a dívida pública de São Paulo vem afetando a capacidade de investimentos da Prefeitura?
GF: A dívida pública total corresponde a 195,29% das Receitas Correntes Líquidas. Para se ter uma ideia da dimensão da dívida, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Além disso, em virtude do limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (120%), a Prefeitura de São Paulo não pode se endividar, o que reduz bastante as possibilidades de investimentos. Dessa forma, 13% das receitas do Município (limite máximo de recursos que pode ser usado para pagar a divida) são subtraídas praticamente todos os anos para se abater uma dívida que não para de crescer. Em números, o equivalente a 71,27% do que foi gasto em saúde no ano passado foi pago em dívida. Realmente, são números impressionantes.
CM: Em 2000, durante o governo FHC, a dívida dos municípios com a União foi renegociada, e fixou-se uma taxa de juros de 9% mais o IGP-DI para a dívida da cidade de São Paulo. Qual o impacto dessa renegociação sobre as contas do município de São Paulo?
GF: Na época, o acordo foi bom para a Prefeitura de São Paulo, pois se previa uma taxa de juros de apenas 9% real, ou seja, acima da inflação. Na época [gov FHC/PSDB], a taxa Selic era cerca de 18,50%, muito acima, portanto, da taxa ajustada no contrato de renegociação; assim a taxa de juros do contrato era relativamente baixa. Além disso, limitou-se o pagamento em 13% das Receitas Correntes Líquidas do Município, o que, de certa forma, estabeleceu uma proteção aos cofres municipais. O problema é que essa taxa, vigente para 30 anos, é fixa, não se reduzindo conforme se melhoram as condições econômicas e, logo, do próprio crédito na economia. Além disso, o indicador de inflação utilizado, o IGP-DI, é extremamente sensível ao dólar, tendendo a ficar sempre acima do IPCA e da própria evolução nominal das receitas municipais. Dessa forma, com juros elevadíssimos e um indexador que tende a superestimar a inflação, tem-se que, até 2013, a Prefeitura já pagou R$ 21,468 bilhões à União. Contudo, a dívida continua crescendo e já está em R$ 62,810 bilhões.
CM: Uma renegociação da dívida do município com a União é necessária/possível?
GF: Nunca devemos esquecer que, se essa dívida aumentou por condições contratuais de médio e longo prazo ruins, sua origem remete a gestões passadas que endividaram o município de São Paulo excessivamente, com investimentos que não trouxeram melhorias necessárias para que a sociedade paulistana produzisse riqueza e pagasse a dívida. Ou seja, boa parte desse passivo enorme decorre de gastos duvidosos. De todo modo, parece ser claro que as condições são excessivamente severas. Não faz sentido a União retirar 13% das receitas da Prefeitura todos os anos, dado o enorme contingente populacional que vive na cidade. É preciso sim renegociar a dívida pois, dadas as condições atuais, a transferência de renda da Prefeitura de São Paulo para o governo federal será eterna."
FONTE: escrito por Mailliw Serafim e publicado no site "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22636).
"A dívida pública corresponde a 195,29% das receitas tributárias do município. Para se ter uma ideia de sua dimensão, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Segundo Gustavo Fernandes, professor de gestão pública da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), a dívida pública de São Paulo é impagável.
Por Mailliw Serafim, no "Carta Maior"
A maior metrópole brasileira é também a cidade com a maior divida, cerca de R$ 62 bilhões. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. A dívida pública total corresponde a 195,29% das "Receitas Correntes Líquidas" [somatório das receitas tributárias de um governo]. Para se ter uma ideia dessa dimensão, a saúde, em 2012, custou 18,64% das receitas correntes líquidas municipais; a educação, cerca de 31,33%. Para Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da EAESP-FGV, essa situação é no mínimo curiosa. Em entrevista à "Carta Maior" ele analisa a situação da dívida da capital paulistana, sua viabilidade e o impacto dela na capacidade de investimento da cidade.
Carta Maior: Várias personalidades políticas, como o ex-prefeito Gilberto Kassab, disseram que a dívida pública da prefeitura de São Paulo é impagável. Como o senhor avalia a situação da dívida pública da cidade de São Paulo?
Gustavo Fernandes: A real situação da dívida pública de São Paulo é no mínimo curiosa. Sim, é impagável. Ao mesmo tempo, porém, está controlada. Conforme revela o balanço da Prefeitura, 95% do total da dívida decorrem do refinanciamento assinado com a União em maio de 2000. Naquele período de forte ajuste fiscal, os Estados e Municípios foram estimulados a arrumar suas contas, reconhecendo o passivo acumulado que não aparecia na contabilidade, escondido pelos anos de inflação alta. Com a estabilização da moeda, o desequilíbrio das contas da administração pública veio à tona. Assim, foi preciso reconhecer toda a dívida acumulada.
CM: Segundo matéria da Folha de São Paulo, 2 em cada 3 reais arrecadados do IPTU em 2009 foram utilizados para pagamentos da dívida. Como a dívida pública de São Paulo vem afetando a capacidade de investimentos da Prefeitura?
GF: A dívida pública total corresponde a 195,29% das Receitas Correntes Líquidas. Para se ter uma ideia da dimensão da dívida, o gasto anual em saúde foi de 18,64% ano passado; em educação, cerca de 31,33%. Além disso, em virtude do limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (120%), a Prefeitura de São Paulo não pode se endividar, o que reduz bastante as possibilidades de investimentos. Dessa forma, 13% das receitas do Município (limite máximo de recursos que pode ser usado para pagar a divida) são subtraídas praticamente todos os anos para se abater uma dívida que não para de crescer. Em números, o equivalente a 71,27% do que foi gasto em saúde no ano passado foi pago em dívida. Realmente, são números impressionantes.
CM: Em 2000, durante o governo FHC, a dívida dos municípios com a União foi renegociada, e fixou-se uma taxa de juros de 9% mais o IGP-DI para a dívida da cidade de São Paulo. Qual o impacto dessa renegociação sobre as contas do município de São Paulo?
GF: Na época, o acordo foi bom para a Prefeitura de São Paulo, pois se previa uma taxa de juros de apenas 9% real, ou seja, acima da inflação. Na época [gov FHC/PSDB], a taxa Selic era cerca de 18,50%, muito acima, portanto, da taxa ajustada no contrato de renegociação; assim a taxa de juros do contrato era relativamente baixa. Além disso, limitou-se o pagamento em 13% das Receitas Correntes Líquidas do Município, o que, de certa forma, estabeleceu uma proteção aos cofres municipais. O problema é que essa taxa, vigente para 30 anos, é fixa, não se reduzindo conforme se melhoram as condições econômicas e, logo, do próprio crédito na economia. Além disso, o indicador de inflação utilizado, o IGP-DI, é extremamente sensível ao dólar, tendendo a ficar sempre acima do IPCA e da própria evolução nominal das receitas municipais. Dessa forma, com juros elevadíssimos e um indexador que tende a superestimar a inflação, tem-se que, até 2013, a Prefeitura já pagou R$ 21,468 bilhões à União. Contudo, a dívida continua crescendo e já está em R$ 62,810 bilhões.
CM: Uma renegociação da dívida do município com a União é necessária/possível?
GF: Nunca devemos esquecer que, se essa dívida aumentou por condições contratuais de médio e longo prazo ruins, sua origem remete a gestões passadas que endividaram o município de São Paulo excessivamente, com investimentos que não trouxeram melhorias necessárias para que a sociedade paulistana produzisse riqueza e pagasse a dívida. Ou seja, boa parte desse passivo enorme decorre de gastos duvidosos. De todo modo, parece ser claro que as condições são excessivamente severas. Não faz sentido a União retirar 13% das receitas da Prefeitura todos os anos, dado o enorme contingente populacional que vive na cidade. É preciso sim renegociar a dívida pois, dadas as condições atuais, a transferência de renda da Prefeitura de São Paulo para o governo federal será eterna."
FONTE: escrito por Mailliw Serafim e publicado no site "Carta Maior" (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22636).
Nenhum comentário:
Postar um comentário