“Numa retórica um tanto ‘Black Bloc’, a mídia diz que o mais importante são os símbolos e que o país precisa de "bons gestos simbólicos".
O portal “Conversa Afiada” republica, através do “Tijolaço”, artigo de Paulo Moreira Leite, extraído da revista “IstoÉ”:
[OBS: tempos de verbos e datas (ontem, hoje etc) foram modificados por este blog ‘democracia&política’ considerando que, na quinta-feira, após a redação do artigo da IstoÉ abaixo transcrito, o STF, sob forte pressão da mídia tucana, praticamente já decidiu pela não aceitação de embargos infringentes neste caso específico do julgamento do apelidado “mensalão do PT”, diferentemente de outros julgamentos recentes, em que o STF aceitou esses embargos].
MÍDIA É O “BLACK BLOC” DO STF
De Paulo Moreira Leite, em sua coluna na “IstoÉ”:
4 a 2 NO STF
“A votação de quarta-feira no Supremo Tribunal Federal deve ser celebrada. Por 4 votos a 2, os ministros disseram que um direito histórico da justiça do país, os embargos infringentes, que têm sido aplicados desde os tempos da colônia, não poderia ser negado a 12 condenados da Ação Penal 470.
Se mais dois ministros votassem a favor dos embargos na quinta-feira, o julgamento tomaria outro rumo. Os réus poderiam pedir uma revisão daquelas condenações em que obtiveram pelo menos quatro votos dissidentes.
Ao contrário do que se diz, num esforço que pode gerar um falso alarme com a decisão, não se trataria de um novo julgamento. Essa possibilidade foi suprimida em agosto do ano passado [especialmente para o mensalão do PT, pois para o mensalão tucano não foi suprimida], quando o STF negou o direito a um segundo grau de jurisdição a 90% dos réus que não deveriam ser julgados por foro privilegiado – o próprio Supremo – e teriam sido ouvidos em primeira instância, como ocorre ainda hoje com o mensalão do PSDB [“mineiro”]. Vencida essa etapa, os condenados teriam uma segunda chance, normalíssima, naturalíssima, da Justiça brasileira. Isso não irá ocorrer agora.
Os embargos apenas abrem a possibilidade de um recurso num mesmo julgamento. Mudaria, somente, o relator, que deve ser escolhido por sorteio. Ao contrário do que se costuma sugerir, para diminuir os poucos direitos assegurados aos réus, não estamos diante de um processo infinito de recursos, de embargos dos embargos dos embargos.
Os infringentes representam uma chance menor de sucesso e uma oportunidade mais limitada de revisão. São o mínimo do mínimo, mas, na situação concreta, representam um avanço.
Os outros 15 réus que não têm direito aos embargos seguem na mesma situação anterior. Muitos enfrentam penas duríssimas e têm pouca ou nenhuma chance de revisão.
A mudança é simples. O embargo não pode transformar um culpado em inocente. Somente um novo julgamento teria poderes para isso. Aquilo que foi resolvido no ano passado está resolvido.
Mesmo assim, se os advogados de determinado réu conseguirem, em novo debate, convencer a maioria dos ministros de seus pontos de vista, ele poderá obter redução da pena original e mesmo ser inocentado daquele crime específico pelo qual tem direito a pedir uma revisão da pena. Se isso acontecer, sua pena final pode diminuir.
Assim, numa decisão que implica em respeito absoluto pela legislação brasileira, um cidadão condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, como José Dirceu, pode passar do regime de prisão fechada para o regime de semiaberto. Isso porque quatro ministros votaram por sua inocência no crime de formação de quadrilha. Outros réus também podem se beneficiar. Os embargos funcionam assim desde sempre.
O debate de quarta-feira não envolveu a opinião de cada magistrado sobre a culpa ou inocência de cada réu e por isso toda tentativa de apontar para mudanças neste ou naquele caso é prematura. Dizia respeito a quem tem o poder de fazer e desfazer leis no país.
A Constituição diz que esse poder emana do povo e é exercido por seus representantes eleitos, encarnados no Congresso. Mas uma parcela de ministros do STF está convencida de que tem o direito de modificar e interpretar leis de acordo com suas convicções e conveniências [inclusive partidárias e ideológicas]. É aquela visão de que o tribunal tem direitos superiores aos demais poderes de Estado, resumida pela frase tão repetida no julgamento, pela qual “a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é.”
Os embargos estão previstos na legislação em vigor. Ela diz que, na fase de julgamento, todo tribunal deve obedecer às normas de seu regimento interno – e é o regimento do Supremo que prevê os embargos infringentes, de forma clara e explícita, sem nenhuma alteração depois da Constituição de 1988. Dias Toffoli fez uma intervenção curta e clara a respeito.
Como disse Luiz Roberto Barroso, autor do voto que orientou os ministros favoráveis aos embargos, tentar eliminar os embargos, no momento em que os réus têm a chance real de alcançá-los, nada mais seria do que uma ação “casuística de última hora.” Considerando que os embargos estão previstos nas ordenações filipinas, do tempo em que Portugal e Espanha formavam uma só potência colonial, seria um tanto escandaloso aguardar-se pela passagem de quatro séculos em que se viu a Independência, a abolição da Escravatura, a República, e seis Constituições diferentes, para só então, num dia qualquer do século XXI, quando um conjunto de políticos, publicitários e banqueiros envolvidos no esquema financeiro do Partido dos Trabalhadores podem ser condenados, suprimir uma garantia de natureza democrática.
O juiz Luiz Flávio Gomes, que hoje dirige uma escola de Direito, explicou num texto comentado no STF que não há base legal para suprimir direitos dos indivíduos.
Apesar do caráter limitado dos embargos infringentes, a simples possibilidade de que se faça uma revisão parcial em deliberações do STF deve despertar um conhecido espírito reacionário das principais vozes "conservadoras" do país [os Marinhos, os Frias, os Mesquitas, os Civitas e os Saad se autodenominam "a sociedade", a "voz da rua", o "povo". Muitos acreditam]. Inconformadas com qualquer avanço, qualquer possibilidade de perda de controle sobre um processo que foi monitorado cuidadosamente desde o início, seu método de trabalho é o porrete e a ameaça.
Fogem do mérito da discussão, de seu conteúdo real, para perder-se em considerações de outra maneira. Não querem Justiça nem direito. Querem criminalização e punição. Dizem que as pessoas e seus direitos não importam. Numa retórica um tanto “Black Bloc”, dizem que o mais importante são os símbolos e que o país precisa de bons gestos simbólicos. Nesse caso, quem sabe, vou me convencer a quebrar uma vitrine com machado, certo?
Depois de levar o julgamento à TV, nossos conservadores querem que seja transformado numa novela. Reclamam que está faltando muito para o último capitulo.
Não suportam a democracia nem a divergência. Só conhecem a Justiça quando é feita em benefício próprio. Para os outros, é sempre “impunidade”.
Mas, a menos que se acredite que todos vivemos num divã de Carl Jung, aquele pai da psicanálise que pretendia explicar o mundo a partir de arquétipos culturais, o que importa é sempre a realidade.
Não vou listar aqui todos os pontos que precisam ser reexaminados na ação penal 470. Mas basta pensar no seguinte: terão direito aos embargos aqueles réus que, no ano passado, conseguiram um mínimo de 4 votos a favor de sua absolvição ou de uma redução da pena. Num tribunal de onze ministros, mas que, muitas vezes funcionou com apenas 9 membros, é um número mais do que razoável para se considerar que possuem consistência em seus argumentos.”
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.
FONTE: portal “Conversa Afiada”, que republicou, através do “Tijolaço”, artigo de Paulo Moreira Leite extraído da revista “IstoÉ” (http://www.conversaafiada.com.br/pig/2013/09/12/pml-pig-e-o-%E2%80%9Cblack-bloc%E2%80%9D-do-stf/). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
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