domingo, 23 de agosto de 2009

OLHAR DE OBAMA COM VIÉS DE BUSH

O renomado historiador brasileiro acha que a política norte-americana para a AL sofreu poucas mudanças

A renovação e ampliação do acordo militar firmado por Colômbia e Estados Unidos deixaram o clima tenso na América do Sul. Os países vizinhos veem com desconfiança a permissão dada por Bogotá para que Washington utilize um número ainda maior de bases militares no país. A pouca transparência em torno da questão trouxe à tona o velho sentimento antiamericano, latente na região, e também evidenciou que, diante de toda a diversidade cultural, econômica e ideológica entre as nações do subcontinente, os EUA não encontram dificuldade para demonstrar seu poderio bélico e o peso de sua diplomacia. Luiz Alberto Moniz Bandeira, renomado historiador brasileiro – autor de várias obras, entre elas Formação do império americano –, acha que a política norte-americana para a América Latina sofreu poucas mudanças da gestão republicana para a democrata. “Não obstante sua retórica, o presidente Barack Obama não se desviou muito das diretrizes que George W. Bush acentuou”, afirma.

COLÔMBIA

Diante da presença de militares dos EUA em território colombiano, os vizinhos Venezuela e Equador fizeram barulho e alardearam uma ameaça à segurança regional, que foi veementemente negada. Até o Chile e o Brasil, considerados governos moderados, manifestaram inquietação e solicitaram esclarecimento e transparência.

Autor de mais de 20 obras, Moniz Bandeira permanece atento às relações dos EUA com os demais países do continente e diz acreditar que o governo de Bush instituiu um programa voltado para uma estrutura industrial-bélica, que é determinante na política norte-americana, além de ser uma estrutura difícil de ser desmantelada. “A militarização da política externa dos EUA tomou ainda maior impulso depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 e não é mais o Departamento de Estado, mas o Departamento de Defesa, o Pentágono, que atualmente estabelece as suas diretrizes. E os EUA têm interesses imperiais.”

A presença militar dos EUA na Colômbia, somada à reativação da Quarta Frota, em 2008, aguçou a inquietação sobre os interesses e a real necessidade dessa presença militar. O Brasil demonstrou inquietação, manifestada várias vezes pelo presidente e pelo Itamaraty, sugerindo preocupação com relação às reservas de petróleo. Para Moniz Bandeira, a reorganização militar norte-americana na região formaliza a presença dos EUA ao longo do litoral do Brasil e “indica um objetivo estratégico, sobretudo considerando a descoberta de enormes reservas de petróleo na camada pré-sal, entre o Espírito Santo e Santa Catarina”. Ele acredita que a presença dos EUA na América do Sul sempre foi um fator de instabilidade. “Não se pode esquecer que os golpes militares ocorridos na Argentina, Brasil, Chile e outros países foram articulados e financiados pela CIA, fomentando as forças domésticas da oposição.”

O temor de setores do governo brasileiro, para Moniz Bandeira, se justifica. “As ameaças existem, embora possam parecer remotas. O Brasil deve preparar-se para qualquer eventualidade. Uma potência só respeita a lei das nações se há um equilíbrio de forças com outra potência ou existe a possibilidade de o outro país retaliar efetivamente ou resistir, no nível militar, a qualquer ataque.” Para o professor, que exerce a função de cônsul-honorário em Heidelberg, na Alemanha, “o perigo é maior quando uma grande potência – carente de tudo, principalmente de energia – está perdendo a supremacia e quer conservá-la a qualquer custo, do que quando expande seu império”. Moniz Bandeira vê o incremento da presença militar americana na América do Sul como uma iniciativa de frear a integração regional e impedir que os mecanismos de integração regional, como a da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), e também a projeção do poder político e militar do Brasil, sejam efetivos. Ele acredita que a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano “dá à América do Sul uma identidade própria, que não convém aos Estados Unidos”.

HISTÓRIA DE GOLPES

O professor Luiz Alberto Moniz Bandeira já se debruçou sobre a vasta história dos golpes militares na América Latina e, no ano passado, lançou Fórmula para o caos (A derrubada de Salvador Allende, 1970-1973), no qual descreve com riqueza de detalhes a participação da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA, na sigla em inglês). Como já foi aventado pelo ex-presidente cubano Fidel Castro e pelo venezuelano Hugo Chávez, Moniz Bandeira também acredita na participação de setores da inteligência e do Departamento de Defesa no golpe de Estado em Honduras, que depôs o presidente eleito José Manuel Zelaya.

“O aparelho estatal nos EUA não constitui um bloco homogêneo, não é monolítico. Muitas vezes, os interesses e os objetivos do Pentágono e da CIA contrapõem-se às diretrizes da Casa Branca e do Departamento de Estado. Certamente setores da CIA e do Pentágono, que se alinham com os neoconservadores nos EUA, deram ao Exército o sinal verde hondurenho para a derrubada do presidente Zelaya. As relações dos neoconservadores de Washington com as forças militares de Honduras são conhecidas.

Moniz Bandeira aponta assessores do ex-presidente George W. Bush como possíveis articuladores do golpe, assim como com a frustrada tentativa de deposição de Hugo Chávez na Venezuela, em 2002. “Consta que Hillary Clinton, secretária de Estado, tem como assessor John Negroponte, ex- embaixador em Tegucigalpa entre 1981 e 1985, quando organizou a repressão às atividades dos ‘contra’ na Nicarágua e foi responsável por sucessivas e graves violações dos direitos humanos. Há notícias de que Negroponte respaldou a articulação de Hugo Llorens, embaixador americano em Tegucigalpa, capital de Honduras, com as forças políticas da oposição e o Exército, para remover do governo o presidente Manuel Zelaya.”

A presença da base aérea de Soto Cano, controlada pelos EUA em Honduras, também é um problema para os norte-americanos. Zelaya pretendia transformar a base em um aeroporto internacional, em troca da cessão de um outro ponto, mais isolado no litoral, para a construção de outra base aérea dos EUA, o que foi malvisto pelo Pentágono. A base foi de fundamental importância na formação de grande parte da elite do Exército hondurenho, assim como contingentes dos “contra”, guerrilheiros que combatiam o governo sandinista da Nicarágua. “Os neoconservadores juntamente com setores do Pentágono provavelmente fomentaram a posição em Honduras e estimularam o golpe contra Zelaya a fim de criar dificuldades para o presidente (Barack) Obama, que está girando à esquerda segundo os padrões dos EUA”, afirma o historiador.”

FONTE: texto de Pablo Pires Fernandes publicado no O Estado de Minas em 23/08/2009

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