quinta-feira, 20 de agosto de 2009

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: FATALISMO CAMBIAL?

“Se fosse verdadeira a ideia de que quase nada pode ser feito para segurar a apreciação do real, estaríamos lascados”.

“De uma maneira geral, os economistas tendem ao fatalismo. Encaramos os piores desastres com equanimidade e uma resignação quase budista. Por isso mesmo, a nossa utilidade é bastante limitada. Raramente ajudamos a resolver problemas de ordem prática. Às vezes, até atrapalhamos. Veja, leitor, o exemplo do câmbio.

Em artigo publicado neste mesmo espaço anteontem, o empresário Benjamin Steinbruch observou que se espalha a ideia de quase nada pode ser feito para segurar a apreciação do real. Se essa ideia fosse verdadeira, estaríamos realmente lascados, pois uma apreciação substancial e persistente do câmbio causa estragos de difícil reversão.

Em 2009, o setor industrial e as exportações têm tido desempenho muito fraco. Segundo as projeções de mercado, a produção industrial cairá mais de 7% neste ano. As exportações totais sofreram diminuição de quase 24% nos primeiros sete meses em comparação com igual período de 2008. As exportações de manufaturados, que costumam ser mais sensíveis ao câmbio, caíram 31% na mesma base de comparação.

É verdade que a valorização do real não é a única e talvez nem a principal causa desses resultados.

Mas seria um equívoco desconsiderar a influência da variável cambial -sobretudo porque o fortalecimento da moeda brasileira não é uma fenômeno recente, e sim uma tendência que vem predominando desde 2003, brevemente interrompida durante o auge da crise mundial. O governo tem meios de lidar com o problema. O mais natural é a política monetária. Os juros básicos já caíram muito no Brasil, o que favorece a recuperação da demanda e reduz a carga de juros da dívida pública e o custo de carregamento das reservas internacionais.

Não obstante, os juros brasileiros continuam altos em comparação com os praticados nos principais centros financeiros internacionais. O elevado diferencial de juros entre o real e as principais moedas representa um poderoso fator de atração de capitais especulativos.

Há espaço para continuar reduzindo a taxa Selic. Do lado da inflação, não parece haver motivo para grandes preocupações. A inflação esperada pelo mercado está um pouco abaixo do centro da meta tanto em 2009 como em 2010. As principais medidas de tendência da inflação calculadas pelo Banco Central estão em queda gradual desde o final do ano passado. O índice de difusão do IPCA (o percentual de itens com variação positiva) caiu de 67% em junho de de 2008 para 59% em junho último.

Outra forma de conter a valorização do real é comprar reservas internacionais. Se o preço da moeda estrangeira está sendo deprimido por um excesso de oferta no mercado, o Banco Central pode absorver esse excesso e reforçar as reservas em moeda estrangeira. Isso já vem sendo feito. As reservas, no conceito de caixa, estão mais de US$ 3 bilhões acima do nível em que estavam em setembro de 2008, logo antes da intensificação da crise internacional.

Nada impede o Brasil de continuar acumulando reservas e de intensificar o ritmo de compra de moeda estrangeira. Reservas mais altas protegem a economia contra choques externos e reforçam a posição internacional do país. Se a redução de juros e a acumulação de reservas forem insuficientes para conter a subida do real, ou se for inconveniente intensificar o recurso a esses instrumentos, existe sempre a possibilidade de impor barreiras (tributárias ou de outro tipo) à entrada de capitais especulativos, como foi feito em 2008.”

FONTE: artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., publicado na Folha de São Paulo em 20/08/2009. O autor é diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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