terça-feira, 8 de março de 2011

Hillary Clinton: "ESTAMOS PERDENDO A GUERRA DA INFORMAÇÃO"


“No dia 2 de março, diante de comitê de Política Externa do Congresso, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que o país está perdendo a "guerra da informação". "A Al Jazeera está ganhando", resumiu.

Muito citados nos últimos meses, Wikileaks, Twitter e Facebook tornam-se quase insignificantes em comparação com o papel exercido pela Al Jazeera no Oriente Médio. A Al Jazeera em inglês está fora da programação de TVs a cabo nos EUA, com exceção dos que estão em Toledo, Ohio; Burlington, Vermont e Washington DC. Isso não impede, é claro, que tanto Obama como a senhora Clinton critiquem a censura no Irã.

O artigo é de Alexander Cockburn, no “Counterpunch”

Nem mais nem menos do que a própria secretária de Estado dos EUA rendeu um incômodo tributo a Al Jazeera no dia 2 de março. Diante de um comitê de Prioridades da Política Externa dos EUA, o senador Richard Lugar pediu a Hillary Clinton que apresentasse seus pontos de vista sobre em que medida o país está promovendo sua mensagem em todo o mundo. Clinton disse de imediato que os EUA estão envolvidos em uma guerra da informação e estão perdendo. “A Al Jazeera está ganhando”, acrescentou.

Falemos francamente em termos de realpolitik”, prosseguiu a secretária de Estado. “Estamos em imensa competição por influência global e mercados globais. China e Rússia lançaram redes de televisão funcionando em várias línguas, quando os EUA faz cortes nessa área. Estamos pagando preço elevado por desmantelar redes de comunicação internacional depois do fim da Guerra Fria. Nossos meios privados não podem preencher essa brecha”.

Como temos assinalado durante a última quinzena, há florescente pequena indústria da internet que afirma que a derrubada de Mubarak ocorreu por cortesia do comando Twitter-Facebook dos EUA. O New York Times publicou numerosos artigos sobre o papel do Twitter e do Facebook enquanto ignora ou vilipendia ao mesmo tempo Julian Assange e Wikileaks. Por certo, em qualquer discussão sobre o papel da internet na convocação dos levantes no Oriente Médio, deveria se dar o maior crédito ao Wikileaks. Mas Wikileaks, junto com Twitter e Facebook, tornam-se quase insignificantes em comparação com o papel exercido pela Al Jazeera.

Milhões de árabes não podem tuitar e não estão familiarizados com o Facebook. Mas a maioria vê televisão, o que significa que todos assistem à Al Jazeera, a qual detonou o “artefato explosivo improvisado” que estourou sob a Autoridade Palestina, a saber, o conjunto de documentos conhecidos como "Palestine Papers".

Houve imensas ironias na confissão de Clinton diante do senador Lugar e seus colegas. Ao final dos anos setenta, os radicais nas Nações Unidas promoveram com entusiasmo a necessidade de “Nova Ordem Mundial da Informação” (NWIO, em sua sigla em inglês) para se contrapor ao controle sobre as comunicações mundiais da propaganda por parte dos países ricos, EUA à frente.

Ronald Reagan, em sua campanha para a presidência ao final dos anos setenta, denunciava quase que diariamente a visão da NWIO, fazendo-a parecer como braço particularmente sinistro da conspiração comunista internacional. Sob esse ataque, as Nações Unidas abandonaram o NWIO e se dedicaram ao negócio do Aquecimento Global, investindo fortemente no Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) como meio de restaurar o peso da ONU em todo o mundo. No que diz respeito à informação, o mundo sintonizou a CNN de Ted Turner, fundada em 1980, que se converteu precisamente no veículo de propaganda em escala global contra o qual os países do Terceiro Mundo tinham se queixado nas Nações Unidas.

E então aparece o emir do Qatar, o xeique Hamad bin Khalifa, patrono fundador e financiador da Al Jazeera, em 1996. O colaborador de “CounterPunch”, Afshin Rattansi, ex-BBC, foi o primeiro jornalista em idioma inglês que trabalhou na rede de televisão. Foi momento de grande importância na história do Oriente Médio. Seu poder foi reconhecido tacitamente há algum tempo pelo governo dos EUA que pressionou as empresas de TV a cabo dos EUA para que não transmitissem suas emissões.

Nos primeiros dias da rebelião no Egito, os telespectadores nos EUA tiveram a experiência algo surrealista de ver a Al Jazeera, transmitida em um dos monitores da sala de Obama, ainda que a Al Jazeera em inglês esteja suprimida para os usuários de tv a cabo nos EUA, com exceção dos que estão em Toledo, Ohio; Burlington, Vermont e Washington DC. (Isso não impediu que tanto Obama como a senhora Clinton criticassem a censura no Irã).

Pobre senhora Clinton. Ela imagina vasta rede imperial de comunicações que dissemine propaganda sofisticada ao estilo estadunidense. Insinua que deveria ser financiada com fundos públicos, uma versão reforçada da “Voz da América” que seguia com devoção o público por trás da Cortina de Ferro há meio século. O modelo de propaganda é o “Poderoso Wurlitzer”, como chamavam o aparato de propaganda comandado por Frank Wisner, da CIA.

Mas o mundo seguiu adiante. Basta olhar a televisão estadunidense durante dez minutos para concluir que os comunicadores dos EUA já não têm os recursos intelectuais nem a capacidade política para montar uma propaganda exitosa bem informada. O Canal Fox é para idiotas em casa. Além disso, o que poderiam alardear os propagandistas subvencionados pelo Estado? Os ataques dos drones Predator (aviões não tripulados) no Afeganistão? Guantánamo? Trinta milhões de pessoas com trabalho precário ou desempregadas nos EUA? Os EUA já não são o que eram quando a taxa de crescimento econômico estava em alta e o capitalismo parecia capaz de cumprir suas promessas.

O 2 de março foi um dia muito atarefado. O Exército dos EUA apresentou 22 novas acusações contra o soldado Bradley Manning, suspeito de passar informação confidencial para Wikileaks. As acusações incluem “ajuda ao inimigo”, um delito capital. Essas acusações coincidiram com o pedido de desculpas do general Petraeus, também no 2 de março, ao dirigente títere afegão Karzai pelas mortes, por fogo de metralhadoras dos helicópteros Apache, de 9 crianças que recolhiam lenha em uma área montanhosa do oeste do Afeganistão. Uma décima criança ficou ferida. O general disse que sentia muito e que “lamentavelmente parece ter ocorrido um erro entre a informação sobre a localização de insurgentes e o envio dos helicópteros de ataque que realizaram as operações subsequentes”.

Entre o material entregue a Wikileaks -e que integra a acusação contra Manning– estão as sequências de ataques de helicópteros Apache em Bagdá. A internet ficou petrificada quando no dia 5 de abril de 2010, Wikileaks apresentou no Youtube um vídeo de 38 minutos e uma versão editada de 17 minutos, realizado do interior de um helicóptero Apache do Exército dos EUA, que disparou contra um grupo de iraquianos em Bagdá, na esquina de uma rua, em julho de 2007. Morreram doze civis, incluindo um fotógrafo da Reuters, Namir Noor-Eldeen, de 22 anos, e um motorista da Reuters, Saeed Chmagh, de 40 anos.

Dois mortíferos ataques de helicópteros, dois resultados diferentes para os que os divulgaram. Petraeus recebeu um tapinha nas costas por seu rápido esforço de controle de danos. Manning enfrenta acusações que podem levar à pena de morte.

Um de meus vizinhos, aqui em Petrolia, é o doutor Dick Scheinman, que escreveu o seguinte para a sua lista de email’s:

Recentemente li um artigo horripilante no New York Times sobre o Afeganistão e não pude deixar de escrever a meus representantes. Talvez vocês possam fazer o mesmo. Nos dias próximos à data de pagamento das nossas contribuições, a resistência ao pagamento de impostos é uma opção. Queria chamar a atenção de vocês sobre um artigo de 2 de março do New York Times intitulado “Nove crianças afegãs que buscavam lenha assassinados por helicópteros da OTAN”.

Eu vivo com meu neto de 12 anos e, para ganharmos a vida, entre outras coisas, recolhemos e vendemos lenha. Nathan recebe 25 dólares para carregar e descarregar um punhado de lenha de nosso caminhão. Quando li esse artigo não pude deixar de pensar na pura sorte que converteu Nathan em um saudável menino estadunidense que pode recolher lenha e ganhar dinheiro, em lugar de ser um pobre menino afegão cuja vida foi destruída por homens (mulheres?) da OTAN (estadunidenses?) em um helicóptero a milhares de quilômetros de suas casas. Meu coração está repleto de amargura”.

David Petraeus pediu desculpas. Talvez tenha filhos e netos. Talvez devesse enviar seus filhos ao Afeganistão para que recolham lenha para as irmãs desses meninos durante o resto de suas vidas com o fim de expiar esse indignante assassinato a sangue fio (“mataram os meninos um depois do outro”). Talvez os homens do helicóptero devessem fazer o mesmo. Talvez as duas filhas de Barack Obama pudessem ajudar. Talvez devessem vestir alguns trapos, beijar seus pés e pedir perdão. Mas o mínimo, o mínimo que vocês poderiam fazer é não votar nunca, jamais, que haja mais dinheiro para continuar essa guerra”.

Como disse, não é muito difícil compreender por que os EUA está perdendo a guerra da propaganda.”

FONTE: artigo de Alexander Cockburn, no “Counterpunch”. Publicado no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto. O autor, Alexander Cockburn, escreve sobre temas de segurança nacional e outros relacionados. Seu livro mais recente é: “Rumsfeld: His Rise, Fall and Catastrophic Legacy”. É coprodutor de “American Casino”, o documentário longa metragem sobre o atual colapso financeiro. (http://www.counterpunch.org/cockburn03042011.html) e (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17511).

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