terça-feira, 8 de março de 2011

Márcio Pochman: TENDÊNCIAS DA REVOLUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA


Tal como nas duas revoluções tecnológicas anteriores, o desenrolar de uma profunda mudança na base técnico-científica, neste início do século 21, gera tendências que acentuam ainda mais rapidamente a natureza desigual e combinada do desenvolvimento nas economias capitalistas.

Por Márcio Pochman, em seu Blog

Na segunda metade do século 18, o curso da revolução tecnológica, concentrada fundamentalmente na Inglaterra, foi acompanhado pelo surgimento de novos setores de atividade, que inovaram e ampliaram o conjunto do setor produtivo. Por meio de uma nova fonte de energia decorrente da descoberta do motor a vapor, o transporte e a logística ganharam impulsos inéditos.

Com a indústria das ferrovias, o transporte terrestre de cargas e de pessoas evoluiu, modernizando e ampliando o valor agregado do sistema econômico como um todo, especialmente para os poucos países que naquele período conseguiram se industrializar. Em síntese, o nascimento de novos setores durante a primeira revolução tecnológica foi responsável pela ampliação da competição inter e intrassetores da economia.

Da mesma forma, a evolução da segunda revolução tecnológica no último terço do século 19 trouxe, por consequência, a explosão de novos setores econômicos, que se aliaram e modernizaram o conjunto das atividades produtivas. Naquela época, o surgimento dos setores de energia elétrica, petróleo, motor a combustão, telefonia, entre tantos outros, transformaram e tornaram bem mais complexas as estruturas produtivas, sobretudo dos países que se industrializavam ou já contavam com sua indústria avançada.

Todavia, o aparecimento de grandes empresas –capazes de suportar os investimentos da revolução tecnológica e, especialmente, o tamanho das escalas de produção– terminou por alterar a competição dita "perfeita", que até então se realizava por meio das forças de mercado (milhares de ofertantes e demandantes que competiam, sem que nenhum tivesse capacidade de estabelecer o preço final).

A concorrência se manteve, porém, cada vez mais imperfeita, uma vez que o preço final passou a depender cada vez mais do grau de monopólio da empresa (estabelecimento de margem de lucro sobre o custo total de produção), tendo em conta a organização de estruturas de mercado em oligopólios (oligopsônios) e monopólio (monopsônios).

Em função das crescentes falhas no funcionamento das forças de mercado e da maior manifestação de crises, a presença do Estado assumiu papel estratégico. A regulação pública das atividades econômicas se mostrou eficiente e pertinente em todas as sociedades capitalistas, que se transformavam em urbano-industriais ao longo do século 20.

Mas desde a virada para o novo século 21, houve embutida a força de nova revolução na base técnico-científica das economias modernas, motivada pela maior pujança dos setores terciários no interior da estrutura produtiva. Ou seja, a transmutação dos setores eletroeletrônicos em novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), da forte evolução da nanotecnologia e do aparecimento de novos materiais, principalmente.

CONCENTRAÇÃO DE RENDA

Na realidade, a evolução dessa nova revolução tecnológica não se traduz –até o momento– no aparecimento de novos setores econômicos, que modernizem e ampliem o conjunto das atividades produtivas como nas revoluções anteriores. De um lado, a expansão das TICs não consagra novo complexo produtivo, mas, sim, o seu infiltramento engajado em setores econômicos já existentes.

Isso ocorre muito rapidamente e é conduzido por poucas e grandes empresas, que embora possam ter nascido pequenas (Google, Facebook, entre outras), crescem ligeira e, praticamente, sem competição. O resultado disso tem sido a brutal concentração da renda, riqueza e propriedade, motivada por revolução tecnológica assentada na hipermonopolização do capital. E porque não dizer do poder privado.

De outro lado, a proliferação das cadeias de produção, integradas globalmente por parte das grandes corporações transnacionais, permite cada vez mais a produção centrada fundamentalmente sobre custos mais eficientes, verificados em distintas realidades do mundo. Com isso, o comércio externo cresce ligeiramente, porém, cada vez menos realizado entre países e mais centrado no conjunto de trocas intraempresas transnacionais. São elas que lideram e conduzem os rumos do comércio internacional.

O reconhecimento a respeito das novidades mais concentradas de funcionamento do capitalismo neste início de século leva à identificação de duas tendências da revolução técnico-científica atual.

TENDÊNCIAS DA REVOLUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA ATUAL

Inicialmente, o predomínio do ambiente de crise contínuo nas economias, recorrentemente associado à crescente presença do Estado a serviços das grandes corporações. Exemplo disso foi o tipo de intervenção estatal observada na crise global de 2008 quando, por meio do uso do fundo público, foi possível transferir parcelas significativas de recursos para a salvação de grandes empresas do colapso.

Essa associação entre o fundo público e as finanças do setor privado, sobretudo das grandes corporações transnacionais, revela a força do processo de hipermonopolização do capital. Recursos que anteriormente eram escassos para as áreas de educação, saúde, saneamento, trabalho, entre outras, apareceram abundantemente, mas para solver do prejuízo grandes bancos e empresas não financeiras.

Convém também ressaltar o aparecimento, posteriormente, de sinais que afirmam o estabelecimento de uma classe burguesa de dimensão mundial, a partir da dissolução das fronteiras nacionais, motivada pelo avanço da revolução tecnológica, produtiva e comercial. Poucas e grandes empresas dominam cada vez mais os setores econômicos e já respondem por quase a metade do Produto Interno Bruto mundial.

O EXEMPLO BRASILEIRO

No Brasil, o segmento de telefonia móvel, por exemplo, que faz parte do setor de tecnologia de informação e comunicação, tem em apenas 15 dos mais de 5 mil municípios do país a presença de mais de uma empresa em regime de competição. Ou seja, em mais de 99% dos municípios brasileiros predomina o monopólio na oferta dos serviços de telefonia móvel.

Em grande medida, essa realidade sustenta serviços de baixa qualidade, aliados à exclusão social, sobretudo aos segmentos de menor renda e mais distantes geograficamente dos centros metropolitanos do país.

A ausência de competição expressa os problemas do modelo de privatização escolhido pelo Brasil, indicando o simples deslocamento do antigo monopólio público (empresa estatal) para, cada vez mais, o monopólio privado (empresas privadas).

Na trajetória apresentada até o momento, a confrontação e a rebeldia deixarão de ocorrer, na medida em que o Estado tenha capacidade de interferir positivamente em função do fortalecimento dos setores produtivos e da redução da exclusão social, que marca o avanço da revolução técnico-científica. O Brasil tem condições objetivas de atuar positivamente no enfrentamento das tendências da nova revolução tecnológica.”

FONTE: escrito pelo economista Márcio Pochman, em seu Blog. Segundo a wikipedia, o autor formou-se pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em ciências políticas e em relações do trabalho. É mestre e doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Unicamp desde 1995 e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp desde 1989. Foi diretor executivo do centro entre 1997 e 1998. Foi consultor do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e organismos multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi secretário municipal do desenvolvimento, trabalho e solidariedade da cidade de São Paulo entre 2001 e 2004, durante a gestão de Marta Suplicy. Desde 2007 é presidente do IPEA. Artigo transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=149047&id_secao=6) [imagem do Google adicionada por este blog].

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