domingo, 4 de setembro de 2011
BRITÂNICOS E FRANCESES TREINARAM REBELDES LÍBIOS
“Os rebeldes que tomaram o controle do poder na Líbia contaram com substancial ajuda de militares britânicos e franceses em treinamentos e munições. Apesar disso, integrantes importantes na história da Al-Qaeda também agiram com esses rebeldes. E, para completar, é muito provável que os norte-americanos já estivessem planejando a queda do ditador Muamar Kadafi desde, ao menos, 2010.
Essas são algumas conclusões de Luiz Alberto Moniz Bandeira, cientista político e historiador, professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília). Leitor voraz da imprensa internacional e de obras a respeito da política das grandes potências, Moniz Bandeira é autor de, entre outros livros, ‘Formação do Império Americano’, que lhe rendeu o título de intelectual do ano de 2005 pela ‘União Brasileira de Escritores’ e, no mesmo ano, o troféu Juca Pato.
A obra foi publicada este ano pela "Casa das Américas", em Cuba, e sairá, até fins de 2011, na China, traduzido para o mandarim, pela editora da Universidade de Renmin, em Beijing.
Veja abaixo a entrevista que ele concedeu à ‘Carta Capital’:
CartaCapital: O senhor tem informações de que tropas especiais do Reino Unido, França e Estados Unidos teriam, antes mesmo de ter sido a aprovada a “zona de exclusão” pelo Conselho de Segurança da ONU, agido ao lado dos rebeldes na Líbia. Poderia nos dar mais detalhes?
Luiz Alberto Moniz Bandeira: Segundo ‘The Guardian’ revelou, tropas das forças especiais do Reino Unido chegaram à Líbia em fevereiro deste ano, e assessoram e treinaram os chamados “rebeldes” em Bengazi, no leste da Líbia, região tradicionalmente separatista.
Em 7 de março, os “rebeldes” libertaram dois oficiais do M16, o serviço de inteligência britânico. As tropas especiais britânicas entraram na Líbia, de helicóptero, e desceram na fazenda de Tom Smith (suposto agente do MI6), perto de Bengazi, com armas, munições, explosivos, cadernetas com informações militares, mapas e passaportes falsos. O objetivo era entrar em contato com os líderes da oposição em Bengazi. E não há duvida de que lá também estiveram soldados franceses.
Carta Capital: Publicamos há poucos dias no site da CartaCapital que a Al-Qaeda estaria no comando da batalha por Trípoli. Abdelhakim Belhaj, conhecido pela CIA como Abu Abdallah Al-Sadek, fundador do ‘Grupo Islâmico de Combate’ (GIC) e agora integrante do ‘Conselho Nacional de Transição’, apoiado por 34 países, seria o líder dos insurgentes.
Moniz Bandeira: Não foi sem fundamento que Kadafi, logo no início, denunciou que a Al-Qaeda estava por trás da rebelião em Bengazi. As potências ocidentais desprezaram a denúncia, como se fosse propaganda política. Porém, ele estava muito bem informado por seu serviço secreto.
Abdelhakim Belhaj ou Abu Abdallah al-Sadek, fundador do ‘Grupo de Combate Islâmico Líbio’, comanda, juntamente com Khaled Chrif e Sami Saadi, a ‘Brigada de Trípoli’, que recebeu treinamento secreto, durante dois meses, de forças especiais dos Estados Unidos. Essa milícia está à frente do combate em Trípoli, apoiada por militares das forças especiais do Reino Unido e da França.
Belhaj lutou contra as tropas da União Soviética, com os mujahideen, no Afeganistão, onde organizou campos de treinamento para o jihadistas durante os anos 1980, o que é sabido tanto pela CIA quanto pelo MI6 e o Mossad. Em 2006, o ‘Grupo Islâmico de Combatentes Líbios’, liderado por Belhaj, fundiu-se com Al-Qaeda, no Mahgreb Islâmico (noroeste da África).
Carta Capital: Essa história não lembra aquela da colaboração entre a CIA e Osama Bin Laden?
Moniz Bandeira: Essa colaboração é antiga. Em 1979, o presidente (norte-americano) Jimmy Carter autorizou a CIA a dar assistência encoberta aos mujahidin afegãos, mediante propaganda e outras operações de guerra psicológica, possibilitando à população o acesso ao rádio e outras provisões, de modo a sustentar a insurgência contra o governo de Cabul, que tinha o respaldo da União Soviética.
O general Muhammad Zia al-Haq, na época presidente do Paquistão, e o príncipe Turqui bin Faisal, chefe do serviço de inteligência da Arábia Saudita, tinham estreitas vinculações com Osama bin Laden e serviram como intermediários do financiamento da CIA aos mujahidin mobilizados para combater as tropas soviéticas.
Era o cinturão verde (Islã) contra o avanço vermelho (comunismo). A Jihad, porém, não terminou com a saída das tropas soviéticas. Os Estados Unidos foram um aliado circunstancial. E cerca de 600 a mil fundamentalistas, com a ajuda de bin Laden e de outros patrocinadores da Jihad, atravessando os desertos de Marrocos e da Tunísia, retornaram à Argélia e à Líbia, onde se concentraram em Bengazi.
Carta Capital: Sabe quando e como a OTAN começou a armar os rebeldes?
Moniz Bandeira: Tudo indica que os Estados Unidos, faz algum tempo, já haviam decidido remover Kadafi, mudar o regime, e aguardavam apenas a oportunidade. É muito provável que o planejamento da operação houvesse começado em 2010, antes do levante no Egito.
Em outubro daquele ano, Nuri al-Mesmari, chefe de protocolo de Kadafi, abandonou a Líbia e, depois de passar pela Tunísia, asilou-se na França, onde manteve contato com os militares, começando o complô contra Kadafi envolvendo ativistas da oposição em Bengazi. O jornalista italiano Franco Bechis revelou, no diário direitista ‘Libero’, em 24 de março de 2011, que aparentemente o serviço secreto francês começou a planejar a rebelião em Bengazi em 21 de outubro de 2010.
Ele acusou o presidente Nicolas Sarkozy de manipular a revolta na Líbia. E Sarkozy não deixaria de contar com o respaldo dos Estados Unidos. Em 26 de fevereiro, nove dias após a sublevação em Bengazi, o presidente Barack Obama declarou que Kadafi havia perdido a legitimidade e deveria deixar o governo. Ele estava a considerar a intervenção militar e há algumas evidências de que já havia introduzido forças militares na região.
Carta Capital: O senhor prevê na Líbia uma desordem como no Afeganistão e no Iraque?
Moniz Bandeira: A situação da Líbia é muito complexa. Em 1969, Kadafi derrubou com um golpe militar o rei Idris. Desde então, buscou impor à Líbia um só partido. É um país onde o Estado nacional ainda não se consolidou. É semitribal, o mais tribal entre os países árabes.
Há mais de 140 tribos e clãs na Líbia e vão disputar o vácuo do poder, dado que nenhum governo implantado pelos “rebeldes” da OTAN terá legitimidade. Kadafi tentou reduzir a influência das tribos, mas depois teve de fazer alianças e manipular a fidelidade das tribos a fim de manter sua ditadura. Tornou-se, no país, um fator de equilíbrio, como Saddam Hussein no Iraque. Com a sua derrubada, as potências ocidentais não terão condições de controlar as lutas tribais.
Carta Capital: Os Estados Unidos poderão intervir na Síria?
Moniz Bandeira: Não creio. A posição geopolítica da Líbia é muito mais complicada e uma intervenção estrangeira certamente desestabilizaria todo o Oriente Médio, embora desde 2006 os Estados Unidos estejam a financiar a oposição [na Síria].
Mas, depois da Líbia, Obama não conta com a possibilidade de [novamente] obter uma resolução do Conselho de Segurança, ainda que muito vaga, para encobrir a intervenção militar [na Síria] e, depois, disfarçá-la com a máscara da OTAN. E, decerto, não deseja se envolver, diretamente, em novo confronto militar, como ocorre no Iraque e no Afeganistão
Carta Capital: E o interesse pelo petróleo da Líbia?
Moniz Bandeira: O petróleo, certamente, foi um dos motivos da intervenção na OTAN na Líbia, mas não creio que foi decisivo. Os Estados Unidos, bem como a França e o Reino Unido, querem legitimar o "direito de intervenção humanitária", para encobrir seus interesses estratégicos e geopolíticos, entre os quais, evidentemente, o petróleo.
A Líbia, antes da guerra, estava a produzir 2 bilhões de barris por dia. A França importava 5,63% do petróleo da Líbia, porém seu objetivo é aumentar a participação das companhias francesas na exploração, para garantir seu abastecimento durante o século 21.
Também o Reino Unido e os Estados Unidos pretendem manter sob controle os principais campos de produção. Mas há outros interesses em pauta. Sarkozy deseja restabelecer os contratos para venda de aviões Rafales, a fim de substituir os Mirages líbios destruídos pelos bombardeios da própria França, sob o manto da OTAN, bem como garantir para as construtoras francesas as obras de reconstrução de Trípoli.
Depois, o ‘United States Africa Command’ (AFRICOM) entregará às companhias militares ligadas ao Pentágono, mediante vultosos contratos de milhões de dólares, as tarefas de recrutar e treinar as forças militares do novo governo da Líbia. Encapados pela OTAN, os Estados Unidos tentarão manter o domínio ultraimperialista do cartel das grandes potências ocidentais, dominando estrategicamente o Mediterrâneo, onde o único estado adverso agora é a Síria.”
FONTE: site da revista “Carta Capital”. Transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=162947&id_secao=9) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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