sexta-feira, 4 de maio de 2012

TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO E ILUSÕES


Por Adriano Benayon

“No momento em que surgem novos avanços na nanotecnologia e na criação de materiais, como o grafeno, é fundamental compreender a interação da tecnologia com o desenvolvimento econômico e social.

2. Indispensável afastar ilusões, pois não há algo de que se fale tanto e de que se entenda tão pouco como essa interação. Mesmo os que trabalham em inovar com produtos e processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se desenvolve através da tecnologia.

3. Na teoria econômica, ela é vista como progresso técnico e elemento externo à função de produção, na qual entram os fatores: recursos naturais, trabalho e capital (conjunto de máquinas, instrumentos e materiais utilizados na produção).

4. Alguns autores assinalam o papel da tecnologia como fator organizativo, que determina a composição e a proporção dos fatores de produção.

5. Os que exercem poder sobre o capital, privado ou público, escolhem a tecnologia a ser adotada. Para isso, baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e, de outro, nas estratégias de mercado e/ou nos objetivos da política econômica. Os criadores de tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que lhes é demandado por parte dos que comandam o capital.

6. Fator invisível, mas concreto, da produção, a tecnologia decorre do trabalho, pois é gente que a produz: engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros séculos da industrialização) ou operários.

7. Por outro lado, tendo valor - e muito, do ponto de vista do mercado e em termos monetários - a tecnologia é quase sempre apropriada pelos detentores do capital, podendo a mais-valia ser especialmente elevada.

8. De resto, o ordenamento jurídico da propriedade industrial está no Acordo TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights) da Organização Mundial do Comércio (OMC), aprovado no Brasil no final de 1994.

9. Esse acordo protege, muito mais que os direitos dos inventores, as corporações transnacionais. É instrumento da oligarquia para aprofundar o apartheid tecnológico, impedindo a absorção de tecnologia por países e empresas de menor desenvolvimento.

10. A lesão ao desenvolvimento tecnológico do País foi reforçada com a Lei de Propriedade Industrial, nº 9.279/1996 [FHC/PSDB], enviesada em favor das empresas transnacionais, que controlam os mercados no Brasil.

11. Essas legislações inserem-se no salto qualitativo do crescimento da concentração do poder sob o império anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União Soviética. Foi assim radicalizada a apropriação da tecnologia pelos concentradores transnacionais do poder econômico.

12. Se, antes de 1990, já prevalecia o comando do capitalismo – por definição, concentrador – sobre os benefícios e os rendimentos monetários advindos da tecnologia, esta passou, desde então, a ser cada vez mais amplamente expropriada do Estado, dos empresários médios e pequenos, bem como dos técnicos e demais trabalhadores.

13. Tal como os demais bens suscetíveis de serem públicos, ou de - embora privados - beneficiarem o conjunto da sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da privatização concentradora.

14. E o que isso tem a ver com a desindustrialização do Brasil, com o baixo percentual de empregos de qualidade, com as infraestruturas econômica e social mal construídas e deterioradas? E com o enorme déficit nas transações correntes com o exterior, o qual não arrefece nem com a redução da demanda, como foi em 2011?

15. Ora, o Brasil, após agosto de 1954, foi sendo inviabilizado em termos de desenvolvimento econômico e social, ao ter continuadamente subsidiado a ocupação do mercado por empresas transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não se desenvolvem tecnologias nacionais, pois raras são as empresas de capital nacional que subsistem [no nascedouro] ao "mercado" [internacional já adulto].

16. Aí reside um ponto-chave: tecnologia capaz de alavancar o desenvolvimento só cresce dentro de empresas em competição nos mercados. Entretanto, domina, na opinião comum, a falsa concepção de que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque investe pouco em educação, ciência, pesquisa básica e tecnologia.

17. É verdade que investe relativamente pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco, quase nada resulta em proveito da economia do País. Por quê? Porque não há empresas nacionais evoluindo com progressos tecnológicos próprios. Elas simplesmente ficaram sem chance de permanecer no mercado ou de nele entrar, salvo em raros e passageiros nichos, logo apropriados pelos concentradores, principalmente transnacionais.

18. Poderíamos comparar a tecnologia aos nutrientes e adubos de uma planta, que seria a empresa produtiva. Ora, se a planta não é nossa, de pouco nos serve alimentá-la.

19. As transnacionais têm seus centros tecnológicos, em geral nas matrizes, e utilizam, nas subsidiárias daqui, a tecnologia já paga no exterior durante anos de vendas, o que lhes permite custo real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse em investir, nem em adquirir alguma aqui desenvolvida.

20. Se alguma lhes interessar, quase nada pagarão por ela, porque, controlando o mercado em sistema de oligopólio, impõem os preços e as condições, na qualidade de únicas compradoras. O que fizeram muito foi adquirir empresas nacionais apertadas pela política econômica, que as oprime em favor das ETNs [empresas transnacionais].

21. Essa é a síntese da questão, como expus e documentei no meu livro “Globalização versus Desenvolvimento”: Não existe país que se tenha desenvolvido havendo entregado seu mercado a empresas comandadas por capitais estrangeiros.

22. Portanto, o conceito de “transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido na direção inversa àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as transnacionais dos países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u) nos países realmente em desenvolvimento.

23. Agradeço ao Prof. Weber de Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido um exemplo típico da ilusão “desenvolvimentista” fomentada por JK: a eliminação de mais um projeto de indústria nacional, a Romisetta.

Romisetta

24. Figueiredo assim resumiu informações de Fernando Campanholo sobre esse veículo produzido pela Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste (SP), de 1956 a 1959:

O governo JK abriu linha de financiamento subsidiado destinado às multinacionais de automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional Romi também pleiteou o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois o financiamento fora pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução engenhosa foi encontrada. O governo baixou uma portaria definindo que automóvel é o veículo que tem dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim, a brasileira Romi foi jogada para escanteio, ficando fora do financiamento oficial, falindo a sua linha automotiva.”

25. A Romisetta era um carro leve, de um só banco. Mas o importante é começar a produzir para o mercado, o primeiro passo para evoluir em tecnologia. Não importa não ser de primeira linha.

26. O Fusca da VW chegou a mais de 50% do mercado, dominou-o por mais de vinte anos e pouco evoluiu. Fora desenvolvido nos anos 1930, e a VW ganhou o incrível subsídio, dado às multinacionais, em 1954, de registrar como investimento em moeda o equipamento e tecnologia de produção, então mais do que amortizados. Portanto, custo zero para o capital e a tecnologia. Além disso, com JK, mais subsídios, como o financiamento oficial.

27. Campanholo conclui:

A fabricação de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até 1961, principalmente comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em 1956 pela Alemanha, fica como triste lembrança de quanto nós estamos suscetíveis e passivos aos mandos e desmandos do capital estrangeiro. Até hoje.”

28. Resultado: as transnacionais, que ficaram com o mercado brasileiro de graça, continuam recebendo subsídios e remetendo centenas de bilhões de dólares para o exterior, a diversos títulos. Isso significa descapitalizar o País.

29. O Brasil foi programado pelo império anglo-americano para ser uma área de exploração de recursos naturais, em condição semelhante à maioria dos países africanos, submetidos ao mesmo tipo de intervenção. Além disso, em base de lucros provenientes também da indústria, controlada pelas transnacionais.

30. Foram elementos-chave da estratégia para que esse programa tenha sido realizado a pleno contento das potências imperiais e associadas:

1) a intervenção política e militar diretamente junto aos governos brasileiros;
2) a intervenção do dinheiro e da corrupção nas eleições, no sistema formalmente democrático;
3) o genocídio cultural;
4) o fomento da crença em que a entrada do capital estrangeiro favorece o desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em outras falácias.

31. Os entreguistas, culminando com os mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram a aplicação dessa fé bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao comércio: fizeram o Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos estrangeiros de forma inacreditável, e discriminar contra o capital nacional.


32. O Brasil não deixará de ser um país saqueado e enganado pela conversa fiada, enquanto não se reverter, de modo cabal, tudo isso e a mentalidade subjacente.

33. Eis algumas consequências para um país que participa do BRICS e pleiteia assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, só para ser enrolado pela potência dominante:

Dos 25 navios daMarinha de Guerra do Brasil, apenas 14 estão em condições de navegar, e dos seus 23 aviões apenas um tem condições de levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia e a China são potências nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo nível...”

Não produzimos sequer uma calculadora de bolso - pois falta-nos até fábrica de chips – somos meros montadores de aparelhos eletrônicos.”

FONTE: escrito por Adriano Benayon, Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento”. Publicado no blog “Redecastorphoto”  (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/05/tecnologia-desenvolvimento-e-ilusoes.html) [Imagens do Google e pequenos trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

4 comentários:

iurikorolev disse...

Talvez o raio X que o articulista faz da situação atual do Brasil seja verdadeiro.
Mas as razões apontadas por ele são para mim completamente equivocadas dentro desse discurso ingênuo (meio peronista) de que o mal vem sempre de fora.
Por que não colocar a culpa nas lideranças políticas e empresariais brasileiras de todos os tempos sempre procurando o caminho mais fácil (herança portuguesa)?
Por que não colocar também a culpa no povo ignorante, hedonista e sambeiro que prefere uma roda de funk do que uma aula de matemática (herança africana) ?

Unknown disse...

Iurikorolev,
Concordo com você ao dizer que o mal maior nem sempre vem de fora. Discordo completamente de você nesse profundo complexo de inferioridade racial e cultural, colocando a culpa das nossas deficiências nas heranças portuguesa e africana. Os portugueses tiveram visão e empreendorismo geopolíticos até hoje não superados por nenhuma das culturas que você pode pensar serem superiores. Um exemplo entre milhões: a construção do grande Forte Príncipe da Beira, em Rondônia, em região desprovida de pedras, a dezenas de milhares de quilômetros de distância da metrópole, alcançável somente com pequenos e frágeis barcos a vela e muitos meses de viagem. Inúmeros empreendimentos geopolíticos sobrehumanos como esse nos deram o Brasil com as dimensões de hoje.
Maria Tereza

iurikorolev disse...

MT
Não tenho qualquer complexo de inferioridade.
Mas que Portugal sempre foi inferior à Inglaterra (pelo menos do ponto de vista material)para mim sempre foi.
Portugal sempre procurou a "porta larga" da extração de produtos naturais e escravagismo, a Inglaterra sempre apostou no caminho inverso : tecnologia, indústria e educação do povo.
Portugal por essa inapetência tecnológica e militar sempre foi obrigado a comer na mão dos ingleses e aceitar acordos humilhantes e contra seus interesses.
Quanto ao povo brasileiro, em sua maior parte, o que vc acha dele em termos de valores ?...Como vc compararia com o povo alemão por exemplo ?

Unknown disse...

Iurikorolev,
O pouco que sei da história inglesa e alemã, não me permite considerá-los superiores. Tiveram ou têm seus momentos de "glória", mas também momentos vergonhosos. Assim, também os demais povos. Cada um no seu tempo. Em resumo, não acho que nenhuma raça (ou povo) seja melhor ou pior que outra.
Maria Tereza