Belluzzo: “Eles acham que vão levar na mão grande”
“Estou muito preocupado.” Foi com essa declaração que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo começou a conversa por telefone com o portal "Vermelho", na última terça (17). O que o afligia era a sobreposição das crises econômica, política e também a social que, para ele, se avizinha. Pior, o incomodava a falta de perspectivas. Contrário ao pedido de impeachment, ele disse que a oposição age de forma “irresponsável”, ao provocar instabilidade, e tem uma proposta “desastrosa” para o país.
Por Joana Rozowykwiat
“Nunca vi um comportamento tão irresponsável e tão perigoso, porque eles [da oposição] acham que vão levar na mão grande e não vai acontecer nada. E não é assim”, condenou.
Professor da Unicamp, Belluzzo assinou manifesto de acadêmicos contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, apesar da postura crítica em relação à política econômica adotada pelo governo.
Para ele, os problemas econômicos – “decorrentes de uma avaliação equivocada sobre como andava a economia em 2013 e 2014” – têm sido agravados pelas questões da política, em meio a “uma tentativa de desestabilizar o governo, sem que você tenha uma razão clara”, avaliou.
“Essas crises começam a se alimentar. E, na esteira disso, vem uma crise social, que se anuncia de forma aguda e preocupante. Eles costumam falar em tempestade perfeita. Isso na verdade é uma tormenta sem proporções”, opinou.
“Proposta desastrosa” do PMDB
No momento em que o Executivo tem dificuldades inclusive de aprovar medidas consideradas chave para a gestão, Belluzzo mostrou-se pessimista. “O pior é que olho para frente e, neste momento, vejo o Estado brasileiro paralisado. E a oposição tem uma proposta desastrosa, que eles chamam de "Ponte para o Futuro", mas é uma coisa que já foi tentada várias vezes aqui sem nenhum sucesso”, disse, referindo-se à plataforma apresentada pelo PMDB.
Contrariando princípios que nortearam, no passado, a atuação do PMDB de Ulysses Guimarães, o partido de Eduardo Cunha e Michel Temer propõe nesse documento medidas como o fim das vinculações previstas na Constituição, como os gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação; fim da indexação de salários e benefícios da Previdência; fim do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e busca dos acordos comerciais com os Estados Unidos, a Europa e países asiáticos, virando as costas para o Mercosul.
“Esse projeto significaria agravar a situação atual”, vaticinou o professor. “Estamos às vésperas de levar outra trombada, porque estamos vendo se montar outra crise financeira nos Estados Unidos, ou pelo menos uma turbulência séria, e estamos vulneráveis. E, no fundo, o que eles estão propondo é a continuidade do projeto [do ministro da Fazenda. Joaquim] Levy, uma coisa liberal fora do lugar. O mais grave é não ter a percepção de que as políticas monetária, fiscal e cambial que eles estão recomendando são as mesmas que levaram o país a essas dificuldades”, analisou.
O professor, contudo, disse que também não vê uma aglutinação das forças políticas para se contrapor a esse programa de forma consistente, “com um projeto que se oponha a esse desastre, que é essa coisa que eles estão prometendo por anos, por décadas”.
A ilegalidade do impeachment
De acordo com Belluzzo, a tentativa de derrubar o governo eleito “é uma repetição do mesmo”, com o objetivo de justamente aplicar esse programa – que, como disse o senador Roberto Requião, resultaria na liquidação das bases produtivas nacionais e na captura dos rumos do governo pela Banca.
“Quem conhece o país há 60, 65 anos, percebe que é sempre a mesma gente com outra cara. Eles querem resolver isso a favor deles. E agora isso piorou, porque agora você tem essa falta de vigor na sociedade. Essa fração da sociedade que está afundada no rentismo. O impeachment é isso. Eles querem resolver na ilegalidade. Francamente, vai ser um problema, se eles conseguirem impor esse programa ao Brasil, vai piorar ainda mais”, concluiu.
Segundo ele, a oposição tenta atribuir a responsabilidade dos problemas econômicos ao governo anterior, mas a questão seria mais complexa e com origem bem anterior.
Passivos na globalização
“Eles costumam falar: nós estamos afastados das cadeias globais. Eles nem sabem do que estão falando. É uma frase vazia. Não sabem que perdemos o bonde no final dos anos 1980, começo dos 1990. Crise da dívida externa, a forma como nós saímos dessa crise... São 20 anos de ausência de políticas ativas industriais e de valorização cambial, que deixaram a indústria brasileira na pindaíba, na penúria. E eles olham essas coisas agora e querem atribuir isso à política econômica do governo anterior, quando na verdade, isso é muito mais estrutural”, condenou.
O economista não poupou a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, para ele, forçou o câmbio a se valorizar e surfou na onda do ciclo de commodities e da euforia da economia mundial naquele momento.
“Mas o problema não é apenas os erros de política econômica. O problema maior é da não retomada do projeto de industrialização, do crescimento da economia. Fizemos tudo na contramão daqueles que se saíram bem nesse período todo. Porque não adianta você colocar a culpa na globalização. Houve globalização para a China também, mas ela usou as tendências da globalização para levar adiante o seu projeto nacional”, comparou.
Plano Real como vilão
Segundo ele, o Brasil “entregou-se passivamente” à globalização, acreditando que fosse possível simplesmente fazer uma abertura financeira e comercial “e deixar que a coisa andasse”.
“Mas o que aconteceu? Nos lascamos. E isso começou lá embaixo, com o Plano Real. Não é que a queda da inflação foi ruim, é que as consequências da forma como foi feita a luta contra a inflação foi péssima. Eles deixaram o câmbio valorizado, deixaram a economia perder consistência do ponto de vista industrial, perdemos cadeias inteiras de produção e valor agregado e, hoje em dia, a indústria brasileira voltou a ter o mesmo peso que tinha em 1947, sem uma diversificação produtiva interessante”, lamentou.
De acordo com ele, a atual crise apenas tem exprimido, “de forma pouco clara para quem observa”, todos esses problemas, perdas e contradições, “de modo que as pessoas ficam atirando para todo lado, sem saber onde vão acertar”, apontou.
Papagaios
Nesse sentido, os principais aspectos dessa crise não se resolveriam com uma mudança de governo, como prega a oposição que defende o golpe. “É isso mesmo. Não há nenhuma possibilidade de você sobreviver e avançar sem ter uma ideia de como você está integrado no mundo e qual é o seu projeto nacional, como você vai executar e com quem. Perdemos praticamente toda a capacidade empresarial que havia sido acumulada com 50 anos de industrialização”, disse.
O economista condenou a falta de um projeto nacional de desenvolvimento e de um empresariado mais consistente.
“Você olha e é um deserto. Morreram todos. E os que sobraram, os mais jovens, não têm noção de nada. São papagaios que ficam repetindo coisas que são inclusive contra eles: empreendedorismo, liberdade de comércio... não sabem do que estão falando. Quer dizer, nada comparado a Roberto Simonsen, outros industriais que perceberam para aonde ia o país. Infelizmente essa geração se foi há muito tempo e hoje em dia você não tem ninguém, só um bando de imitadores, sem originalidade”, disparou.
Mobilização já
Nesse cenário, segundo Belluzzo, mantidas as condições atuais, as perspectivas para 2016 são muito ruins. Para ele, é preciso que haja pressão para mudar os rumos da economia.
“Não acredito em nenhuma solução saída da cabeça de um gênio, se a sociedade não se mobilizar. Se as forças sociais que estão sendo espremidas por esse ajuste não colocarem seus projetos na frente do que essa gente preguiçosa e vagabunda quer – os rentistas –, nós estamos rendidos. E eles têm muita força, porque eles têm a mídia, têm a formação da opinião pública. São, na verdade, mestres em dizer banalidade e convencer as pessoas do que parece óbvio, mas não é”, defendeu.
O professor também puxou a orelha das lideranças sociais que, para ele, precisam se comportar de acordo com suas responsabilidades. “É preciso enfrentar as coisas mais difíceis e não ficar com ilusões e percepções do tipo: ‘ah, vamos recuperar o crédito, para que o pessoal compre mais máquina de lavar’. Hoje em dia isso é impossível, é uma visão tosca”, afirmou.
Programa de conteúdo nacional
O caminho, de acordo com o economista, é criar as condições para desencadear um investimento autônomo, com a participação do Estado, mas com a cooperação do setor privado.
“Tem que juntar essas forças e começar a investir em infraestrutura, manter um programa de conteúdo nacional, fazer com que os setores de bem de capital consigam se acertar um pouco, porque estão muito mal. Em suma, fazer um programa que articule crescimento com emprego, com a subida dos salários reais, com as exportações, mantendo o câmbio desvalorizado”, sugeriu
No final da entrevista ao "Vermelho", Belluzzo voltou a mencionar a falta de indicações de que essas medidas venham a ser colocadas em prática. “É isso que eu acho, mas estou preocupado, porque não vejo movimentação, só vejo movimentação para o lado errado”, encerrou."
FONTE: escrito por Joana Rozowykwiat, do Portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/274282-2).
“Estou muito preocupado.” Foi com essa declaração que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo começou a conversa por telefone com o portal "Vermelho", na última terça (17). O que o afligia era a sobreposição das crises econômica, política e também a social que, para ele, se avizinha. Pior, o incomodava a falta de perspectivas. Contrário ao pedido de impeachment, ele disse que a oposição age de forma “irresponsável”, ao provocar instabilidade, e tem uma proposta “desastrosa” para o país.
Por Joana Rozowykwiat
“Nunca vi um comportamento tão irresponsável e tão perigoso, porque eles [da oposição] acham que vão levar na mão grande e não vai acontecer nada. E não é assim”, condenou.
Professor da Unicamp, Belluzzo assinou manifesto de acadêmicos contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, apesar da postura crítica em relação à política econômica adotada pelo governo.
Para ele, os problemas econômicos – “decorrentes de uma avaliação equivocada sobre como andava a economia em 2013 e 2014” – têm sido agravados pelas questões da política, em meio a “uma tentativa de desestabilizar o governo, sem que você tenha uma razão clara”, avaliou.
“Essas crises começam a se alimentar. E, na esteira disso, vem uma crise social, que se anuncia de forma aguda e preocupante. Eles costumam falar em tempestade perfeita. Isso na verdade é uma tormenta sem proporções”, opinou.
“Proposta desastrosa” do PMDB
No momento em que o Executivo tem dificuldades inclusive de aprovar medidas consideradas chave para a gestão, Belluzzo mostrou-se pessimista. “O pior é que olho para frente e, neste momento, vejo o Estado brasileiro paralisado. E a oposição tem uma proposta desastrosa, que eles chamam de "Ponte para o Futuro", mas é uma coisa que já foi tentada várias vezes aqui sem nenhum sucesso”, disse, referindo-se à plataforma apresentada pelo PMDB.
Contrariando princípios que nortearam, no passado, a atuação do PMDB de Ulysses Guimarães, o partido de Eduardo Cunha e Michel Temer propõe nesse documento medidas como o fim das vinculações previstas na Constituição, como os gastos mínimos obrigatórios com saúde e educação; fim da indexação de salários e benefícios da Previdência; fim do regime de partilha na exploração do Pré-Sal e busca dos acordos comerciais com os Estados Unidos, a Europa e países asiáticos, virando as costas para o Mercosul.
“Esse projeto significaria agravar a situação atual”, vaticinou o professor. “Estamos às vésperas de levar outra trombada, porque estamos vendo se montar outra crise financeira nos Estados Unidos, ou pelo menos uma turbulência séria, e estamos vulneráveis. E, no fundo, o que eles estão propondo é a continuidade do projeto [do ministro da Fazenda. Joaquim] Levy, uma coisa liberal fora do lugar. O mais grave é não ter a percepção de que as políticas monetária, fiscal e cambial que eles estão recomendando são as mesmas que levaram o país a essas dificuldades”, analisou.
O professor, contudo, disse que também não vê uma aglutinação das forças políticas para se contrapor a esse programa de forma consistente, “com um projeto que se oponha a esse desastre, que é essa coisa que eles estão prometendo por anos, por décadas”.
A ilegalidade do impeachment
De acordo com Belluzzo, a tentativa de derrubar o governo eleito “é uma repetição do mesmo”, com o objetivo de justamente aplicar esse programa – que, como disse o senador Roberto Requião, resultaria na liquidação das bases produtivas nacionais e na captura dos rumos do governo pela Banca.
“Quem conhece o país há 60, 65 anos, percebe que é sempre a mesma gente com outra cara. Eles querem resolver isso a favor deles. E agora isso piorou, porque agora você tem essa falta de vigor na sociedade. Essa fração da sociedade que está afundada no rentismo. O impeachment é isso. Eles querem resolver na ilegalidade. Francamente, vai ser um problema, se eles conseguirem impor esse programa ao Brasil, vai piorar ainda mais”, concluiu.
Segundo ele, a oposição tenta atribuir a responsabilidade dos problemas econômicos ao governo anterior, mas a questão seria mais complexa e com origem bem anterior.
Passivos na globalização
“Eles costumam falar: nós estamos afastados das cadeias globais. Eles nem sabem do que estão falando. É uma frase vazia. Não sabem que perdemos o bonde no final dos anos 1980, começo dos 1990. Crise da dívida externa, a forma como nós saímos dessa crise... São 20 anos de ausência de políticas ativas industriais e de valorização cambial, que deixaram a indústria brasileira na pindaíba, na penúria. E eles olham essas coisas agora e querem atribuir isso à política econômica do governo anterior, quando na verdade, isso é muito mais estrutural”, condenou.
O economista não poupou a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, para ele, forçou o câmbio a se valorizar e surfou na onda do ciclo de commodities e da euforia da economia mundial naquele momento.
“Mas o problema não é apenas os erros de política econômica. O problema maior é da não retomada do projeto de industrialização, do crescimento da economia. Fizemos tudo na contramão daqueles que se saíram bem nesse período todo. Porque não adianta você colocar a culpa na globalização. Houve globalização para a China também, mas ela usou as tendências da globalização para levar adiante o seu projeto nacional”, comparou.
Plano Real como vilão
Segundo ele, o Brasil “entregou-se passivamente” à globalização, acreditando que fosse possível simplesmente fazer uma abertura financeira e comercial “e deixar que a coisa andasse”.
“Mas o que aconteceu? Nos lascamos. E isso começou lá embaixo, com o Plano Real. Não é que a queda da inflação foi ruim, é que as consequências da forma como foi feita a luta contra a inflação foi péssima. Eles deixaram o câmbio valorizado, deixaram a economia perder consistência do ponto de vista industrial, perdemos cadeias inteiras de produção e valor agregado e, hoje em dia, a indústria brasileira voltou a ter o mesmo peso que tinha em 1947, sem uma diversificação produtiva interessante”, lamentou.
De acordo com ele, a atual crise apenas tem exprimido, “de forma pouco clara para quem observa”, todos esses problemas, perdas e contradições, “de modo que as pessoas ficam atirando para todo lado, sem saber onde vão acertar”, apontou.
Papagaios
Nesse sentido, os principais aspectos dessa crise não se resolveriam com uma mudança de governo, como prega a oposição que defende o golpe. “É isso mesmo. Não há nenhuma possibilidade de você sobreviver e avançar sem ter uma ideia de como você está integrado no mundo e qual é o seu projeto nacional, como você vai executar e com quem. Perdemos praticamente toda a capacidade empresarial que havia sido acumulada com 50 anos de industrialização”, disse.
O economista condenou a falta de um projeto nacional de desenvolvimento e de um empresariado mais consistente.
“Você olha e é um deserto. Morreram todos. E os que sobraram, os mais jovens, não têm noção de nada. São papagaios que ficam repetindo coisas que são inclusive contra eles: empreendedorismo, liberdade de comércio... não sabem do que estão falando. Quer dizer, nada comparado a Roberto Simonsen, outros industriais que perceberam para aonde ia o país. Infelizmente essa geração se foi há muito tempo e hoje em dia você não tem ninguém, só um bando de imitadores, sem originalidade”, disparou.
Mobilização já
Nesse cenário, segundo Belluzzo, mantidas as condições atuais, as perspectivas para 2016 são muito ruins. Para ele, é preciso que haja pressão para mudar os rumos da economia.
“Não acredito em nenhuma solução saída da cabeça de um gênio, se a sociedade não se mobilizar. Se as forças sociais que estão sendo espremidas por esse ajuste não colocarem seus projetos na frente do que essa gente preguiçosa e vagabunda quer – os rentistas –, nós estamos rendidos. E eles têm muita força, porque eles têm a mídia, têm a formação da opinião pública. São, na verdade, mestres em dizer banalidade e convencer as pessoas do que parece óbvio, mas não é”, defendeu.
O professor também puxou a orelha das lideranças sociais que, para ele, precisam se comportar de acordo com suas responsabilidades. “É preciso enfrentar as coisas mais difíceis e não ficar com ilusões e percepções do tipo: ‘ah, vamos recuperar o crédito, para que o pessoal compre mais máquina de lavar’. Hoje em dia isso é impossível, é uma visão tosca”, afirmou.
Programa de conteúdo nacional
O caminho, de acordo com o economista, é criar as condições para desencadear um investimento autônomo, com a participação do Estado, mas com a cooperação do setor privado.
“Tem que juntar essas forças e começar a investir em infraestrutura, manter um programa de conteúdo nacional, fazer com que os setores de bem de capital consigam se acertar um pouco, porque estão muito mal. Em suma, fazer um programa que articule crescimento com emprego, com a subida dos salários reais, com as exportações, mantendo o câmbio desvalorizado”, sugeriu
No final da entrevista ao "Vermelho", Belluzzo voltou a mencionar a falta de indicações de que essas medidas venham a ser colocadas em prática. “É isso que eu acho, mas estou preocupado, porque não vejo movimentação, só vejo movimentação para o lado errado”, encerrou."
FONTE: escrito por Joana Rozowykwiat, do Portal "Vermelho" (http://www.vermelho.org.br/noticia/274282-2).
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