FHC - ou a tragédia da "elite" brasileira
Por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
"O Brasil saiu da ditadura como o país mais desigual do continente mais desigual do mundo. O arrocho salarial, como o santo do “milagre econômico”, tinha promovido o mais acelerado processo de acumulação de capital e de desigualdade social que o país já havia conhecido em toda a sua história.
Tivemos possibilidade de fazer com que a democratização não fosse simplesmente a restauração do sistema politico liberal, com a campanha das diretas. Tivesse triunfado, Ulysses Guimarães teria grande possibilidade de, munido com o programa de reformas estruturais do PMDB, dar um conteúdo econômico e social à democratização.
A derrota da campanha, somada à eleição pelo Colégio Eleitoral de um candidato mais moderado – Tancredo -, além das contingências que levaram a que Jose’ Sarney, em semanas, passasse de presidente do partido da ditadura a primeiro presidente civil da democracia, limitaram a democratização na direção do que a teoria do autoritarismo de FHC tinha pregado: apenas a desconcentração do poder politico em torno do executivo e a desconcentração do poder econômico em torno do Estado. Essa versão precoce do neoliberalismo transformou a teoria do autoritarismo – segundo a qual não tivemos ditadura, mas “situação autoritária, uma espécie de ditabranda – na ideologia da transição conservadora no Brasil.
O fracasso do governo Sarney esgotou o impulso democrático, levando consigo o PMDB como partido da transição, seu programa de reformas e a liderança do doutor Ulysses, permitindo que um “filhote da ditadura” impusesse outra agenda ao pais. Carros produzidos no país como “carroças” e funcionários públicos como “marajás” comandavam o marketing neoliberal do Collor.
Sua queda não impediu o triunfo desse novo consenso. Atribui-se a Roberto Marinho, naquele momento, a afirmação de que a direita não elegeria mais presidente, tendo portanto que buscá-lo em outro lado. A escolha recaiu sobre FHC, que se prestou a renunciar ao programa social democrata originário dos tucanos, para seguir a trilha das suas referências europeias: de François Mitterrand e de Felipe Gonzalez, na reconversão neoliberal da social democracia.
No país mais desigual do continente mais desigual, FHC se elegeu e se reelegeu, derrotando a centralidade da questão social proposta pelo Lula. Foi eleito e reeleito – como seus correligionários latino-americanos na mesma aventura: Carlos Menem, Alberto Fujimori, Carlos Andres Peres, Carlos Salinas de Gortari, Gonzalo Sanchez de Losada, entre outros, vários depostos por corrupção, alguns dos quais foram parar na prisão -, até que, como eles, FHC também se tornou o politico mais rejeitado do pais.
A trajetória de FHC/PSDB reflete o desencontro definitivo das elites tradicionais brasileiras com o país e com seu povo. A vitória do Lula e a construção de um governo centrado na afirmação dos direitos sociais da grande maioria da população, sempre marginalizada, tornou o país menos injusto, menos desigual, menos imoral.
Mas reconhecer essas realizações por parte da elite tradicional seria reconhecer o seu fracasso, as suas responsabilidades na miséria e na pobreza acumuladas frente à riqueza nas suas mãos. Não tiveram a grandeza de reconhecer como a afirmação dos direitos das grandes maiorias pobres faz do Brasil um pais melhor, uma sociedade mais integrada e mais justa. Fizeram como se nada de importante estivesse passando no Brasil e se lançaram à tentativa de derrubar o Lula por um impeachment em 2005.
FHC/PSDB estava à cabeça do golpe, pela sua incapacidade de reconhecer como seu projeto de estabilidade monetária tinha se esgotado sem desembocar na melhoria social do povo. Enquanto que o Lula teve a grandeza de reconhecer como a luta contra a inflação e a estabilidade das contas públicas haviam sido incluídas no consenso nacional e como deveriam ser incorporadas a seu programa de governo, mesmo se em função da prioridade fundamental – as politicas sociais. A direita, ao invés de reconhecer os avanços do governo Lula e incorporá-los, tratou de desconhecê-los, de negá-los, e assim se desencontrou do povo e do país.
Foi assim se reconfigurando a tragédia da elite tradicional brasileira, tentando centrar no papel do Estado e na corrupção que ele traria o centro dos problemas do país; para acobertar os avanços sociais, [esquecer de] tudo o que resta a fazer nesse campo e de como a centralidade da especulação financeira tira do país os recursos para voltar a crescer e promover os direitos sociais de todos.
FHC [e o PSDB] tornou-se a triste caricatura desse fracasso da velha elite brasileira. De teórico da transição conservadora e de presidente de uma nota só – a estabilidade monetária -, de social democrata a um reles neoliberal -, tornou-se um golpista sem ideias e sem apoio popular. Quando até seus gurus europeus da social democracia francesa e espanhola reconhecem os méritos do Lula e do PT, ele se isola na medíocre pregação golpista e no apoio às direitas trogloditas da Argentina e da Venezuela, ao lado dos seus aliados fiéis, os decrépitos do DEM.
Preferem tentar destruir o país, mediante um impossível golpe do impeachment, ou fazê-lo sangrar até à exaustão, a reconhecer seu fracasso. Fracasso na ditadura militar, fracasso na transição democrática conservadora, fracasso no neoliberalismo, fracasso nas tentativas de restauração conservadora.
A tragédia da trajetória de FHC/PSDB resume, de forma exemplar, o fracasso da elite tradicional brasileira diante de um país que teve revelado todo o seu potencial com o governo Lula e que busca seu reencontro com esse caminho, derrotando, uma vez mais, a FHC e a direita brasileira."
FONTE: escrito por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros. Publicado no portal "Brasil 247" (http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/211170/FHC-ou-a-trag%C3%A9dia-da-elite-brasileira.htm). [Título, siglas PSDB, e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].
Mas reconhecer essas realizações por parte da elite tradicional seria reconhecer o seu fracasso, as suas responsabilidades na miséria e na pobreza acumuladas frente à riqueza nas suas mãos. Não tiveram a grandeza de reconhecer como a afirmação dos direitos das grandes maiorias pobres faz do Brasil um pais melhor, uma sociedade mais integrada e mais justa. Fizeram como se nada de importante estivesse passando no Brasil e se lançaram à tentativa de derrubar o Lula por um impeachment em 2005.
FHC/PSDB estava à cabeça do golpe, pela sua incapacidade de reconhecer como seu projeto de estabilidade monetária tinha se esgotado sem desembocar na melhoria social do povo. Enquanto que o Lula teve a grandeza de reconhecer como a luta contra a inflação e a estabilidade das contas públicas haviam sido incluídas no consenso nacional e como deveriam ser incorporadas a seu programa de governo, mesmo se em função da prioridade fundamental – as politicas sociais. A direita, ao invés de reconhecer os avanços do governo Lula e incorporá-los, tratou de desconhecê-los, de negá-los, e assim se desencontrou do povo e do país.
Foi assim se reconfigurando a tragédia da elite tradicional brasileira, tentando centrar no papel do Estado e na corrupção que ele traria o centro dos problemas do país; para acobertar os avanços sociais, [esquecer de] tudo o que resta a fazer nesse campo e de como a centralidade da especulação financeira tira do país os recursos para voltar a crescer e promover os direitos sociais de todos.
FHC [e o PSDB] tornou-se a triste caricatura desse fracasso da velha elite brasileira. De teórico da transição conservadora e de presidente de uma nota só – a estabilidade monetária -, de social democrata a um reles neoliberal -, tornou-se um golpista sem ideias e sem apoio popular. Quando até seus gurus europeus da social democracia francesa e espanhola reconhecem os méritos do Lula e do PT, ele se isola na medíocre pregação golpista e no apoio às direitas trogloditas da Argentina e da Venezuela, ao lado dos seus aliados fiéis, os decrépitos do DEM.
Preferem tentar destruir o país, mediante um impossível golpe do impeachment, ou fazê-lo sangrar até à exaustão, a reconhecer seu fracasso. Fracasso na ditadura militar, fracasso na transição democrática conservadora, fracasso no neoliberalismo, fracasso nas tentativas de restauração conservadora.
A tragédia da trajetória de FHC/PSDB resume, de forma exemplar, o fracasso da elite tradicional brasileira diante de um país que teve revelado todo o seu potencial com o governo Lula e que busca seu reencontro com esse caminho, derrotando, uma vez mais, a FHC e a direita brasileira."
FONTE: escrito por Emir Sader, um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros. Publicado no portal "Brasil 247" (http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/211170/FHC-ou-a-trag%C3%A9dia-da-elite-brasileira.htm). [Título, siglas PSDB, e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].
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