terça-feira, 17 de abril de 2012

SURPRESA ALVISSAREIRA! REESTATIZAÇÃO DO PETRÓLEO ARGENTINO


ANTECEDENTES

POR QUE E PARA QUÊ UMA YPF DO ESTADO?

O debate sobre o destino da empresa petrolífera YPF, privatizada para o capital espanhol, já esquentava o clima entre Argentina e Espanha. No último domingo (15), o jornal argentino “Página/12” publicou um ensaio sobre o tema na forma de perguntas e respostas. Uma das questões centrais é: “a Argentina deveria considerar o petróleo e o gás como recursos estratégicos, de interesse nacional, ou como ‘commodities’ de livre disponibilidade de quem os extrai?”

Por Raúl Dellatorre, no jornal argentino “Página/12”

“Buenos Aires- Enquanto se aguarda definição do Governo, um enfoque diferente da abordagem que costumam difundir os ex-secretários de Energia que privatizaram o setor indica as razões pelas quais é válido o atual debate. Uma retomada ao assunto em seis questões.

- Por que a Argentina deveria considerar o petróleo e o gás como recursos estratégicos, de interesse nacional e não como ‘commodities’ de livre disponibilidade de quem os extrai? Não é mais atrativa essa última alternativa para os investidores estrangeiros?

O comportamento observado pelas empresas privadas energéticas no país, a partir da [neoliberal] “desregulamentação” e “privatização” dos hidrocarbonetos, tem sido privilegiar a maximização de lucros no curto prazo e a remessa dos lucros ao exterior. Esses conceitos são contraditórios com a necessidade do país de contar com disponibilidade e produção de energia suficiente para garantir o desenvolvimento do aparato produtivo, a um custo que assegure as vantagens competitivas, no mercado interno e no exterior, dos produtos elaborados no país. O cumprimento desses objetivos nacionais demanda planejamento de longo prazo que considere a exploração racional de recursos, a busca de novas fontes de energia e assegure a disponibilidade no futuro. Daí que, segundo os especialistas consultados, seja imprescindível a consideração dos hidrocarbonetos como recurso estratégico de interesse nacional e não um bem livre de mercado.

- Isso implica excluir a empresa privada da atividade de extração de hidrocarbonetos?

Não. Embora em obediência ao critério anterior de dar prioridade aos objetivos nacionais em matéria energética, as empresas privadas que participem na atividade deveriam ficar alinhadas às diretrizes estabelecidas pelo planejamento estatal para chegar àqueles objetivos. Isso pode significar a obrigação de associar-se ao Estado em cada exploração, com a possibilidade de que a operação técnica fique em mãos privadas, mas com controle da exploração e do destino do recurso em mãos do Estado. Esse é o modelo que se aplica, por exemplo, na Venezuela (PDVSA) e no Brasil (PETROBRAS).

- Por que a YPF deveria voltar ao Estado?

Porque, desde que o Estado perdeu o controle da empresa, deixou de cumprir com todos os objetivos estratégicos mencionados. Desde sua criação (1922) até que começou o processo de desregulamentação e privatização (1992), a YPF expandiu a produção e a oferta de energia em todas suas formas, brindou energia abundante e barata, desenvolveu um aparato produtivo industrial e tecnológico de grande importância em nível regional e foi a responsável por descobrir e desenvolver, praticamente, todas as áreas petrolíferas hoje em produção. Atuava como empresa testemunha em todas as etapas da produção e coordenava, junto às empresas estatais de geração e distribuição elétrica, e distribuição de gás, o conjunto de recursos energéticos para assegurar preços e abastecimento.

Em matéria de combustíveis, regulava a compra de quotas de produção destinadas a cada refinaria através de uma “mesa de cru” que garantia, também nesse caso, preços e abastecimento em cada etapa. Se bem que boa parte dessas tarefas poderia ser dirigida para outros organismos, levando em conta que os hidrocarbonetos satisfazem quase 90% das necessidades energéticas da economia nacional e a YPF é o principal operador integrado do setor (34% da extração de petróleo e 23% da do gás natural, em dezembro de 2011; 51,7% da capacidade instalada de refinação de cru e 55,2% da oferta de combustíveis líquidos de produção nacional), para muitos especialistas é ferramenta imprescindível para cumprir os objetivos de política nacional expressados acima.

- Frente a tantos vaivens na Bolsa desde janeiro até agora, qual é o preço que deveria ser negociada uma eventual compra da YPF?

O preço em bolsa da YPF é uma equação com altíssimo componente especulativo. A parte do capital que se opera ou “flutua” no mercado é minoritária e muito pouco representativa do valor da empresa. A “Repsol” [da Espanha] detém 57,5% e o [argentino] Grupo Petersen 25,5% (família Eskenazi), com o qual o capital “flutuante” é de cerca de 17%. Dessa porção, só uma parte ínfima se oferece diariamente no mercado, porque a maioria desses 17% está em mãos de investidores particulares ou institucionais (fundos bancários, carteiras de correntistas) de pouca mobilidade, ou seja, que não são comprados e vendidos diariamente.

YPF é um papel dos denominados de “baixa liquidez”, regularmente de poucas operações. Entretanto, diante da disputa com o Governo e a onda de rumores, a ação adquiriu alto voo especulativo diário, com operações nem sempre transparentes e movimentos carentes de lógica. Rumores de “intervenção” ou “expropriação” provocaram, por exemplo, fortes baixas (29 de fevereiro, 15%) ou fortes altas (última quinta-feira, 7,4%) em dias diferentes e diante de previsões similares (com respectivos anúncios que se supunha a presidenta da Nação iria fazer nas próximas horas). O “preço de mercado”, nessas condições, passou de 16 bilhões de dólares no ano passado a menos de nove bilhões na semana passada, mas os acontecimentos destes dias voltam a demonstrar que ambas as pontas podem representar ficção manejada por especuladores que tiram proveito do desconcerto, tanto quando sobem as ações, como quando elas caem.

- Então, qual é o valor de referência que deveria ser usado para a YPF?

De acordo com o estado contábil da empresa em 31 de dezembro de 2011, o patrimônio líquido (ativos totais menos passivos totais) é de 18,375 bilhões de pesos. A cotação atual (4,40 pesos por dólar) equivaleria a 4,176 bilhões de dólares. Sobre essa base, uma negociação entre o governo nacional e os acionistas principais (neste caso, a REPSOL e o Grupo Petersen) deveria levar em conta os passivos ambientais, não contabilizados (danos ao meio-ambiente em zonas de produção ou transporte) e descumprimentos que a empresa possa haver incorrido e possam ser considerados, em consequência, como “passivos contingentes” (reclamáveis pela parte afetada).

- A YPF não implica custo duplo para o Estado uma vez que, ao pagamento das ações devem-se somar os investimentos necessários que a empresa não fez em mãos privadas? Não seria mais conveniente criar uma nova empresa e começar do zero?

A resposta que os analistas dão em ambos os casos é que não. Com a YPF, se parte de uma situação de posição dominante real, porque tem instalações e capacidade produtiva e de distribuição em toda a cadeia, desde o poço (equipes de perfuração e outros serviços) até a rede de postos de gasolina, passando pelas refinarias, oleodutos e frota de transporte, embora não se leve em conta as reservas, que são de propriedade pública. Começar de zero suporia fazer todo esse enorme investimento. Por outro lado, ajustar os números a partir do “valor de livros” e não em respeito de um fictício valor de mercado, implica deixar margem para os investimentos mais urgentes. Além disso, a existência de uma empresa estatal suporia a possibilidade de associar-se com outras firmas privadas, o que atrairia capitais privados que hoje não acedem pela posição dominante da YPF privada na área.

Quem sustenta que um esquema de empresa estatal forte e um programa energético nacional de longo prazo seriam mais atrativos para o capital privado produtivo que o esquema atual (que atrai fundamentalmente capitais financeiros especulativos ao mercado petrolífero), aporta o seguinte dado como argumento: durante o período de 2004 à 2011, as obras em infraestrutura energética concluídas consumiram um investimento de 73,54 bilhões de pesos, geridas pelo Ministério de Planejamento. Desses, 74% corresponderam a investimentos públicos, o resto foi misto ou privado.

Atualmente, se encontram em execução obras no mesmo ramo que representam investimentos de 52,36 bilhões de pesos, majoritariamente com aportes públicos. Essas cifras evidenciariam que o Estado tem a capacidade de levar adiante e gerir os investimentos necessários no "upstream" (prospecção e exploração) e no "downstream" (refinação e comercialização) para pôr em marcha de imediato o processo de recuperação e dinamização do setor.”

FONTE: reportagem de Raúl Dellatorre publicada no jornal argentino “Página/12” com informes e estatísticas do "Centro Latino-Americano de Investigações Científicas e Técnicas" (CLICET). Tradução: Libório Junior. Transcrito no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19965) [Imagem do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’]

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COMPLEMENTAÇÃO E ATUALIZAÇÃO (do portal UOL, em 16/04/2012, às 13h26):


DECISÃO DE INTERVENÇÃO

ARGENTINA ENVIA AO CONGRESSO PROJETO PARA NACIONALIZAR 51% DA PETROLEIRA YPF

“A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, enviou ao Congresso na segunda-feira (16) um projeto de lei que declara como de utilidade pública e sujeitos a desapropriação 51% do patrimônio da companhia petroleira YPF, controlada pela espanhola Repsol.

As agências de notícias chegaram a informar, mais cedo, que a nacionalização já estaria em vigor, mas, segundo a imprensa argentina, o projeto ainda segue para votação no Congresso Nacional.

Segundo o projeto de lei, das ações desapropriadas, 51% passarão a estar sob controle do Estado, e os 49% restantes serão distribuídos entre as Províncias (Estados).

A filial argentina representa dois terços da produção de petróleo da [espanhola] Repsol (62%) e quase a metade de suas reservas (1 bilhão de barris de um total de 2,2 bilhões.

A Repsol YPF é o líder no mercado de combustíveis na Argentina. Sua filial YPF, privatizada nos [neoliberais] anos 1990, controla 52% da capacidade de refinamento do país e dispõe de uma rede de 1.600 estações de serviços.

O governo e as províncias produtoras de petróleo responsabilizam a empresa por não cumprir compromissos de investimento e dizem que isso obriga o país a importar grandes volumes de hidrocarbonetos.

Umas das principais críticas é que a Repsol-YPF "reduziu em 30%-35% sua produção de petróleo nos últimos anos e mais de 40% a de gás", o que forçou a Argentina a aumentar em mais de US$ 9 bilhões as importações de hidrocarbonetos, segundo um documento das províncias.

A Repsol YPF rejeita o argumento oficial e assegura que em 2012 deve investir 15 bilhões de pesos (US$ 3,4 bilhões) no país.

TENSÃO ENTRE ESPANHA E ARGENTINA

A tensão entre Espanha e Argentina subiu bruscamente na sexta-feira (13), com Madri voltando a protestar contra a possível nacionalização parcial da YPF, sob o respaldo da Comissão Europeia (CE).

Segundo a Espanha, o ato seria uma "agressão à segurança jurídica" existente entre os países.

"Qualquer agressão violando o princípio de segurança jurídica da Repsol será tomada como uma agressão à Espanha, que tomará as ações que julgar necessárias e pedirá o apoio que for preciso a seus sócios e aliados", disse o ministro de Assuntos Exteriores espanhol, José Manuel García-Margallo.

O chanceler transmitiu essa posição ao embaixador argentino em Madri, Carlos Bettini, a quem convocou antes de dar uma entrevista coletiva, na qual recordou que a "YPF é importante para a Repsol e a Repsol é importante para a Espanha".

COMISSÃO EUROPEIA INTERVEIO NO CONFLITO DIPLOMÁTICO

O mal-estar existente há semanas entre os dois países, de relações tradicionalmente cordiais, gerou um conflito diplomático, que levou a Comissão Europeia a intervir na sexta-feira, pedindo a Argentina para que "proteja os investimentos estrangeiros em seu território".

"Esperamos que Argentina respeite seus compromissos internacionais sobre a proteção dos investimentos estrangeiros em seu território e nos mantemos ao lado da Espanha nesse caso", afirmou em Bruxelas Olivier Bailly, porta-voz da Comissão Europeia, em entrevista coletiva.

Margallo, por sua vez, afirmou que houve contatos da Comissão Europeia com o governo argentino.

A Comissão Europeia já entrou em contato com a Argentina sobre o assunto, que também diz respeito a países que também têm investimentos na Argentina" na Cúpula das Américas, disse García-Margallo.

AUTOABASTECIMENTO DE PETRÓLEO

O ministro espanhol de Indústria, José Manuel Soria, foi na quinta-feira (12) o primeiro a elevar o tom, poucas horas antes de uma reunião entre a presidente argentina Cristina Kirchner e os governadores das províncias, alguns dos quais retiraram suas concessões de exploração à Repsol YPF que, nos últimos meses, perdeu 16 licenças de exploração.

"O objetivo do governo é atingir o autoabastecimento de petróleo. Analisamos cada uma das concessões e o cumprimento dos contratos. Quando isso não ocorre, a situação se reverte", disse o ministro argentino da Economia, Hernán Lorenzino, sem fazer maiores comentários sobre o caso YPF.

"Creio que caso ocorra (a nacionalização) seria uma notícia ruim para todos, mas também para a Argentina, porque esta, na comunidade internacional na qual vivemos, romper as regras possui um custo", advertiu o secretário de Estado espanhol para a União Europeia, Iñigo Méndez de Vigo.

"Essa série de acontecimentos, além de criar incertezas quanto o desenvolvimento normal de um negócio, determinou depreciação das ações da empresa em 40%", disse García-Margallo.”

FONTE: publicado no portal UOL com informações das agências francesa AFP e espanhola EFE  (http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2012/04/16/governo-argentino-desapropria-51-da-petrolifera-ypf.jhtm).

2 comentários:

iurikorolev disse...

Só quero saber o que eles vão fazer coma Petrobras.

Unknown disse...

Iurikorolev,
Por enquanto, nenhuma das medidas amnunciadas tem qualquer relação com a operação da Petrobras na Argentina.
Maria Tereza