EUA/OTAN na Líbia
Por Dan Glazebrook, no “Pambazooka”
n. 588, UK, sob o título original “NATO's Libya blitzkrieg and the
coming colonial wars”. Postado no blog “Redecastorphoto” traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu”
Dan
Glazebrook
“A
escala da tragédia que chegou à Líbia com as tropas da OTAN e aliados é cada
dia mais visível. O número estimado de mortos, até agora, de cerca de 50 mil, é
baixo. Só o Ministério da Defesa britânico tem anunciado, em tom triunfante,
que foram mortos 35 mil líbios, só em maio último. E o número nunca parou de
crescer.
A
destruição das forças do estado líbio, na blitzkrieg de que foi alvo pelos exércitos britânico,
francês e dos EUA, deixou o país em situação de total anarquia – no pior sentido da palavra. Sem nada a
uni-los, além da disposição volúvel para servir como bucha nos canhões da OTAN,
os ex “rebeldes” lutam agora uns contra os outros. 147 ex “rebeldes” foram
mortos no sul da Líbia, numa única semana, no início desse ano; em semanas mais
recentes, vários prédios públicos – entre
os quais o bunker onde está
instalado o gabinete do primeiro-ministro – foram atacados por “rebeldes”
que reivindicam o pagamento prometido por seus serviços. Já receberam até agora
1,4 bilhão de dólares – o que comprova
que o colonialismo da OTAN, e não Gaddafi, depende de bandos mercenários.
Mas os pagamentos foram suspensos mês passado, porque começou a faltar dinheiro
para manter os acordos construídos pelo nepotismo. A corrupção já é endêmica –
cerca de outros 2,5 bilhões de dólares da renda do petróleo, que deveriam estar
contabilizados nas contas do Tesouro líbio, sumiram.
Os
recursos da Líbia são hoje saqueados por empresas transnacionais do petróleo e
por um punhado de famílias convertidas repentinamente em neoelite nacional: o
padrão clássico do neocolonialismo que se instala.
O
“Grande Rio Feito pelo Homem” (feito por Gaddafi; hoje semidestruído)
|
A
destinação dos recursos que o país produz, para os megaprojetos nacionais de
infraestrutura como o “Grande Rio Feito pelo Homem”, e o padrão de vida sempre
ascendente para a grande população que marcaram os últimos 40 anos (nos últimos
40 anos, desde 1969, quando Gaddafi assumiu o poder, a expectativa de vida na
Líbia subira, de 51 para 77 anos) já são, desgraçadamente, fatos do passado.
Mas
ninguém se atreva a ter saudades dos bons tempos. O novo poder colonial decidiu
que nenhum candidato ou partido que apoie as políticas do governo de Gaddafi
concorrerá às eleições. Mas já houve mudanças ainda menos democráticas. Uma
“Lei 37”, aprovada mês passado pelo governo instalado na Líbia pela OTAN, criou
o crime de “glorificação do antigo
governo ou seu líder”, punível com pena de prisão perpétua. Alguém
precisará lembrar ao povo líbio que as coisas, no governo de Gaddafi, eram
muito melhores?
A
“Lei 37” é suficientemente vaga para permitir inúmeras interpretações. Foi
concebida como fórmula para legalizar e institucionalizar a perseguição
política.
Ainda
mais indicativa do desrespeito à lei, sob o novo governo da OTAN – o qual, vale lembrar, ainda não tem qualquer
tipo de poder democrático legítimo delegado pelo povo, e cuja única base de
poder ainda é o exército colonial implantado na Líbia – é outra lei, a “Lei
38”. Por essa lei, têm imunidade e garantia de que não serão nem acusados, nem
processados nem, e muito menos, condenados, os que pratiquem ações (inclusive
ações que o mundo civilizado define há séculos como crimes) que visem a
“promover e proteger a revolução”.
Os
"rebeldes" da OTAN-EUA e a "Limpeza Étnica"
Os
autores da operação de “limpeza” étnica em Tawergha – como a autoproclamada “brigada de Misrata para executar peles-pretas”
– podem continuar a caçar negros naquela região, sabendo antecipadamente que “a
nova lei” os protege. Outras milícias, responsáveis pelos massacres em Sirte e
em outras cidades, tampouco têm algo a temer. Os envolvidos na tortura já
disseminada de prisioneiros podem continuar a torturar, sem temer repercussões – desde que façam, seja lá o que for, para
“proteger a revolução”, isto é, para manter a ocupação militar e a ditadura da
OTAN.
A
realidade da nova Líbia é guerra civil, saque de recursos nacionais e colapso
das estruturas sociais; é crime manifestar preferência pelos tempos que a Líbia
viveu em paz e próspera; mas linchar e torturar são ações, além de legais e
permitidas, também encorajadas.
E
nem o desastre líbio é desastre só líbio. A ação de desestabilização da Líbia,
pela OTAN, já se estendeu ao Mali, gerou um golpe e levas imensas de
refugiados, sobretudo entre a vasta população de migrantes líbios negros que
fugiram para países vizinhos, tentando desesperadamente escapar dos ataques
aéreos e do linchamento pelas milícias racistas mantidas pela OTAN, o que
aumentou a disputa por recursos escassos em outros pontos da região. Muitos
mercenários que combateram na Líbia, dado por concluído ali o serviço para o
qual foram pagos, já foram despachados por seus empregadores imperialistas para
a Síria, com a tarefa de disseminar também lá a violência sectária.
Do
ponto de vista do continente africano como tal, ainda mais preocupante é a
marcha em ritmo apressado do AFRICOM – Comando do Exército dos EUA na África --
presente desde o início do ataque à Líbia. Não é acaso que, apenas um mês
depois da ocupação de Trípoli, ainda no mês em que Gaddafi foi assassinado, em
outubro de 2011, os EUA tenham anunciado o envio de soldados para nada menos
que quatro países africanos: República Centro-Africana, Uganda, Sudão do Sul e
República Democrática do Congo.
E
o AFRICOM já anunciou, ainda para 2012, outras 14 grandes operações militares,
de manobras e exercício, em associação com governos fantoches locais, movimento
sem precedentes na história do continente africano. A reconquista militar da
África pela OTAN-EUA avança a passos largos.
Nada
disso seria possível com Gaddafi no poder. Fundador da “União Africana” e seu
principal doador-mantenedor, além de presidente eleito, Gaddafi sempre teve
ampla e profunda influência em todo o continente africano. É mérito de Gaddafi
que os EUA tenham sido obrigados a instalar o quartel-general de seu Comando
Africano em Stuttgart, na Alemanha, em fevereiro de 2008, quando os EUA criaram
o AFRICOM. Gaddafi recompensou com dinheiro e investimentos todos os governos
africanos que se negaram a acolher bases dos EUA em seu território.
Durante
o governo de Gaddafi, a Líbia manteve investimentos estimados em 150 bilhões de
dólares em vários pontos da África. Também é ideia de Gaddafi, que se dispôs a
contribuir com 30 bilhões de libras, a criação de um “Banco de Desenvolvimento
da União Africana”, que teria reduzido muito consideravelmente a dependência
dos países africanos em relação aos bancos ocidentais.
Em
resumo, a Líbia de Gaddafi foi sempre enorme e principal obstáculo, a impedir
que o AFRICOM ocupasse o continente africano.
Agora,
Gaddafi assassinado, o AFRICOM faz avançar seu projeto imperial. As invasões do
Iraque e do Afeganistão mostraram ao ocidente que os cidadãos não reelegem
presidentes que comandem guerras nas quais morram seus próprios co-cidadãos.
Coube então ao AFRICOM assegurar que, nas próximas guerras coloniais contra a
África, só morrerão africanos. As forças da União Africana estão sendo
“integradas” aos exércitos do AFRICOM, subordinadas a comandantes
norte-americanos. Gaddafi jamais admitiria isso. Por isso, foi deposto e
assassinado.
Os
"rebeldes"da OTAN
|
Quem
queira ter antevisão do que o AFRICOM-EUA fará à África, que olhe a Líbia hoje,
modelo do que a OTAN está criando, como estado africano: tutelado, condenado a
décadas de violência e trauma gerado por colonialismo militarizado. E
absolutamente incapaz de promover melhores condições de vida para o próprio
povo, ou de contribuir para a independência regional ou continental.
O
novo colonialismo militarizado na África tem de ser detido. Não deve avançar
nem mais uma polegada.”
FONTE:
escrito por Dan Glazebrook, no
“Pambazooka”, n. 588, UK, com o título original “NATO's Libya blitzkrieg and the
coming colonial wars”.
O autor escreve
para o jornal “Morning Star” e é um dos coordenadores na Grã-Bretanha da
“União Internacional de Parlamentares pela Palestina”. Publicado no blog
“Redecastorphoto" traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/blitzkrieg-da-otan-na-libia-e-outra.html).
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