Do blog "Novas cartas persas"
Mitos Econômicos Brasileiros #8: “O governo Dilma tem a terceira pior média de crescimento da história republicana”
"É difícil saber se a postulação do título deste post já é um mito econômico. O fato é que o agora candidato do PSDB à presidência Aécio Neves tem repetido para quem perguntar (e não perguntar) essa balela, esse “fato” da história econômica brasileira. E todas as vezes que é repetida, a afirmação nunca é confrontada com os fontes rigorosas.
E você sabe o que acontece quando uma afirmação sem fundamento é repetida inúmeras vezes no espaço público, sem contestação e sem passar por qualquer escrutínio: ela vai se tornando verdade. Vai se tornando um “mito”.
A última vez que o candidato mineiro reescreveu, repetiu, a história foi durante entrevista na "GloboNews", à jornalista Renata Lo Prete. (assista aqui à ótima entrevista exibida na sexta-feira 13/06/2014)
Logo no minuto 4:01, Aécio dá a seguinte declaração:
“Você sabe, Renata, que a atual presidente da República completará o seu mandato nos deixando a terceira pior média de crescimento da nossa economia desde a proclamação da República. O governo Dilma só não cresceu menos que cresceu o governo Floriano Peixoto [1891-1894], no final do século XIX, e que o governo Collor, no final do século passado. Portanto, é o terceiro pior resultado de toda nossa história republicana”
Afirmações fortes. Com roupagem de história – citando, veja só, até o longínquo Floriano Peixoto! Deve ser verdade…
Só que não.
Senão, vejamos: primeiro, Dilma ainda não terminou seu mandato. Estamos no meio do ano – o máximo que se pode fazer é traçar hipóteses, fazer estimativas ou simplesmente chutar qual será o crescimento deste ano (e, por tabela, do mandato de Dilma de 2011 a 2014). A tarefa é sempre complicada. Em junho de 2011, a expectativa do mercado financeiro era crescimento de 3,96% – no fim cresceu 2,7%. Em junho de 2007, o mercado financeiro apostava em crescimento de 4,25% – no fim cresceu 6,1%. Em junho de 2013, as organizações financeiras acertaram 2,49% (mas erraram em dezembro do mesmo ano).
Portanto, vamos primeiro testar aquilo que é líquido e certo, ex post, sem espaço para estimativas excessivamente pessimistas ou otimistas: vamos comparar o crescimento da economia na média de cada triênio (exemplo 1967-1969; 1978-1980 etc.), uma vez que Dilma concluiu três anos de mandato e o PIB de 2013 já foi revisado.
A partir dos dados disponíveis do IBGE, cuja série começa em 1901 (depois, portanto, do governo desastroso de Floriano Peixoto), o "Novas Cartas Persas" fez um ranking dos piores triênios, com dados oficiais do IBGE, para avaliar se a afirmação de Aécio é um fato histórico consistente ou não passa de uma mentira um mito.
Eis o resultado, por triênio, em média (ampliar para visualizar):
Para nossa surpresa, o triênio 2011-2013 não é o 3º pior da história republicana, como Aécio Neves vem afirmando (nem o 2º da lista, posto que o candidato tucano inclui um período de baixo crescimento que a série do IBGE não abrange). De fato, o triênio Dilma é apenas o 20º entre 111º triênios.
Mas surpresa maior, mesmo, foi notar que nada menos que 3 triênios “100% FHC” figuram entre os 20 piores triênios da história do país desde 1901: em 12º lugar desse ranking negativo está o período entre 1997 e 1999 (+1,22%); em 13º, o período entre 1998 e 2000 (+1,53%) e, em 18º o período entre 1999 e 2001 (1,96%). Não seria injusto colocar também o triênio 2001 a 2003 na conta de FHC, o 14º da série (+1,71%), já que o ano de 2003, já sob Lula, foi muito afetado pelas condições herdadas do ano imediatamente anterior.
Alguém poderia objetar que a conta de Aécio leva, sim, em conta os 4 anos de Dilma, com base em um chute, uma estimativa de qual será o PIB em 2014, feita por renomados astrólogos econômicos economistas. Digamos que o PIB cresça 2,1% (mais otimista que as estimativas do mercado financeiro, de 1,24%, mas mais pessimista que a previsão do governo, de 2,3%… enfim, puro chute, só para seguir o argumento).
Assim, teríamos o seguinte ranking, por quadriênio, em média (ampliar para visualizar):
Mais uma vez, o “quadriênio Dilma” não fica nem sequer entre os 10 piores deste ranking em que nenhum governante quer figurar entre as primeiras posições. De fato, o quadriênio Dilma terminaria 2014 com média de 2,09%, ficando em 16º (e não em 3º ou em 2º).
E mais uma vez, qual foi nossa surpresa que, entre os 20 piores quadriênios, o período 1996-1999, quando o padrinho-modelo de Aécio governava, ficou no top 10 desse ranking negativo: naquele quadriênio, o crescimento médio foi de 1,46% (10º). E tem mais: em 11º do ranking foi o quadriênio 1998-2001 (+1,48%), também de FHC.
Outros dois quadriênios FHC figuram no top 20 dos piores crescimentos anuais médios: o 15º do ranking foi o quadriênio 1997-2000 (+2%) e o 17º foi o equivalente ao segundo mandato de FHC, 1999-2002 (+2,13%).
Ou seja, se o país crescer 2,3% este ano, conforme a previsão do Ministério da Fazenda, o quadriênio Dilma cresceria mais que o quadriênio 1999-2002 e assumiria a 16ª posição.
Ainda assim, apesar das evidências, os mais tenazes poderão dizer que o crescimento de 2,1% é excessivamente otimista e que foi por isso que a afirmação de Aécio não foi atestada nas evidências que apresentei.
Para esses, digo: a economia em 2014 precisaria CAIR mais de 7% (isso mesmo, retração de SETE PORCENTO) para que o crescimento médio do quadriênio Dilma caísse para -0,19% ao ano e, assim, assumisse o 2º lugar do ranking (e, logo, possivelmente o 3º lugar da era republicana). E mesmo que a projeção seja feita com 1,8% ou 1,5%, a posição do ranking do “quadriênio Dilma” não muda muito.
Outros dirão: a afirmação de Aécio conta mandatos inteiros e não quadriênios. Bom, aí, do ponto de vista econômico, histórico e político a comparação não feita nesses moldes não faria muito sentido. Primeiro, porque houve governantes que permaneceram no poder por mais de 4 anos seguidos, logo não faz sentido tratar, por exemplo, o período de 1997 a 1998 como distinto do período de 1999 a 2000: o governante era o mesmo, a economia é a mesma. Além disso, não seria justo ou preciso comparar crescimentos anuais médios de mandatos com durações diferentes, como colocar na mesma lista, uma comparação dos mandatos de Collor, que durou apenas 3 anos, de Sarney, que durou 5 anos e de Getúlio Vargas, cujo primeiro mandato acabou durando 15 anos. E, terceiro, mesmo que o crescimento deste mandato de Dilma termine sendo menor que o crescimento do 2º mandato de FHC, será por pouca coisa: numericamente, seria um empate técnico. Mas não é essa a comparação que importa. O fundamental é entender as diferenças na qualidade desse crescimento no que diz respeito ao padrão de vida dos brasileiros, na geração de emprego e renda, redução da desigualdade, nível de investimento etc. Aí a comparação fica mais rica e desfavorável para Aécio e FHC. Crescimento é um meio para aumentar o padrão de vida e o desenvolvimento do país.
Resumo da ópera: sim, o crescimento médio dos anos Dilma foi baixo, mas está longe de ser um dos piores da história republicana do país – ou o 3º pior, como disse Aécio. Mas o fundamental é ir além da picuinha quantitativa de números abstratos e mostrar até que ponto o regime de crescimento de cada período se traduziu em uma sociedade mais justa e próspera em seu conjunto.
O senador candidato faria melhor se olhasse para o próprio umbigo e explicasse por que, caso ele seja eleito, os anos de baixo crescimento dos anos FHC se repetiriam, posto que ele promete aplicar exatamente as mesmas políticas executadas durante o mandato de seu padrinho político".
FONTE: do blog "Novas cartas persas" (http://novascartaspersas.wordpress.com/2014/06/29/bastioes-tucanos-sp-e-mg-mantem-estagnado-o-peso-de-suas-economias-no-pib-nacional-entre-2003-e-2010/#comments).
Nenhum comentário:
Postar um comentário