quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CONSTITUIÇÃO HONDURENHA NÃO JUSTIFICA O GOLPE

"O golpe em Honduras, que destituiu do exercício de seu mandato pelas armas um presidente eleito pelo voto, tem sido duramente repudiado pela comunidade internacional. Os golpistas usaram como justificativa o apoio da Corte Suprema e do Legislativo à deposição de Manuel Zelaya, fundando-se no artigo 374 da Constituição, que torna inválido qualquer plebiscito ou referendo que possibilite a renovação do mandato presidencial.

A partir dessa justificativa, alguns articulistas têm adotado como verdade uma suposta juridicidade do golpe, que teria, assim, um caráter universal de defesa da Constituição.

Tal conclusão, contudo, não resiste a uma leitura minimamente sistemática do texto constitucional de Honduras. O artigo 374 da Carta Magna hondurenha efetivamente impossibilita reforma constitucional que altere o mandato presidencial ou possibilite a reeleição do titular do respectivo mandato. Em verdade, tal dispositivo é clausula pétrea da Carta.

A clausula torna inválida qualquer alteração constitucional com tal objeto, mas não tem por si o condão de gerar a perda de mandato do presidente e muito menos dispensa o devido processo legal para tal sanção. O artigo 5º da Constituição impossibilita referendos ou plebiscitos que tenham por objeto a recondução do presidente ao mesmo mandato, sendo que o artigo 4º considera como obrigatória a alternância do exercício da Presidência, tornando crime de traição contra a pátria sua não observância.

Ora, a simples proposta de reeleição por um mandato do presidente da República não implica atentado contra o princípio da alternância, apenas altera o lapso de tempo pelo qual se dará tal alternância.

O único dispositivo no texto que poderia servir de fundamento à possível perda do mandato do presidente seria, provavelmente, a alínea 5 do artigo 42 da Carta, que torna passível da perda dos direitos de cidadania, entendida como a capacidade de votar e ser votado, a pessoa que "incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente".

Primeiro, a afirmação que a proposta de reforma constitucional de Zelaya implica inobservância de tal dispositivo merece algum reparo. O dispositivo pretende evitar o apoio e o incitamento ao continuísmo do detentor do mandato de presidente na época dos fatos. Zelaya tem afirmado que sua proposta é de possibilitar a reeleição de futuros presidentes, e não dele próprio. Assim, ele não teria apoiado, promovido ou incitado o continuísmo do atual presidente -ele próprio.

E, de qualquer forma, a alínea 6 do artigo 42 e diversos outros dispositivos da Constituição hondurenha determinam que a perda da cidadania deve ser aplicada em processo judicial contencioso e com direito a ampla defesa, observado o devido processo legal, o que não ocorreu de modo algum no procedimento adotado pelos golpistas e seus apoiadores.

Ainda que se considerasse que Zelaya cometeu crime ao ter formulado uma proposta de consulta popular contrariamente à Constituição, que o devido processo legal seria desnecessário por não previsão de procedimento específico de cassação de seu mandato na Carta hondurenha, que a Corte maior daquele país sancionou a decisão golpista de detê-lo, a forma de execução dessa decisão foi integralmente atentatória a dispositivos expressos da Constituição de Honduras.

O artigo 102 estabelece expressamente que nenhum hondurenho pode ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro. Ter detido Zelaya ainda de pijamas e tê-lo posto para fora do país de imediato atenta gravemente contra tal dispositivo.

A conduta golpista tratou-se de um cipoal de inconstitucionalidades, ao contrário do que postularam articulistas apressados, mais animados pela simpatia ao golpe de direita que por qualquer avaliação mais precisa e sistemática da Constituição hondurenha. Os atos praticados formam um atentado grave a diversos dispositivos da Carta Magna daquele país.

Em verdade, a conduta dos golpistas e dos que os apoiaram é que, clara e cristalinamente, constitui crime conforme o disposto no artigo 2º da Carta hondurenha, que tipifica como delito de traição da pátria a usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos.

Podem querer alegar que, mesmo inconstitucional, toda a conduta golpista foi sustentada pela Corte maior. À Corte constitucional cabe o papel de interpretar a Constituição e não de usurpá-la às abertas. Sua autoridade é exercida não em nome próprio, mas como intérprete da Constituição, cabendo-lhe defendê-la, não destruí-la.

Ao agir como agiu, a Corte hondurenha realizou o que no âmbito jurídico tem-se como "poder constituinte originário", ou seja, uma conduta política e não jurídica, originária, de fundação de uma nova ordem constitucional. Uma ordem imposta, de polícia e não democrática. Na ciência política, o mesmo fenômeno tem outro nome: golpe de Estado."

FONTE: artigo de PEDRO ESTEVAM SERRANO, mestre e doutor em direito do Estado, professor de direito constitucional da PUC-SP. Publicado hoje (30/09) na Folha de São Paulo.

4 comentários:

Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Zelaya incitou sim a idéia de sua própria reeleição, agora ele está dizendo que pedia apenas a possibilidade de reeleição para os próximos presidentes que entrassem. Qualquer pessoa com a capacidade cognitiva de uma planta nota que em seu discurso repudiado pelos agora ocupantes do poder, ele queria a sua própria reeleição, o que justificaria destitui-lo da presidência.
A escolha passional de revolucinário do Lula fez com que se desse asilo, isso mesmo, asilo a Zelaya com o pretexto de que a democracia estava a ser ameaçada.

Vocês verão que zelaya não será restituído e mesmo assim a democracia voltará a reinar em Honduras, e a partir disso o governo brasileiro dirá que isso só aconteceu por causa da pressão de Lula. Lembrem de mim quando isso ocorrer e que um milagre nos salve de tantas falácias e deslumbres esquerdistas.

Unknown disse...

Hahaha... acho engraçado como o senhor consiguiu ler a minha constituicao e ainda dizer que o Manuel Zelaya esta certo e ainda fazer comentarios que indiquem que era uma simples e inocente "encuesta" (nao sei como se dice emportugues). queria lhe perguntar a quanto tempo o senhor conhece a Honduras e quantos anos moro la? Se o senhor tem parentes que tenham permanecido no meu pais nos ultimos 5 anos? Porque senao, acho irreal poder afirmar com tanta certeza que o que Manuel Zelaya estava tentando fazer... qualquer hondurenho com IQ superior a 20 sabe muito bem disso. O unico ato ilegal que foi cometido naquele bendito domingo foi expulsar a Mel paraouto pais no lugar de leva-lo diretamente para a cadeia como merecia...
Presidente eleito pela maioria? Nao, nunca foi! Em Honduras nao é obrigatorio votar, ele chegou ate o poder com o apoio do 20% do pais. E a esma constituicao que coloco ele no poder, foi a que o tirou...
Nao sou a favor nem contra do novo governo, se alguem me perguntasse e perguntasse a maioria da populaçao o que queremos, a resposta seria quase que unanime... QUEREMOS ELEICOES, QUEREMOS UM NOVO PRESIDENTE!
Os outos paises dizem querer nos ajudar e nos obrigam a te-lo de volta? Porque? Façam o que a maioria quer, ao final, o que é democracia para voces?! Acaso nao é a vontade da maioria... porque a vontade internacional é mais importante que a vontade da maioria dos hondurenhos? Acaso o presidente vai governar voces? Acaso o pais e de voces? entao, me pergunto, ja que nao estao ajudando, porque nao se afastam? Muito ajuda quem nao atrapalha!
Agradecemos a tentativa de ajuda, mas ate agora a comunidade internacional nao tem feito nada alem de prejudicar a situacao dos hondurenhos, ou por acaso acham que tirar o dinheiro que apoia o crescimento no meu pais é uma coisa que beneficia os pobres? Ou fazer greves de onibus e professores vao levar adianta ao pais?
Quer que eu seja sincera... ate agora nao tem uma coisa pela qual eu agradeça a comunidade internacional enquanto ao asunto do soposto Golpe, pois para mim e a maioria de hondurenhos, o que aconteceu nao foi golpe e sim uma Troca de Poder, que por motivos politicos internacionais e muito marketing fizeram que parecesse o contrario....
Meu ex presidente saiu da casa vistindo pijamas, mas junto levou um celular e cartao de credito, me diga... o senhor dorme com o cartao de credito, porque ate onde eu sei pessoas normais nao... assim que caso alguem entre na minha casa e me leve as forças em pijama provavemente eu estarei sem cartao... por isso eu digo... isso ai é um circo politico! E dizer que foi golpe e que meu ex presidente é um pobre servidor da paz e do povo é uma mentira.
Entao senhor Serrano, da proxima vez que foi analizar minha constituicao e o que esta acontecendo no meu pais agora, seria interessante que alem de ler as partes da constituicao que fazem valido seu artigo, tambem le-se os jornais, as espectativas de vida trabalho e saude, as porcentagens de desemprego e as partes da politica, desse jeito teria uma visao maior e mais exata do que realmente aconteceu.
Mas agradeço pelo interesse, ao menos o senhor teve a paciencia e a educacao de ler minha constituicao antes de sair por ai dando opinioes sem base nenhuma.
Se cuida....