segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Henrique Meirelles: ”UMA META PARA A TAXA DE JUROS É INCOMPATÍVEL COM A META DE INFLAÇÃO”


David Friedlander e Leandro Modé – O Estado de S.Paulo

“A maior conquista de Henrique Meirelles à frente do Banco Central (BC) talvez não possa ser medida na evolução dos indicadores econômicos, que de fato melhoraram nos últimos anos, mas no tempo de permanência no cargo. Em um País que se acostumou a trocar presidentes do BC com frequência, ele estabeleceu um recorde: ocupou a função do primeiro ao último dia do governo Lula. Exatos oito anos. A partir de janeiro, será substituído pelo diretor de Normas da instituição, Alexandre Tombini.

Nesses oito anos, enfrentou vários tipos de pressão, sobretudo na definição da taxa básica de juros (SELIC). Ainda que de forma discreta, deixa claro que o jogo foi pesado. Em 2008, cogitou sair. “Disse ao presidente (Lula) que era um excelente momento para eu sair, que ele poderia fazer uma transição tranquila”, revela.

Após quatro meses de quarentena, Meirelles voltará a comandar o movimento ‘Viva o Centro’, que prega a valorização dessa região da capital paulista. Na contramão do mercado, mostra-se tranquilo quanto à orientação econômica do governo Dilma. Mas não deixa de dar sua opinião sobre a intenção da presidente eleita da reduzir o juro real (que desconta a inflação) no Brasil para algo entre 2% e 3% em 2014 (hoje está na casa dos 6%, o maior do mundo).

“A queda dos juros é uma consequência e não uma meta”, afirmou ao Estado, quinta-feira, na sede do BC em São Paulo.

--O mercado avalia que sua saída fortaleceu o ministro Guido Mantega e a linha desenvolvimentista. O Sr. acha que a política econômica pode mudar?

Acredito que não. Em primeiro lugar, porque a estabilidade econômica, a inflação na meta e o câmbio flutuante deram resultados tangíveis para a população brasileira. Portanto, não acredito que exista alguma margem de manobra. Segundo, o Banco Central terá como presidente alguém totalmente sintonizado com a atual política monetária e cambial.

--O Sr. disse que seu sucessor está totalmente sintonizado com a política que o Sr. implementou. Mas a presidente eleita nem sempre esteve sintonizada com o BC.

Quando recebi a homenagem da Câmara Brasil-Estados Unidos em Nova York, ela declarou apoio integral à administração do BC e à política monetária e cambial. Depois disso, durante a campanha, também defendeu a política do BC e seu resultado. Portanto, acredito que ela dará o apoio necessário ao BC para continuar essa política.

--O Sr. sempre disse que meta de juros é uma inversão de prioridades. E uma das bandeiras do novo governo é ter juro real entre 2% e 3% até o fim do mandato de Dilma Rousseff.

Uma meta para juros é incompatível com a meta de inflação. Por definição, o juro pode cair ao longo do tempo, como tem caído nos últimos anos. Na medida em que a inflação esteja consistentemente na meta, o risco de inflação cai, o prêmio de risco de inflação cai. Em resumo: a queda dos juros é uma consequência e não uma meta.

--Pelo discurso do governo, pela escolha dos nomes para assessorar o ministro Mantega, o Sr. acha que o governo vai manter a mesma posição do seu período ou vai ser mais intervencionista?

De novo, acredito que essa política foi muito bem sucedida e mostrou resultados suficientemente bem sucedidos para ser mantida. Creio que já existe consciência no País e certamente no Banco Central de que quedas de juros artificiais levam a mais inflação e a mais juros no futuro. Portanto, não acredito que possa haver esse tipo de invenção na política econômica.

--O Sr. se mostra bem tranquilo quanto à política econômica do futuro governo. Mas no mercado vemos as pessoas preocupadas.

Acho normal. O mercado, por definição, é cético e trabalha com fatos, não com declarações. Expresso a minha convicção baseado na diretoria que aqui ficou e no fato de que o (Alexandre) Tombini tem trabalhado comigo há cinco anos e temos discutido esse assunto.

--Se houvesse a autonomia formal do BC, esse tipo de especulação não existiria mais?

Certamente. Já disse várias vezes nos últimos anos que uma parte dos juros no Brasil está relacionada exatamente ao fato de que sempre há incerteza sobre continuidade nos próximos muitos anos. De outro lado, a autonomia operacional do BC, exercida de fato nos últimos anos, fez com que grande parte dessa incerteza diminuísse.

--Mas a autonomia operacional funciona muito na base do esforço pessoal, do espaço que o Sr. conquistou dentro do governo.

De fato, não há garantia formal. Compete agora à presidente Dilma e ao presidente Tombini exercerem a autonomia operacional como já afirmaram.

--O Sr. queria ter ficado no BC?

Não. Tomei a decisão de sair no início do ano. Decidi sair em março, depois resolvi permanecer, e os fatos mostraram que foi uma boa decisão. Foi um ano mais difícil do que parecia em março. A minha decisão era sair em 2010, já comunicada ao presidente Lula e à presidente eleita. Não só a minha saída como a indicação do Tombini. Desde março, a diretoria estava preparada para essa mudança.

--E a história que circulou de que o Sr. teria exigido autonomia formal para continuar no governo, o que teria deixado a presidente eleita irritada com o Sr.?

Tomei a decisão de não anunciar que ia sair. Acredito que foi uma decisão correta. Como não existe autonomia formal do BC e o novo presidente não estava escolhido, poderia haver um vácuo de poder e uma incerteza enorme nos mercados, deteriorando expectativas de inflação de um lado e talvez prejudicando soluções bem sucedidas como no caso do Panamericano. Em razão disso, tomei a decisão de não anunciar que iria sair do BC e isso evidentemente deu margem a ruído. É o custo de não ter anunciado antes.

--O Sr. teria gostado de permanecer no governo em outra posição?

Não. A maior parte da minha vida foi no setor privado. Quando decidi fazer uma experiência no setor público, decidi me candidatar a deputado federal, o que fiz em 2002. Minha ideia era fazer uma contribuição. O presidente da República me deu essa oportunidade de ser o presidente do BC e tudo aquilo que eu pretendia contribuir para o País eu consegui. Portanto, considero a minha missão terminada.

--O Sr. abandonou seu projeto político? O Sr. foi eleito deputado, foi cogitado para vice de Dilma…

É verdade. Tudo dentro do projeto de dar um tipo de contribuição para o País. No momento em que tive a oportunidade de exercer a presidência do BC, pude dar essa contribuição de uma maneira mais eficaz e mais direta. Portanto, vou concluir a missão que tinha me proposto.

--O Sr. sai do BC deixando como resultados a inflação mais baixa, juros mais baixos… Mas, na política, foi cogitado para presidente, ministro… O Sr. se frustrou com o mundo político?

Não. O mundo político e o mundo econômico oferecem dificuldades e desafios. Caso eu tivesse, de fato, a vida política como objetivo principal, teria saído do BC em março de 2010 para disputar a convenção do PMDB para vice-presidente ou para o Senado de Goiás, que era uma eleição relativamente tranquila. Quando tomei a decisão de ficar no BC, fiz uma opção e não tenho do que reclamar.

--Essa semana, o Sr. disse que considerava sua missão na administração pública federal cumprida. Isso significa que não tem mais planos para o governo federal ou para a política em geral?

Significa que considero neste momento minha missão na administração pública federal cumprida. Ocupar outro ministério não é minha preferência. Evidentemente que olhando para o futuro eu tenho quatro meses de quarentena para analisar diversas alternativas. Minha intenção é o setor privado, o terceiro setor. Eu atuava bastante antes de me candidatar a deputado. Continuei como presidente licenciado do “Viva o Centro” e vou reassumir em janeiro.

--O Sr. voltará para São Paulo?

Sim.

--E o que vai fazer, além do “Viva o Centro”?

Meu pai se aposentou aos 56 anos. Resolveu voltar a trabalhar. Era advogado e trabalhou mais 36 anos. Se aposentou aos 92. Seis meses depois, fui fazer uma visita e ele me disse que tinha se precipitado (risos). Eu tenho mais ou menos essa mesma intenção, se tudo correr bem. A lei determina que tenho de ficar de quarentena quatro meses. Depois vou conversar, tomar decisões.

--Na iniciativa privada, que tipo de ação o interessa?

Acho prematuro discutir isso agora. Mas certamente será algo que possa agregar valor. Minha decisão vai passar por aí.

--O Sr. tem sido sondado?

Não tenho deixado as pessoas falarem. Mas muita gente já disse que quer conversar comigo.

--Sua intenção é ficar no Brasil ou voltar para o exterior?

Brasil.

--O Sr. fez amigos no governo nesses oito anos?

Muitos e bons amigos.

--Destacaria alguém?

Correria o risco de ser injusto com quem não fosse destacado.

É FUNÇÃO DO BC CONTRARIAR INTERESSES”

MEIRELLES CONTA QUE, NO INÍCIO DE 2008, CONVERSOU COM O PRESIDENTE LULA SOBRE A POSSIBILIDADE DE DEIXAR O CARGO


Neste trecho da entrevista, Meirelles fala sobre as pressões que sofreu nos oito anos de Banco Central (BC).

--Quando anunciaram a sua saída, o ministro Mantega disse que a chegada do Tombini era boa porque ele, como funcionário público de carreira, não iria titubear se tivesse de prejudicar o setor financeiro. O Sr. titubeou?

Não vi essa declaração, mas tenho confiança de que o Tombini não vai titubear não só em contrariar o setor financeiro, mas o setor exportador, o industrial ou até os desenvolvimentistas. Como eu fiz.

--Como o Sr. interpretou a fala do ministro Mantega?

Pareceu-me que ele estava procurando elogiar o Tombini.

--Como o Sr. descreveria seu relacionamento com Mantega?

Profissional. Havia divergências, como seria natural.

--E o modo como essas divergências foram explicitadas?

Não há dúvida de que pressões sobre o presidente do Banco Central existiram durante os oito anos. É o jogo de pressão normal de um Banco Central que não tem autonomia legal.

--O Sr. foi alvo de fogo amigo do início ao fim do governo. Qual doeu mais?

(pausa) Houve vários momentos difíceis. O início, 2003, foi difícil. Depois, quando retomamos a trajetória de subida de juros em 2004, foi um momento muito difícil, de muito ataque. Outros interesses também podem ter sido contrariados. Houve um período de ataques muito intensos, inclusive pessoais.

--Quais interesses contrariados?

É função do BC contrariar interesses. Quando sobe o juro, quando toma decisão na área cambial, quando não aceita pleitos de devedores ou instituições. O fato de eu ter sido muito atacado nos últimos anos é o que me deixa mais tranquilo. É o maior elogio.

--O Sr. chegou a pôr o cargo à disposição do presidente Lula?

Não.

--Pensou?

Não. Tenho uma característica pessoal. Minha mãe foi contra eu entrar na vida pública. Achava a vida pública ingrata e sujeita a ataques. Quando entrei, ela aceitou e apoiou. Quando fui muito atacado, inclusive em termos pessoais, nesse período de 2004 e 2005, um dia cheguei em casa, minha mãe já com mais de 90 anos, meu pai já tinha morrido, uma amiga dela disse: “Dona Diva, a Sra., que sempre foi contra o Henrique entrar na vida pública para não ser atacado injustamente como está sendo, por que não diz para ele sair?” Ela respondeu: “Agora não! Agora ele vai enfrentar! (risos)”. Esse é meu temperamento. Uma vez comentei com o presidente que deveríamos considerar a hipótese de eu sair. No ano anterior, o BC tinha entregado a inflação na meta, o Brasil tinha crescido. Disse que era um excelente momento para sair, que ele poderia fazer uma transição tranquila. Ele ficou de pensar, conversamos e, depois de algumas semanas, me procurou para dizer: “Meirelles, esqueça esse assunto.”

--Divulgou-se que o presidente convidou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo para sucedê-lo.

Eu não tenho informação nenhuma sobre convite.

--Quando foi isso exatamente?

Em março de 2008. Não tinha sinal de crise no Brasil. Na crise, não faria isso.

--O presidente alguma vez pediu ao Sr. para não elevar ou baixar a taxa de juros?

Não. O presidente, algumas vezes, manifestou sua opinião, inclusive em público. O importante é que aprovou os resultados.

--Por que o juro real no País ainda é o mais alto do mundo?

Porque os prêmios de risco da economia brasileira ainda são mais altos do que na maioria dos países. Se o País continuar uma trajetória de inflação na meta, riscos cambiais decrescentes e riscos fiscais também decrescentes, a tendência é convergir para padrões internacionais."

FONTE: reportagem de David Friedlander e Leandro Modé publicada no “O Estado de S.Paulo” e transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2010/12/uma-meta-para-a-taxa-de-juros-e-incompativel-com-a-meta-de-inflacao/).

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