Samuel Pinheiro Guimarães
“Em palestra proferida no Seminário Internacional “Governos de Esquerda e Progressistas na América Latina e no Caribe – Balanço e Perspectivas”, encerrado no último sábado (2) na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o embaixador e representante geral do Brasil no MERCOSUL, Samuel Pinheiro Guimarães, discorreu sobre o tema do desenvolvimento e suas implicações econômicas e políticas.
Guimarães iniciou sua palestra no Seminário Internacional sendo taxativo a respeito do campo econômico, no que se refere às relações importação/exportação. Afirmou que “Há crescimento que não combina com desenvolvimento, pois todo ele tem a ver com substituição de importações”.
CRESCIMENTO QUE NÃO COMBINA COM DESENVOLVIMENTO
"O raciocínio", explicou, "é simples: há algo que se passa a produzir e que antes se importava. Alguns setores querem determinadas taxas que permitam importar a preços baixos; e quem inicia uma produção, começa com dificuldade e pode ser com baixa qualidade". Deu como exemplo a situação da China, há poucos anos. Também chamou a atenção da necessidade de refletir sobre a tendência existente em décadas anteriores, em que houve nítida preferência do público por computadores baratos ao invés dos produzidos no Brasil.
Outro tema chave, segundo ele, seria o da transferência tecnológica, ou mais propriamente, o da colaboração empresa-universidade. Há dificuldades e algumas barreiras, pois há que se enfrentar a questão da propriedade intelectual/autoral da produção e do produto científico.
Anunciou, no evento, o volume de capital do BNDES e opinou que isso sinaliza possibilidade do desenvolvimento da relação anunciada. Com pessimismo, porém, citou que há somente 500 patentes por ano no Brasil, enquanto isso, o volume nos EUA chega a 45.000.
"Tudo indica a necessidade brasileira de aceleramento, de realizar as modificações que se traduzem em transformação produtiva de forma mais competitiva. A necessidade premente estaria no esforço de aceleração da produção tecnológica". Para o Brasil, sublinhou, o crescimento de 7% ao ano seria o ideal. Antes disso, o que se denomina subdesenvolvimento aumenta.
Guimarães expôs a dificuldade em definir qual a taxa de crescimento a ser alcançada: “Qual o máximo do crescimento atual? Quem calculou? Não se sabe, mas está 'calculado' para o Brasil em 4%". Relembrou, também, características específicas do Brasil em relação aos demais: “Somos semelhantes a países continentais”, sendo necessário mirar países com dimensões, potencialidades e condições estruturais semelhantes às nossas: “Se os EUA crescerem a 2% e nós, a 7%, a distância, em termos de crescimento econômico real, diminuirá, lá pelo ano de 2030”, prevê.
Ao lado isso, expõe algumas das enormes dificuldades no terreno social a serem enfrentadas:
a) nascem 3 milhões de crianças no Brasil por ano. É necessário gerar empregos que absorvam toda a população;
b) os investimentos em energia, por exemplo, não têm resultados imediatos.
Acrescentando que o conceito de “Produto potencial” é uma farsa: “vai aumentar problemas sociais, por exemplo, faltariam empregos”.
SEGUNDO TEMA: A FORMA DE GOVERNO
A questão da democracia não pode ser deixada de lado, ao se falar em relações econômicas. No Brasil e América do Sul, há concentração de poder em áreas diversas. Por exemplo, em comunicação e outros, de dominações seculares, que remontam à monarquia e prosseguem. Guimarães relembra que a multidão, nos anos 50, idolatrava Getúlio Vargas. Independentemente disso, as estruturas dominantes, o poder, não caminhavam no sentido desejado por essa “massa”. Indica, assim, que o confronto para fazer avançar programas populares é permanente. E que não se pode confundir democracia com plutocracia.
Exemplificou o que chama de plutocracia com a força do poder econômico num processo eleitoral, que é enorme. O financiamento das campanhas suplanta a representação política efetiva, afirmou. Destacando, também, a existência de suplentes assumindo cargos nas esferas de poder diversas (legislativo etc) que são desconhecidos do eleitorado.
O PAPEL DA IMPRENSA EM ESTIGMATIZAR OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
De acordo com Guimarães, vem sendo anunciado pela imprensa mundial que a Argentina estaria “à beira do colapso”. O país tem crescido em torno de 8% ou mais, o que não é pouco, mas a imprensa brasileira "tem horror a isso" [a essa taxa de desenvolvimento]. A despeito do desenvolvimento econômico da Argentina, cria-se um clima de desmoralização e de “fracasso”, [argentino] por parte da imprensa brasileira.
CONFERÊNCIAS NACIONAIS
O embaixador destacou que a propriedade sobre os ativos da sociedade é algo mais importante até do que a concentração de riquezas. O equívoco a esse respeito pode indicar o caminho da taxação sobre as grandes fortunas. Ele comemora o início de mudança dessa visão e destaca as Conferências Nacionais, com participação no processo de definição de diretrizes políticas como algo positivo. Elas envolveram e campo da saúde, educação, saúde e outros. Houve mais de 50, no Brasil, o que configura mudança política importante que permite participação popular na formulação da política e voltou a insistir que o controle do sistema político é medido por: a) sistema financeiro e b) comunicação.
A QUESTÃO DA SOBERANIA
"País dependente não tem soberania. Não saber fazer as coisas ou não ter potencial, do ponto de vista da defesa, do armamento, exército etc, dificultam a sustentação da soberania. Para o Brasil não ser submisso, precisa superar lacunas nessas esferas", afirmou.
Países como os EUA, sob uma cortina ideológica (sob a aparência de potência pacífica) são altamente armados e desenvolvem ainda mais sua capacidade de guerrear. São vários os exemplos de que seguem contribuindo para a guerra no mundo. O que equivale a manter a hegemonia pela força. Assim, capacidade de manter-se soberano, para o Brasil, precisa ter a obrigação de poder defender o seu território.
Guimarães explica: “Há ameaça? Aparentemente, não”, mas no campo da defesa, ameaças são difusas e inesperadas. E faz referência a uma máxima difundida no meio internacional e sobre a qual vale refletir: “A defesa é mais importante que a opulência”. No mundo atual, a questão da soberania e defesa nacional está bastante associada à ciência e tecnologia. Biotecnologia, internet, dentre outros, iniciam-se no campo da defesa. No capitalismo tradicional, há resistência a que o Estado disso participe.
Segundo ele, uma desculpa (pretexto) que é comumente utilizada: é preciso que as defesas funcionem. "Mas fato real é que o país sem defesa tem dificuldade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico".
O MUNDO GLOBALIZADO
"É assim chamada a ‘nova ordem’. Porém, ainda assim, há a formação de grandes blocos de países; sendo os principais a União européia, os EUA, abrangendo América Central e parte da América do Sul, a área de influência chinesa, que é algo ainda enigmático", exemplifica Guimarães.
Nas negociações, um país isolado aparece de modo enfraquecido, por isso, é necessário estar associado a um bloco. "Não são desprezíveis, nem inéditos os esforços de criação do bloco latino-americano, pela integração econômica, para impulsionar crescimento da produção e para a independência política". A novidade é que “Hoje, isso sofre impacto do crescimento da China. Que é o grande fator novo”.
A China se configura como grande cliente de minérios, de energia e de alimentos e produtora de produtos manufaturados, dos simples aos mais complexos. Diante disso, o risco para os sistemas industriais é muito grande, pode provocar a desindustrialização. Processo que pode ser agravado, no Brasil, diante do pré-sal. Logo, como reagir ao desafio chinês, é a questão central atual.
QUESTÕES DESENCADEADAS PELO DEBATE COM O PÚBLICO
O público participou lançando questões. Foram indagados como promover a integração solidária na América Latina, que abranja aspectos do desenvolvimento industrial, sendo mantidos laços de solidariedade, a questão da paz; e se o Brasil deve possuir capacidade tecnológica bélica. Outras questões também foram feitas, como a questão da Soberania nacional: devemos ou não desenvolver, por exemplo, hidrelétricas, assunto que até “celebridades” internacionais têm feito declarações [contrárias] a respeito. A questão da paz no mundo suscitou interesse do público também, após os 46 anos do bombardeio [atômico] dos EUA ao Japão
O embaixador respondeu que o Brasil aderiu a um programa que impede que o país desenvolva tecnologia nuclear em determinados territórios. Há delimitadores; embora a respeito de veículos lançadores não haja proibições. Há acordos norte-americanos que ferem nossa soberania, mas que não foram aprovados pelo Congresso Nacional.
Sobre navios [à propulsão nuclear], explicou que só entram nos portos se autorizados pelo próprio país. Há um Tratado que proíbe instalação de bases nucleares, mas talvez permita recepção de navios. E destacou que grandes porta-aviões ou submarinos [nucleares] dos EUA podem estar em nossas áreas sem que saibamos. Pode, nesse sentido, haver violação de tratados e de direitos internacionais.
O Brasil tem a oferecer à China, por exemplo, minérios de ferro e soja. O governo brasileiro deveria vincular essas exportações a inversões, no Brasil, por parte da China (refere-se a investimentos produtivos). E têm havido exemplos dessa sinalização. Práticas desleais de comércio exterior não têm sido verificadas. ‘Dumping’, por exemplo. Embora não se possa ignorar a grave questão que é a social, a exploração do trabalho, dentre outras.
Enquanto isso, nos EUA registra–se aumento dos preços de produtos primários, pois setores tradicionais exportadores foram obrigados a pagar impostos, o que gerou, pela imprensa, grande alvoroço. Aqui, Guimarães sugere modelo de cobrança de impostos que fossem para um fundo e, assim, voltassem para o próprio setor que os pagou. É uma saída, diz o embaixador. A China detém títulos do tesouro americano, é atualmente uma das maiores detentoras. E mais de 50% das exportações da China são de produtos de empresas estrangeiras instaladas no país.
Guimarães chamou a atenção para o fato de que investimento de capitais na China também interessa ao crescimento do país. E a diversos países, mesmo aqueles não alinhados politicamente com o país, alguns investimentos compensam. Segundo Samuel, tanto faz se o desempregado seja de qualquer nacionalidade. Se as operações dão lucro, é positivo para o enriquecimento empresarial. O quanto compensa um investimento realizado é, de fato, o que importa aos setores empresariais.
Há preocupações de outra natureza, para setores e ou países que não estão focados nos mesmos interesses empresariais citados. As consequências sociais, que geram problemas políticos e ameaçam as estruturas de poder. “As regras de distribuição de produto, da propriedade, é que podem ser ameaças reais”, afirma.
No Brasil, começa a haver maior compreensão de que a taxa cambial favorece as importações, permite circulação de mercadorias e consumo de massa, mas que, porém, é preciso estar atento que isso provoca a desindustrialização. Embora haja alvoroço da imprensa sobre taxas de juros, o embaixador explicou que cada setor tem taxas de juros diferenciados (o setor de construção civil, agricultura etc, cada um tem taxas diferenciadas). E que essa taxa afeta (talvez) mais diretamente as pequenas empresas e consumidores, apenas.
SOBRE O MERCOSUL
Samuel Pinheiro Guimarães opinou que o processo de integração entre os países tem sido lento, mas vem ocorrendo. "O que vier para diminuir assimetrias é muito importante". Obras como a Itaipu-Vila Reis, talvez revolucione a relação com o Paraguai. Relembrou que o simples aumento (recente e supracitado) do capital do BNDES é maior que o capital de muitos dos países da América do Sul; cabe ao Brasil, portanto, maior papel na manutenção de relações que preservem soberania e solidariedade, desenvolvimento industrial harmônico, simultaneamente.
“Tudo o que se fala por aí, em sistema pós-industrial, é besteira”. Não existe sistema financeiro sem atividade econômica. Os investimentos tendem a se concentrar no sudeste [no Brasil] porque há maiores condições. Dentro do MERCOSUL, vale lógica semelhante; é preciso que onde haja maior infraestrutura seja a base do desenvolvimento, o que não há como modificar. E os demais precisam ser financiados pelos “sócios” que têm mais recursos.
SOBRE AS ARMAS NUCLEARES
A Constituição Brasileira impede o desenvolvimento e a fabricação dessas armas, destacou Guimarães. Ela determina que o uso da energia nuclear tem de ser para fins pacíficos e deve ser submetido à aprovação pelo Congresso Nacional. O desenvolvimento de submarino pode existir, já que não é impedido por acordos internacionais. Já sobre energia nuclear, isso se relaciona com questões complexas e envolve o meio ambiental.
É sabido que o aquecimento global decorre de combustíveis fósseis. Como a diminuição não pode ser feita sem afetar o crescimento, portanto, têm aumentado os níveis desse aquecimento. Há preocupações com sustentabilidade. Ele destacou: “Somos a quinta reserva mundial de urânio e o Brasil domina a tecnologia do enriquecimento do urânio”.
Enquanto isso, a China está investindo em mais de 20 usinas nucleares. A demanda por áreas dessa natureza será grande. No Brasil, a descontinuidade do desenvolvimento de tecnologia espacial decorre de descontinuidade de investimentos. Por fim, reafirmou: “Temos conseguido combinar a construção de novas hidrelétricas, mas que demandam modificação de projetos para compatibilizar com a preservação ambiental”.
FONTE: reportagem de Márcia Fantinatti publicada no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=157853&id_secao=1) [imagem do Google e pequenos ajustes no texto adicionados por este blog 'democracia&política'].
3 comentários:
Uiiiiiiiiiiiii
Salvo por um anjo. Poxa Maria Tereza, eu leio o VERMELHO todo dia e eu ia perder esta MARAVILHOSA entrevista se não fosse seu Portal. Louvada sejas!!!
INACREDITÁVEL ENTREVISTA. A melhor de todas as entrevistas que eu li de Samuel Pinheiro Guimarães. Antológica, histórica, lúcida, elucidativa. Vida longa a Samuel Pinheiro Guimarães.
Eu só não vi ainda Samuel Pinheiro comentando a Dívida Ianque, a Situação Financeira da UE e a Questão Líbia, gostaria que ele falasse sobre estes três assuntos.
Moreira Franco é um insignificante http://www.sae.gov.br/site/?p=5898
Antônio Patriota é um Zé Mané.
Dilma está MUITO, MUITO, MUITO mal acompanhada.
Que saudade do meu Celso Amorim...
Ainda bem que ficamos com o garcia, leu isso????
http://planobrasil.com/2011/07/04/garcia-brasil-nao-quer-ser-a-alemanha-da-america-do-sul/
Probus,
Também muito admiro a lúcida compreensão de Samuel Pinheiro Guimarães sobre o Brasil e o mundo. Provavelmente, você já os leu, mas recomendo os dois livros dele que já li: "500 Anos de Periferia" e "Desafios Brasileiros na Era de Gigantes". Os três assuntos que você menciona são mais recentes que esses livros.
Maria Tereza
Agradeço ao Democracia & POlítica!
Estou muito envaidecida! Fiz a cobertura de palestra do Embaixador, não tive oportunidade de entrevistá-lo, mas editei o texto de modo que suas principais ideias se destacassem e, ao verificar que sites e blogs reproduziram o veiculado no Portal Vermelho, seguido, neste caso, de elogio, tenho a sensação de dever cumprido. Obrigada!
Márcia Fantinatti
twitter: @sacimula
Blog: www.sacimula.wordpress.com
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