Jim O’Neill, do “Goldman Sachs Asset Management”: Brasil tem desafios importantes nos próximos dois ou três trimestres
Por Sergio Lamucci, no jornal “VALOR”
[Obs deste ‘democracia&política”: a reportagem a seguir deve ser lida com ‘filtros’, pois se trata de jornal “Valor Econômico” de propriedade conjunta dos grupos da direita internacional, pró-tucanos, “Folha” e “Globo”. Certamente, o jornal procura reforçar bandeiras tradicionais “neoliberais”, como “aperto fiscal”, “reduzir mais os gastos públicos”, “juros altos para conter a crescente inflação” (mesmo que ela esteja decrescente) e outras mensagens de interesse de grandes grupos financeiros. Contudo, o entrevistado, Jim O’Neill, não segue exatamente a pauta forçada pelas perguntas do “Valor”].
ENTREVISTA: O’NEILL VÊ COM PREOCUPAÇÃO O REAL FORTE E SEU IMPACTO SOBRE SETORES NÃO LIGADOS A COMMODITIES
“O economista Jim O’Neill vê com preocupação o real valorizado e seu efeito sobre a competitividade dos setores da economia brasileira que não produzem commodities. Para o criador do conceito do BRIC (o grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China. Agora, mais a África do Sul), o governo deve promover esforço fiscal mais forte, para que o peso do combate à inflação não fique todo sobre os ombros do Banco Central.
Novas altas dos juros tenderiam a valorizar ainda mais o câmbio, num momento em que as taxas nos países desenvolvidos estão no chão. Além de afetar segmentos como a indústria manufatureira, o real apreciado pode criar problema de balanço de pagamentos no futuro, diz o economista inglês, hoje presidente do “Goldman Sachs Asset Management”. Segundo ele, além dos juros altos, os termos de troca (a relação entre preços de exportação e importação) também têm peso importante para explicar a valorização do câmbio.
O’Neill diz não estar “excessivamente preocupado” com a inflação no Brasil. Ele vê a atividade em desaceleração para um ritmo de 4%, afirmando suspeitar “que as pressões inflacionárias vão ceder nos próximos meses.”
Para O’Neill, o cenário internacional de fato está delicado, com as dúvidas crescentes sobre a recuperação da economia dos Estados Unidos e as incertezas em relação à crise de dívida europeia. “Ainda que o impacto da crise nos EUA e na Europa tenha sido modesto no mundo pós-crise, elas são as maiores economias do planeta, ao lado do Japão. Desse modo, uma forte desaceleração adicional das economias desses países não é boa para ninguém, incluindo o Brasil”, diz O’Neill.
O cenário central do economista, contudo, não inclui tombo dos preços de ‘commodities’, que poderia causar estragos em países exportadores de produtos primários. O’Neill trabalha com um recuo moderado das cotações de ‘commodities’, o que, se concretizado, permitiria aos bancos centrais de economias em crescimento –como ele denomina hoje países como o Brasil e a China– terminar o ciclo de alta de juros antes do que se esperava.
O’Neill diz, ainda, que o Brasil enfrentará período de desafios importantes nos próximos dois ou três trimestres, devido à questão da inflação e do câmbio, mas vê com otimismo as perspectivas de médio e longo prazo do país. Para ele, o Brasil se transformou, nos últimos anos, num país de baixa inflação, em que a demanda doméstica tende a seguir estruturalmente forte.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor, feita ao longo da semana passada por meio de troca de e-mails:
Valor: O acordo para elevar o teto da dívida americana evitou um calote, mas implica cortes de gastos públicos num momento em que a economia ainda está fraca. Os cortes podem comprometer uma recuperação que já é frágil, e eventualmente levar o FED a manter o estímulo monetário por mais tempo?
Jim O’Neill: Os mercados estão claramente preocupados com isso. Se você olha para os mercados de bônus, ações e moedas, os títulos americanos tiveram uma alta forte, apesar de todo o foco na dívida soberana dos Estados Unidos. Ainda que o FED [Federal Reserve, o banco central americano] tenha deixado claro que não pretende oferecer o afrouxamento quantitativo no futuro próximo, é provável que eles caminhem nessa direção caso continuem a sair dados econômicos ruins, como expansão fraca do Produto Interno Bruto, desemprego alto e persistente e mercado imobiliário fraco. Não estou prevendo que o FED vai promover uma nova rodada de afrouxamento quantitativo [compra de títulos públicos e privados], mas se a economia se mantiver fraca, ele vai fazer isso.
Valor: A economia europeia continua numa situação muito complicada, apesar da aprovação do plano de resgate da Grécia. Economias maiores como Espanha e Itália vão evitar crises da dívida tão graves quanto as enfrentadas por Grécia, Portugal e Irlanda?
O’Neill: De modo bastante preocupante, a fragilidade da Itália e da Espanha leva a crise para um novo nível. Os líderes europeus não podem se dar ao luxo de que a crise envolva a Itália, especialmente dado o seu tamanho e nível da dívida.
Valor: Como a incerteza do cenário global, marcada por baixo crescimento nos Estados Unidos e a crise da dívida na Europa, vai afetar o Brasil e outros países emergentes, como a China?
O’Neill: Ainda que o impacto da crise nos Estados Unidos e na Europa tenha sido modesto no mundo pós-crise, elas são as maiores economias do planeta, ao lado do Japão. Desse modo, uma forte desaceleração adicional das economias desses países não é boa para ninguém, incluindo o Brasil. Mas se a desaceleração ajudar a reduzir os preços de ‘commodities’ e, por tabela, a inflação, isso vai permitir aos bancos centrais de economias em crescimento a terminar o aperto monetário antes do que se esperava.
Valor: O crescimento da China e da Índia vai compensar o baixo crescimento dos países desenvolvidos, mantendo os preços de ‘commodities’ em níveis elevados?
O’Neill: Acho que não, uma vez que os bancos centrais desses países estão aumentando os juros. Eu suspeito que os preços de muitas ‘commodities’ devem cair.
Valor: O Sr. não parece acreditar num tombo das ‘commodities’, o que poderia afetar exportadores de produtos primários como o Brasil. No entanto, os investidores parecem preocupados com recessão nos Estados Unidos. Isso não poderia provocar tombo dos preços de ‘commodities’?
O’Neill: Acho que os mercados estão mais preocupados com a Europa e a estabilidade, ou falta de estabilidade, da união monetária europeia. Se a situação não se estabilizar logo, o risco de ampliação do contágio aumenta, e isso não será bom para ninguém, nem para o crescimento global e nem para os preços de ‘commodities’. Esse não é o meu cenário central, já que acredito em queda moderada dos preços de ‘commodities’, mas o risco está aumentando.
Valor: O real parece de fato sobrevalorizado, causando estragos em alguns setores da indústria. Em que medida a valorização do câmbio é problema para a economia brasileira?
O’Neill: A força do real é, de fato, problema. Ela está criando algo como uma “doença holandesa” para o Brasil, refletindo os termos de troca favoráveis, devido aos preços elevados de ‘commodities’, assim como os juros altos. É problema porque coloca muita pressão sobre os setores manufatureiros e não ligados a ‘commodities’, que têm de competir internacionalmente. Em última instância, isso pode criar outro problema de balanço de pagamentos no futuro. E eu tenho ouvido muitas evidências anedóticas de que o real está valorizado, incluindo muitos executivos que visitam Londres e consideram a cidade barata, o que é bastante notável. Mas de algum modo é melhor ter esse problema do que viver o histórico de crises cambiais que se repetiam no Brasil.
Valor: Desde outubro de 2010, o governo brasileiro adotou várias medidas para tentar deter a valorização do câmbio. Na semana passada, foram anunciadas medidas de atuação no mercado de derivativos. Esse é o melhor caminho para enfrentar a valorização do real?
O’Neill: O problema fundamental são os juros reais elevados no Brasil, num momento de taxas tão baixas nos países do G-7. Até que isso mude, medidas como essas terão algum impacto no momento do anúncio, mas não vão se sustentar.
Valor: O que é mais importante para explicar a valorização do real? Os termos de troca ou os juros?
O’Neill: A combinação dos termos de troca e de juros reais elevados causa o fortalecimento do real. Se os dois se reverterem, também se reverterá a força do real. Em algum momento, isso provavelmente vai ocorrer –a questão é que não podemos dizer quando.
Valor: A inflação em 12 meses está acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central neste ano, de 6,5%, com os preços de serviços em alta de 9% nesse período. Em que medida as perspectivas para a inflação no Brasil são preocupantes?
O’Neill: Eu não estou excessivamente preocupado. A economia está desacelerando em direção a ritmo de 4%, provavelmente consistente com crescimento potencial de 4% a 5%, e eu suspeito que as pressões inflacionárias vão ceder nos próximos meses.
Valor: Os juros reais já são muito altos no Brasil, mas vários analistas acreditam que o Banco Central deveria ter elevado mais as taxas neste ano. O Brasil precisa de política monetária mais apertada?
O’Neill: O Brasil precisa de política fiscal mais apertada. Dado o problema do câmbio, as autoridades não podem colocar todo o peso do ajuste cíclico sobre o Banco Central. O governo deve reduzir mais os gastos públicos, de modo a evitar aumentos adicionais dos juros.
Valor: Em 2010, o crescimento brasileiro foi de 7,5%. O Sr. foi o primeiro economista a citar a possibilidade de expansão na casa de 7%. Para 2012, o consenso de mercado aponta para crescimento na casa de 4%, e muitos analistas dizem que o PIB potencial do país não passar de 4% a 4,5%. O Sr. acha que o PIB potencial está nesse nível?
O’Neill: Acho que o crescimento potencial é possivelmente próximo de 5%, mas definitivamente não é 7%. No entanto, é possível que esse número esteja crescendo. Nesse sentido, é muito importante que as pressões inflacionárias atinjam o pico em breve, de modo a permitir que poupadores e investidores possam conviver com essa tendência mais otimista. Os próximos dois ou três trimestres serão momento importante para o Brasil.
Valor: O Sr. foi muito otimista em relação ao Brasil nos últimos anos. Hoje, o Brasil enfrenta pressões inflacionárias, um câmbio ultravalorizado, juros elevados e arcabouço fiscal complicado. O Sr. continua otimista em relação ao país?
O’Neill: Estava muito claro para mim que os últimos seis a nove meses seriam momento de grandes desafios para o Brasil. Eu continuo otimista em relação ao médio e longo prazo, mas os próximos dois ou três trimestres vão requerer algumas soluções para a questão da inflação e o problema do câmbio, tendo como pano de fundo situações delicadas nos Estados Unidos e na Europa. O motivo para a minha visão favorável é que acredito que o Brasil se transformou num país de baixa inflação, o que significou grande mudança para a nação. Como resultado, muitas pessoas dos grupos de renda mais baixa estão nos primeiros estágios de transformação de suas vidas. A demanda doméstica tende a ser estruturalmente forte.”
FONTE: reportagem de Sergio Lamucci, no jornal “Valor Econômico”. Transcrita no blog de Luis Favre (http://blogdofavre.ig.com.br/2011/08/pai-do-bric-sugere-aperto-fiscal-para-evitar-alta-do-juro/).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário