Domenico Losurdo
“Doravante, mesmo os cegos podem ver e compreender o que está a acontecer na Líbia: uma guerra promovida e desencadeada pela OTAN
Por Domenico Losurdo, filósofo (PhD) italiano. Publicado em seu blog e no site “Resistir.info”, de Portugal.
1. O que se passa é uma guerra promovida e desencadeada pela OTAN. Esta verdade acaba por se revelar até mesmo nos órgãos de "informação" burgueses. No “La Stampa” de 25 de agosto, Lucia Annunziata escreve: é uma guerra "inteiramente externa, ou seja, feita pelas forças da OTAN"; foi "o sistema ocidental que promoveu a guerra contra Kadafi". Uma peça do “International Herald Tribune” de 24 de agosto mostra-nos "rebeldes" que se regozijam, mas eles estão comodamente instalados num avião que traz o emblema da OTAN.
2. Trata-se de uma guerra preparada desde há muito tempo. O “Sunday Mirror” de 20 de março revelou que "três semanas" antes da resolução da ONU já estavam em ação na Líbia "centenas" de soldados britânicos, enquadrados num dos corpos militares mais refinados e mais temidos do mundo (SAS). Revelações ou admissões análogas podem ser lidas no “International Herald Tribune” de 31 de março, a propósito da presença de "pequenos grupos da CIA" e de uma "ampla força ocidental a atuar na sombra", sempre "antes do desencadeamento das hostilidades a 19 de março".
3. Esta guerra nada tem a ver com a proteção dos direitos humanos. No artigo já citado, Lucia Annunziata observa com angústia: "A OTAN que alcançou a vitória não é a mesma entidade que lançou a guerra". Nesse intervalo de tempo, o Ocidente enfraqueceu-se gravemente com a crise econômica. Conseguirá ele manter o controle de um continente que, cada vez mais frequentemente, percebe o apelo das "nações não ocidentais" e em particular da China? Igualmente, este mesmo diário que apresenta o artigo de Annunziata, “La Stampa”, em 26 de agosto publica manchete em toda a largura da página: "Nova Líbia, desafio Itália-França". Para aqueles que ainda não tivessem compreendido de que tipo de desafio se trata, o editorial de Paolo Paroni (“Duelo, finalmente, de negócios”) esclarece: “depois do início da operação bélica, caracterizada pelo frenético activismo de Sarkozy, compreendeu-se subitamente que a guerra contra o coronel iria transformar-se num conflito de outro tipo: guerra econômica, com um novo adversário: a Itália obviamente".
4. Desejada por motivos abjetos, a guerra é conduzida de modo criminoso. Limito-me apenas a alguns pormenores tomados de um diário acima de qualquer suspeita. O “International Herald Tribune” de 26 de agosto, num artigo de K. Fahim e R. Gladstone, relata: "Num acampamento no centro de Tripoli foram encontrados os corpos crivados de balas de mais de 30 combatente pró-Kadafi. Pelo menos dois deles estavam atados com algemas de plástico e isso permite pensar que sofreram uma execução. Dentre esses mortos, cinco foram encontrados num hospital de campo; um estava numa ambulância, estendido numa maca e amarrado por um cinturão e tendo ainda uma transfusão intravenosa no braço".
5. Bárbara como todas as guerras coloniais, a guerra atual contra a Líbia demonstra como o imperialismo se torna cada vez mais bárbaro. No passado, foram inumeráveis as tentativas da CIA de assassinar Fidel Castro, mas essas tentativas eram efetuadas em segredo, com um sentimento de que, se não é por vergonha, é pelo menos de temer possíveis reações da opinião pública internacional. Hoje, em contrapartida, assassinar Kadafi ou outros chefes de Estado não apreciados no Ocidente é direito abertamente proclamado. O “Corriere della Sera” de 26 de agosto de 2011 titula triunfalmente: "Caça a Kadafi e seus filhos, casa por casa". Enquanto escrevo, os aviões Tornado britânicos, aproveitando também a colaboração e informações fornecidas pela França, são utilizados para bombardear Syrte e exterminar toda a família de Kadafi.
6. Não menos bárbara que a guerra foi a campanha de desinformação. Sem o menor sentimento de pudor, a OTAN martelou, sistematicamente, a mentira segundo a qual suas operações guerreiras não visavam senão a proteção dos civis! E a imprensa, a "livre" imprensa ocidental? Ela, em certo momento, publicou com ostentação a "notícia" segundo a qual Kadafi enchia seus soldados de viagra de modo a que eles pudessem mais facilmente cometer violações em massa. Como essa "notícia" caiu rapidamente no ridículo, surge então uma outra "nova", segundo a qual os soldados líbios atiram sobre as crianças. Nenhuma prova é fornecida, não se encontra nenhuma referência a datas e lugares determinados, nenhuma remessa a tal ou tal fonte: o importante é criminalizar o inimigo a liquidar.
7. Mussolini, no seu tempo, apresentava a agressão fascista contra a Etiópia como uma campanha para libertar esse país da chaga da escravidão; hoje, a OTAN apresenta a sua agressão contra a Líbia como uma campanha para a difusão da democracia. No seu tempo, Mussolini não cessava de trovejar contra o imperador etíope Hailé Sélassié chamando-o "Negus dos negreiros"; hoje, a OTAN exprime seu desprezo por Kadafi chamando-o "ditador". Assim como a natureza belicista do imperialismo não muda, também as suas técnicas de manipulação revelam elementos significativos de continuidade. Para clarificar quem hoje realmente exerce a ditadura a nível planetário, ao invés de citar Marx ou Lênin quero citar Emmanuel Kant. Num texto de 1798 (O conflito das faculdades), ele escreve: "O que é um monarca absoluto? Aquele que, quando comanda: 'a guerra deve fazer-se', a guerra seguia-se efetivamente". Argumentando desse modo, Kant tomava como alvo em particular a Inglaterra do seu tempo, sem se deixar enganar pela forma "liberal" daquele país. É uma lição de que devemos tirar proveito: os "monarcas absolutos" da nossa época, os tiranos e ditadores planetários da nossa época têm assento em Washington, em Bruxelas e nas mais importantes capitais ocidentais.”
FONTE: o autor do artigo, Domenico Losurdo, nasceu em Sannicandro di Bari, Itália, em 1941. É filósofo marxista. Leciona na Universidade de Urbino, na Itália. Publicado em seu blog (http://domenicolosurdo.blogspot.com/)
e no site “Resistir.Info” de Portugal. Transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=162574&id_secao=9) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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