quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A GUERRA NA LÍBIA É FRANCESA

ataque de aviões franceses e ingleses na Líbia

POR QUE GADDAFI RECEBEU CARTÃO VERMELHO

WHY GADDAFI GOT A RED CARD

Por Pepe Escobar, no "Asia Times Online"

“Observando a Líbia devastada, num gabinete aconchegante recheado de televisões de plasma mais fininhas que panqueca, num palácio em Pyongyang, o “Amado Líder da República Popular Democrática da Coreia”, Kim Jong-il, balançava a cabeça, pensando no suplício do coronel Muammar Gaddafi. “Grande tolo”, murmura o Amado Líder. Claro. Ele sabe que o Grande Gaddafi assinou virtualmente a própria sentença de morte num dia em 2003, quando aceitou a sugestão daquela sua lamentável prole –arrogantemente europeizados–, para que cancelasse seu programa de armas de destruição em massa e quando, no mesmo ato, pôs o futuro de seu governo nas mãos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Sim. al-Islam, Mutassim, Khamis e o resto do clã Gaddafi ainda não conheciam a diferença entre detonar em farra barra-pesadíssima em St. Tropez e ser detonado por Mirages e Rafales. O Grande Gaddafi, esteja onde estiver, em Sirte, no deserto central ou numa silenciosa caravana para a Argélia, com certeza os está amaldiçoando para toda a eternidade.

Gaddafi supunha que fosse parceiro da OTAN. Agora, a OTAN quer arrancar-lhe a cabeça. Que parceria é essa?

O monarca sunita ditador permanece no Bahrain; nada de bombas “humanitárias” sobre Manama, nada de recompensa por sua cabeça. O clube de ditadores da Casa de Saud permanece; nada de bombas “humanitárias” sobre Riad, Dubai ou Doha –nada de recompensa por aquelas cabeças coroadas apaixonadas pelo ocidente. Estão pegando bem leve até com o ditador sírio –pelo menos por enquanto. Portanto, a pergunta, levantada por vários leitores de “Asia Times Online”, é inevitável: qual a linha vermelha crucial que Gaddafi transgrediu, transgressão que lhe valeu o cartão vermelho?

“REVOLUÇÃO MADE IN FRANCE”

Há tantas linhas vermelhas transgredidas pelo Grande Gaddafi –e tantos cartões vermelhos– que a tela do computador acabaria tingida de vermelho sangue.

Comecemos pelo básico. É coisa dos franceses. Vale a pena repetir: a guerra na Líbia é guerra francesa. Os americanos nem chamam a guerra na Líbia de guerra: é só “ação cinética”, ou coisa que o valha. O Conselho Nacional de Transição ‘rebelde’ é invenção francesa.

E, sim, sim –sobretudo é guerra do neonapoleônico presidente Nicolas Sarkozy. Sarkozy é o George Clooney do filme (coitado do Clooney). Todos os demais, de David das Arábias Cameron, ao ganhador do Prêmio Nobel da Paz e inventador emérito de guerras Barack Obama, são coadjuvantes.

Como o “Asia Times Online” noticiou, a guerra da Líbia começou em outubro de 2010, quando o chefe de protocolo de Gaddafi, Nuri Mesmari, desertou e voou para Paris. Ali foi contatado pela inteligência francesa e, para todas as finalidades práticas, construíram um “coup d'état” militar, envolvendo desertores na Cyrenaica.

Sarkô tem uma mala de motivos para desejar vingar-se do Grande Gaddafi. Bancos franceses contaram-lhe que Gaddafi preparava-se para transferir seus bilhões de euros para bancos chineses.

E Gaddafi não podia, de modo algum, servir de exemplo para outras nações ou fundos soberanos árabes. Empresas francesas contaram a Sarkô que Gaddafi decidira não comprar aviões Rafale e não contratar franceses para construírem uma usina nuclear; preferia investir em serviços sociais.

A gigante francesa de energia Total queria fatia maior do bolo energético líbio –que estava sendo devorado, do lado europeu, pela italiana ENI, sobretudo porque o premiê Silvio “bunga bunga” Berlusconi, fã de carteirinha do Grande Gaddafi, já tinha acertado negócio complexo com Gaddafi.

Assim, o golpe militar foi aperfeiçoado em Paris, até dezembro; as primeiras manifestações populares na Cyrenaica em fevereiro –instigadas em larga medida pelos golpistas– foram capturadas. O filósofo da autopromoção Bernard Henri-Levy meteu num avião para Benghazi a sua camisa branca aberta no peito e foi encontrar-se com os “rebeldes”, de onde telefonou para Sarkozy e virtualmente ordenou que reconhecesse os tais “rebeldes”, já no início de março, como ‘governo legítimo’ (como se Sarkô carecesse de estímulos).

O Conselho Nacional de Transição foi inventado em Paris, mas a ONU também providenciou para inflá-lo como “legítimo” governo da Líbia. E a OTAN, que não tinha mandado da ONU para converter uma zona aérea de exclusão em bombardeio “humanitário” indiscriminado. Tudo isso culmina hoje no cerco da cidade de Sirte.

Os franceses e os britânicos redigiram o que viria a ser a Resolução 1.973 da ONU. Washington uniu-se alegremente ao convescote. O Departamento de Estado dos EUA combinou um negócio com a Casa de Saud, pelo qual os sauditas assegurariam um voto da Liga Árabe, como prelúdio à resolução da ONU; em troca, os sauditas seriam deixados em paz para reprimir qualquer protesto pró-democracia no Golfo Persa –o que os sauditas fizeram, com selvageria, no Bahrain.

O Conselho de Cooperação do Golfo (então convertido em Clube Contrarrevolucionário do Golfo) também tinha toneladas de razões para querer livrar-se de Gaddafi.

Os sauditas adorarão acomodar um emirado amigo no norte da África, sobretudo se, simultaneamente, se livrarem da furiosa animosidade que separa Gaddafi e o rei Abdullah. Os Emirados querem novo local para investir e “desenvolver”. O Qatar, muito íntimo de Sarkô, queria fazer dinheiro –gerindo os novos negócios de venda de petróleo dos “legítimos” “rebeldes”. A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton pode até ser muito amiga da Casa de Saud ou dos al-Khalifas assassinos no Bahrain. Mas o Departamento de Estado também vergastou Gaddafi pesadamente por suas “políticas cada vez mais nacionalistas no setor energético”; e, também, por estar “libianizando” a economia.

O Grande Gaddafi, jogador esperto, deveria ter visto o escrito no muro. Desde que o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh foi deposto essencialmente pela CIA no Irã em 1953, a regra é que ninguém se mete a antagonizar o Big Oil globalizado. Para nem falar de antagonizar o sistema financeiro/banqueiro internacional –promovendo ideias subversivas como usar a economia nacional em benefício da população local.

Quem seja pró-o-próprio-país é automaticamente inimigo dos que mandam –bancos ocidentais, megacorporações, “investidores” nebulosos à caça de lucrar com qualquer coisa que cada país produza.

Gaddafi não só atropelou todos esses limites como também tentou escapar do petrodólar: tentou vender à África a ideia de uma moeda unificada, o dinar de ouro (foi apoiado por muitos países africanos); investiu num projeto multibilionário –o “Grande Rio Feito pelo Homem”, uma rede de dutos que bombeiam água potável do deserto para a costa mediterrânea –sem, para isso, ter de ajoelhar ante o altar do Banco Mundial; investiu em programas sociais nos países subsaharianos mais pobres; financiou o Banco da África, com o que tornou possível, para muitos países, também escapar das garras do Banco Mundial e, principalmente, do Fundo Monetário Internacional; financiou um sistema de telecomunicações para todo o continente africano, graças ao qual escapou das redes ocidentais de telecomunicações; e ofereceu aos líbios excelente padrão de vida. A lista dos pecados de Gaddafi é infinita.

POR QUE NÃO TELEFONO PARA PYONGYANG

E há ainda o ângulo militar crucialmente importante do Pentágono/Africom/OTAN. Nenhum país africano quis receber uma base do Comando Africano (Africom) do Pentágono. O Africom foi inventado no governo George W Bush como meio para controlar de perto a África e para combater, escondido, os avanços comerciais da China.

Dado que ninguém quis acolher o Africom na África, o Africom escolheu local super africano: Stuttgart, na Alemanha. A tinta em que se escreveu a Resolução nº 1.973 ainda nem secara, e o Africom, de fato, já estava bombardeando a Líbia com mais de 150 Tomahawks –antes de o comando das operações ser transferido para a OTAN. Foi a primeira guerra africana do Africom, e prelúdio do que virá. Fixar uma base permanente na Líbia é negócio já praticamente resolvido –parte da militarização neocolonial, não só do norte da África mas de todo o continente.

A agenda da OTAN para dominar todo o Mediterrâneo e convertê-lo em lago da OTAN é tão definida quando a agenda do Africom para converter-se em Robocop da África. Os únicos pontos difíceis eram a Líbia, a Síria e o Líbano –três países que não são membros da OTAN nem ligados à OTAN por qualquer tipo de “parceria”.

Para compreender o papel de Robocop global que a OTAN aspira a desempenhar –legitimado pela ONU– basta prestar atenção à boca dura do secretário-geral da OTAN general Anders Fogh Rasmussen.

Trípoli ainda estava sendo bombardeada, quando ele disse que “Quem não consiga manter tropas além das próprias fronteiras não terá influência internacional, e o vácuo será ocupado por potências emergentes que não necessariamente partilham nosso pensamento e nossos valores”.

Portanto aí está, tudo dito. A OTAN é uma milícia high-tech ocidental para defender interesses dos EUA e de países europeus e isolar os BRICS emergentes e outros, e para manter curvados os “nativos”, sejam africanos ou asiáticos. O negócio fica mais fácil, porque a coisa está fantasiada de R2P – “responsabilidade de proteger”, não os civis, mas o saque subsequente.

Jogando contra todas essas forças, não surpreende que o Grande Gaddafi tenha recebido cartão vermelho, expulso do jogo para sempre.

Poucas horas antes de o Grande Gaddafi ter de começar a lutar pela própria vida, o “Amado Líder” bebericava champanhe russa com o presidente Dmitry Medvedev, trocando ideias sobre o gambito [1] em curso no Oleodutostão. Lembrou, por acaso, que gostaria de conversar sobre seu arsenal nuclear ainda ativo.

Aí está o motivo pelo qual o “Amado Líder” sobe, enquanto o Grande Gaddafi despenca.”

[1] “Gambito”. Manobra, no jogo de xadrez, em que se sacrifica uma peça, para adquirir vantagem de posição, romper a posição central do adversário ou organizar um ataque mais rápido ou eficiente (Houaiss, em http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=gambito&stype=k) [NTs].

FONTE: escrito por Pepe Escobar, no “Asia Times Online” e transcrito no portal de Luis Nassif (traduzido pelo “Coletivo da Vila Vudu”)
(http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-guerra-na-libia-e-francesa#more) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

3 comentários:

Probus disse...

SEGUNDA-FEIRA, 5 DE SETEMBRO DE 2011

Pepe Escobar: “O Amado Líder e o Oleodutostão”

Entreouvido na Vila Vudu:

Quando se lêem artigos como esse e as colunas “Mundo” dos jornais e revistas brasileiros do Grupo GAFE (Globo-Abril-Folha-Estadão), a gente tem de perguntar:
“Mas que baita porcaria é essa que o Grupo GAFE nos vende?!” Não é, só, questão de o Grupo GAFE ser mineralmente reacionário, petreamente atrasado e atrasista, e de os jornalistas do Grupo GAFE serem tão incompetentes e mal informados quanto seguros de sua superior sabedoria (só rindo!).
É questão, principalmente, de eles NÃO SABEREM NADA, sobre o mundo! Até quando?!
Quem, aí, inventou que alguma “Lei das Comunicações” conseguirá superar o insuperável problema da IGNORÂNCIA dos jornais e jornalistas brasileiros?!

Dado que o mundo – e as manchetes dos noticiários – só tinham olhos para a guerra “humanitária” contra a Líbia, poucos perceberam quando um senhor, de 69 anos, de túnica à Mao Tse Tung e óculos escuros, desembarcou de um Mercedes preto, blindado, no fundo do fundo da Sibéria.

Nosso personagem é, claro, o inimitável Amado Líder da República Popular Democrática da Coreia (RPDC) [ing. Democratic People’s Republic of Korea (DPRK)], Kim Jong-Il. Conhecido por detestar aviões, Kim viajou pela tundra no mais esplendoroso estilo Velho Mundo, em carro que seu pai, fundador da RPDC, ganhou de presente de ninguém menos que Joseph Stálin.

Ano passado, na Coreia do Norte, vi o carro – e, sim, é perfeita obra prima dos anos 1950s; mas agora, segundo a Agência Interfax, “foi reformado com requinte”, o que inclui conexão permanente com o mundo, por internet e telas de plasma, daquelas fininhas, em lugar das Sony Trinitrons démodées.

O Amado Líder rodou até Sosnovy Bor (“Floresta de Pinheiros”), base militar, 50 km a leste da capital da República de Buryatia, Ulan-Ude, na Sibéria oriental, junto ao Lago Baikal, sem sorrir. Acabava de fazer, segundo a duvidosa expressão da Associated Press, “uma fun trip”; não há dúvida de que não se serviu desse americanismo para dizer o que disse, em coreano, aos seus anfitriões russos.

Mas, ao deixar Sosnovy Bor depois de reunir-se com o presidente da Rússia Dmitry Medvedev, o Amado Líder, certamente estava de bom humor.

Acabava de oferecer a Medvedev um saco de doces: luz verde para o gambito [1] de um grande Oleodutostão transcoreano, uma moratória na produção e teste de armas nucleares e a promessa de reiniciar conversações nucleares “sem condições”.

Claro que persiste uma questão incômoda. O destino de Muammar Gaddafi foi selado quando renunciou, em 2003, ao seu programa nuclear – seguindo os conselhos de seus arrogantes filhos europeizados – e entregou a sobrevivência de seu regime nas mãos da OTAN.

Nem o Espírito Santo em pessoa conseguiria convencer o Amado Líder a seguir o mesmo caminho e livrar-se de seu arsenal nuclear, mas essa é outra história.

Gás ou plutônio?

Medvedev adorou – e como não adoraria? – o encontro (as conversações foram “abertas” e “substantivas”). Quanto ao imperscrutável Kim, ia feliz da vida, exultante: que grande jogador tático ainda é!

A Coreia do Norte ainda deve $11bn à Rússia, restos da era soviética. Medvedev deve ter ficado tão excitado, que ninguém nem falou sobre isso. Pelo sim, pelo não, já a partir do início de agosto, a Rússia estará embarcando 50 mil toneladas de grãos para a Coreia, por mês, para combater a fome. A RPDC não tem meios – por enquanto – para pagar as dívidas.

Exportar gás siberiano através da península coreana é situação de ganha-ganha. É ideia que está no ar há pelo menos vinte anos.

O falecido Chung Ju-yung, fundador da Hyundai (nascido, aliás, no norte), foi o primeiro a testar essas águas quando visitou a Coreia do Norte em 1989. Mas estava anos-luz à frente de seu tempo.

Probus disse...

O problema é que o ódio mútuo entre as duas Coreias aumentou exponencialmente nesses últimos anos. Além disso, o encontro Kim-Medvedev nem bem havia acabado, e já apareceram os suspeitos de sempre, cabeça-de-Guerra Fria, com a mesma velha conversa sobre a “inaceitável” alavancagem comandada pela dinastia Kim.

Ainda assim, o gambito do Oleodutostão é, com certeza, abordagem mais inteligente, que prender o Amado Líder contra as cordas, como animal ferido, e, por isso mesmo, dar-lhe espaço mais do que suficiente para jogar com plutônio suficiente para pelo menos seis bombas e a possibilidade de montar uma bomba nuclear num míssil Taepodong de longo alcance.

O subtexto também é fascinante. Medvedev pode ter usado a Coreia do Norte para mandar uma mensagem à China, pressionando Pequim a finalizar suas próprias negociações de gás para dois gasodutos que partem da Rússia.

Esses dois gasodutos não são exatamente alta prioridade para a China, se se considera que a China confia nas vastas quantidades de gás que importa do Irã e da Ásia Central.

Mas os gasodutos são, sim, prioridade, como parte da blitzkrieg da Gazprom pelo Oleodutostão da Ásia: apostar num mercado em inacreditável expansão, se comparado aos infinitamente problemáticos, além de estagnados, mercados europeus.

Imediatamente depois do encontro Kim-Medvedev, Pequim anunciou que, até 2015, planeja construir 7.000 km extras do Gasodutostão da Ásia Central, com o que estará dobrando suas importações de gás.

Isso significa que a China estará importando 60 bilhões de metros cúbicos de gás ao ano da Ásia Central – praticamente a mesma quantidade que a Rússia havia oferecido como fornecimento pelos dois gasodutos.

Quanto ao mapa do caminho

O atual mapa do caminho é alguma coisa o seguinte.

A China de fato está competindo diretamente com os EUA, pelo título de maior economia do mundo.

A Rússia, antes de tudo, precisa impulsionar a própria economia, diversificando as exportações de energia. Se a Rússia liga a ferrovia Trans-siberiana às duas Coreias, impulsiona a economia de suas áreas do extremo oriente.

Para vender gás e óleo à voraz Coreia do Sul, é imperativo que algum óleo-gasoduto russo atravesse a Coreia do Norte.

A Coreia do Sul, fortemente industrializada, importa todo o óleo que consome; é o 5º maior importador do planeta, e o 2º maior de gás natural liquefeito (LNG), atrás só do Japão. A Coreia do Sul não tem qualquer conexão com o Gas-oleodutostão: tudo chega em super navios-tanques.

A Coreia do Norte pode receber mais de $500m por ano, em taxas de trânsito só do gás, pelo gasoduto. Além dos 1.100 km do gasoduto – incluídos os 700 km na Coreia do Norte – pode combinar um negócio crucial, de eletricidade, com os russos, aumentando a grade energética da RPDC para suas indústrias. E o fato de que a RPDC também diversifica e diminui sua dependência da China também ajuda.

Politicamente, a China apóia o Norte. Os EUA apóiam o Sul. A Rússia apóia os dois.

Assim sendo, dêem boas vindas a uma nova “sunshine policy” [2] com legendas em russo – e Moscou no papel de pacificadora.

Probus disse...

Timing impecável

Até Pequim, pelo que já transpirou, parece ter gostado da coisa toda – já se ouvem comentários vazados, de que é o fim da Guerra Fria e Pequim e Moscou precisam trabalhar juntas e coordenar ações na Coreia do Norte.

Para Kim, que detesta aviões, sair de Pyongyang sempre só significou três possibilidades. Para o sul, rumo a Seul: não, ainda não. Para a China: nos últimos tempos lá esteve três vezes. Restava, agora, a Rússia, rumo nordeste. E ele partiu para lá.

O Amado Líder deveria ter aproveitado para visitar Skovorodino, seria útil. É o ponto de partida de um oleoduto de 1.000 km rumo à China e à costa russa no Pacífico. Optou por uma rota de contorno.

Seja como for, seu sentido de timing e de oportunidade foi simplesmente espantoso. Pequim tinha certeza de ser a única apoiadora certificada de Pyongyang. Até que o Amado Líder fez todos os jogadores lembrarem que ele é muito, muito bom, na arte de jogar uma super ou média potência, contra outra.

A RPDC continua, é claro, hiperparanóica, em tudo quanto tenha a ver com influências vindas da suspeita, corrupta, “gangue-fantoche” capitalista ocidentalizante da Coreia do Sul.

Mas no que tenha a ver com um óleo-gasoduto pancoreano – e fornecimento de energia – está OK. Como observou Aidan Forster-Carter, especialista em Coreia do Norte, “tudo que Pyongyang tem de fazer é sentar e recolher um gordo aluguel. Ou, se sentir-se entediada, fechar a torneira, de vez em quando – só para dar umas risadas”. [3]

A Coreia do Norte está, de fato, obcecada com 2012. Serão os 100 anos de nascimento de Kim Il-Sung. Estabelecer bom relacionamento com Rússia e China será como conquistar a Copa do Mundo das “relações públicas”.

Hoje, a bola está no campo do Sul. Também haverá eleições na Coreia do Sul em 2012. O presidente Lee Myung-bak é pato manco: não pode concorrer à reeleição e, além disso, sua política ‘linha-dura’ contra o Norte fracassou miseravelmente.

Significa que o novo homem em Seul terá de tentar algum tipo de apaziguamento. Encontrará, à mão, como apaziguador-mór, o gasoduto pancoreano. Aviso de amigo, a todos os Amado-Liderólogos: não se metam a jogar pôquer com ele.


Notas dos tradutores
[1] “Gambito”. Manobra, no jogo de xadrez, em que se sacrifica um peão, para adquirir vantagem de posição, romper a posição central do adversário ou organizar um ataque mais rápido ou eficiente (Houaiss).
[2] A Sunshine Policy [aprox. “política do raio de sol”] foi a política exterior da Coreia do Sul, para a Coreia do Norte, até a eleição de Lee Myung-bak à presidência, em 2008. Foi articulada em 1998 pelo então presidente da Coreia do Sul Kim Dae Jung e resultou em maior contato político entre as duas Coreias, com alguns eventos históricos para toda a península. As duas Coreias realizaram reuniões em Pyongyang (em junho de 2000), que abriram caminho para vários negócios importantes, e houve rápidos encontros entre famílias coreanas separadas. Em 2000, Kim Dae Jung recebeu o Prêmio Nobel da Paz, pelos resultados obtidos de sua “Sunshine Policy”.
[3] 26/8/2011, Aidan Foster-Carter, “Kim Jong-il: Tactical genius”, Asia Times Online.

http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/09/pepe-escobar-o-amado-lider-e-o.html