Li hoje no site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo de Noam Chomsky, do jornal norte-americano “The New York Times”. O autor é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts:
“Barack Obama é reconhecido por ser uma pessoa de inteligência pronunciada, um erudito advogado, cuidadoso com a escolha de palavras. Ele merece ser levado a sério - tanto o que diz quanto o que omite.
Isso ficou muito claro em sua primeira declaração importante sobre relações exteriores, em 22 de janeiro, no Departamento de Estado, ao apresentar George Mitchell, que atuará como seu enviado especial para trabalhar pela paz no Oriente Médio.
Mitchell deverá concentrar sua atenção no conflito Israel-Palestina, logo após a recente invasão dos EUA-Israel em Gaza. Durante o ataque homicida, Obama permaneceu em silêncio, a não ser por alguns chavões, pois, como ele disse, há apenas um presidente.
Em 22 de janeiro, o único presidente era Barack Obama; portanto, ele pôde falar livremente sobre esses assuntos. Obama enfatizou seu comprometimento com um assentamento pacífico: "Será política de meu governo buscar, ativa e corajosamente, a paz duradoura entre Israel e a Palestina, assim como entre Israel e seus vizinhos árabes".
Mas ele deixou os contornos de sua política vagos, a não ser por uma proposta específica:
"A iniciativa de paz árabe", disse Obama, "contém elementos construtivos que podem nos ajudar a avançar nesses esforços. É hora de as nações árabes agirem para cumprir a promessa da iniciativa, apoiando o governo palestino liderado pelo Presidente Abbas e pelo Primeiro Ministro Fayyad, dando passos em direção à normalização das relações com Israel, e levantando-se contra o extremismo que ameaça a todos nós".
Obama não está diretamente falsificando a proposta da Liga Árabe, mas sua interpretação cuidadosamente estruturada é instrutiva.
De fato, a proposta clama pela normalização das relações com Israel - no contexto, deve-se notar, e apenas no contexto, de um acordo entre dois estados, o chamado consenso internacional, que os Estados Unidos e Israel têm bloqueado, praticamente sozinhos, por mais de 30 anos.
A omissão de Obama deste fato crucial - Israel e Palestina como estados co-existentes na fronteira internacional, com talvez pequenas e mútuas modificações - dificilmente pode ser acidental. Ela sinaliza a tendência de Obama a fazer com que os Estados Unidos não deixem de lado o rejeicionismo. Ele chama os estados árabes a agirem em um corolário à sua proposta, enquanto os Estados Unidos ignoram até mesmo a existência de seu conteúdo central; a pré-condição para o corolário supera o cinismo.
Entre as massas, os atos mais significativos que minam um acordo de paz são as ações diárias apoiadas pelos EUA nos territórios ocupados, todas reconhecidamente criminosas: a tomada de terras e recursos valiosos para a construção daquilo que o principal arquiteto do plano, Ariel Sharon, chamou de "Bantustões" para os palestinos.
No entanto, os Estados Unidos e Israel continuam a se opor até mesmo a falar sobre um acordo político, uma vez que, em dezembro último, eles (e algumas ilhas do Pacífico) votaram contra a resolução da ONU que apoiava "o direito do povo palestino à autodeterminação" (aprovada por 173 a 5).
Em referência à proposta "construtiva", Obama não disse nada sobre os desenvolvimentos de assentamentos e infra-estrutura na Cisjordânia, e as complexas medidas para controlar a existência palestina, desenvolvidas para solapar as perspectivas de um acordo de paz entre os dois estados. Seu silêncio refuta seus floreios de oratória sobre como "manter um comprometimento ativo para conseguir que os dois estados convivam em paz e segurança".
Obama continua restringindo o apoio a Abbas e Fayyad, que representam os partidos derrotados na eleição ocorrida em janeiro de 2006, uma das eleições mais livres do mundo árabe, à qual Estados Unidos e Israel reagiram, instantânea e publicamente, punindo severamente os palestinos por apresentarem oposição à vontade dos mestres. A insistência de Obama em considerar a existência apenas de Abbas e Fayyad se conforma ao consistente desprezo ocidental pela democracia, a não ser que esta esteja sob controle.
Obama também falou sobre as razões comuns para ignorar o governo eleito, liderado pelo Hamas. "Para ser genuinamente um partido pela paz," declarou Obama, "o quarteto (os Estados Unidos, a União Européia, a Rússia e as Nações Unidas) deixou claro que o Hamas deve satisfazer condições claras: reconhecer o direito de Israel de existir; renunciar à violência; e acatar acordos anteriores".
Como de costume, não foi mencionado o inconveniente fato de que os Estados Unidos e Israel são praticamente os únicos responsáveis pela obstrução a um acordo entre dois estados; eles, com certeza, não renunciam à violência; além disso, rejeitam a proposta central do quarteto, o seu road map. Israel aceitou tal proposta formalmente, mas com 14 reservas que efetivamente eliminam seu conteúdo. Um grande mérito do livro de Jimmy Carter, Palestina: paz, não apartheid, é ter levados esses fatos ao conhecimento do público pela primeira vez no mainstream.
Talvez seja injusto criticar Obama por mais este exercício de cinismo, já que tal atitude parece ser universal.
Também quase universais são as referências padronizadas sobre o Hamas: uma organização terrorista, dedicada à destruição de Israel (ou talvez de todos os judeus). Contudo, foi omitido que, ao contrário dos dois estados rejeicionistas, o Hamas convocou um acordo entre os dois estados, e o fez de acordo com o consenso internacional: publicamente, repetidamente, explicitamente.
Obama disse: "Vou ser claro: os Estados Unidos estão comprometidos com a segurança de Israel. Sempre apoiaremos o direito de Israel de defender-se contra ameaças legítimas".
Não se falou nada a respeito do direito dos palestinos de se defenderem contra ameaças muito mais extremas, tais como aquelas que ocorreram diariamente, com o apoio dos EUA, em Gaza e nos territórios ocupados. Mas esta, como já disse, é a regra.
A falsidade é particularmente notável neste caso, pela ocasião da nomeação de Mitchell. A principal façanha de Mitchell foi seu papel de liderança no acordo de paz na Irlanda do Norte. O acordo pôs fim ao terror do IRA e à violência britânica.
Havia um reconhecimento implícito de que, mesmo tendo direito de se defender contra o terror, a Grã-Bretanha não tinha o direito de fazê-lo por meio da força, pois havia uma alternativa pacífica: o reconhecimento das reivindicações legítimas da comunidade católica irlandesa, que eram as raízes do terrorismo do IRA.
Quando a Grã-Bretanha adotou esta sensata linha de ação, o terrorismo acabou. O próprio Mitchell pode acolher uma proposta séria para os dois estados. Em 2001, trabalhando para o governo de George W. Bush, ele presidiu um painel internacional cujo relatório ao menos barrava qualquer futura atividade de assentamento israelita na Cisjordânia. O Relatório Mitchell, embora tenha sido formalmente aceito e elogiado pelos Estados Unidos e por Israel, foi completamente ignorado.
Para a nova missão de Mitchell com relação ao conflito entre Israel-Palestina, as implicações das observações de Obama são óbvias: um acordo genuíno entre dois estados não está na mesa. O primeiro mandato de Mitchell para o Oriente Médio servirá para dar início às discussões e ouvir a todos - todos com exceção, supostamente, do Hamas, o governo eleito na Palestina. As omissões de Obama são uma clara indicação do comprometimento de seu governo com o tradicional rejeicionismo e a oposição à paz demonstrados pelos EUA, a não ser que esta paz esteja de acordo com suas próprias condições extremistas.”
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