“A política externa do governo do presidente Lula é bem avaliada entre as forças que o apóiam e seu sucesso reside em sua vinculação com a luta pelo desenvolvimento nacional e pela defesa da soberania nacional num mundo carregado de ameaças imperialistas
Por José Reinaldo Carvalho (*)
A política externa frequentou apenas marginalmente os debates eleitorais. Houve ensaios, sem grande repercussão, porém. Vez por outra viúvas da diplomacia de pés descalços freqüentaram páginas amarelas, canais de TV elitizados e colunas dos jornalões para desferir ataques contra este que foi um dos setores mais bem sucedidos dos dois mandatos do presidente Lula.
Os candidatos Serra e Marina em algumas oportunidades lançaram invectivas contra a “aliança de Lula com ditadores” e atacaram de maneira mesquinha líderes de outros países, como os presidentes Chávez, da Venezuela, Evo Morales, da Bolívia, e Ahmadinedjad, do Irã. Exibindo seu reacionarismo, ambos não perderam a oportunidade de se somar aos mais conservadores setores dos Estados Unidos, que têm por profissão de fé a guerra ideológica e midiática contra Cuba.
É sintomático que tenham parcialmente retrocedido. A projeção internacional do Brasil e o prestígio do presidente de Lula no mundo também pesaram na alta avaliação que a população brasileira fez de seu governo, o que deve ter levado os detratores da política externa a recolher temporariamente suas armas. Corriam o risco de terem suas popularidades, já baixa, menor do que a dos líderes que condenaram
Não obstante, o tema se impõe e permanece em debate, dividindo campos. A Folha de S. Paulo, dedicada nestes últimos dias da campanha a fabricar notícias e comentários que induzam o eleitorado a optar pela realização do segundo turno, procura em editorial publicado 6ª feira (1º out) desqualificar a política externa, considerando que sua condução “perdeu-se em maniqueísmos, contradições e exibicionismo”. Mesmo assim, foi obrigada a admitir que os “Objetivos do Itamaraty estão corretos” e a reconhecer o prestígio internacional do presidente Lula.
Observação à parte: o mesmo jornal da “ditabranda” critica o Brasil pelo seu “petulante rigor democrático” na crise de Honduras.
A política externa do governo do presidente Lula é em geral bem avaliada entre as forças que o apóiam, diferentemente da política financeira, que suscitou muitas polêmicas internas entre as forças de esquerda presentes no governo e no movimento sindical e popular.
Embora aparentemente distante do cotidiano das pessoas simples, granjeou popularidade, pois a população percebeu que mudou a forma de o Brasil se inserir no mundo, o país se tornou mais respeitado no exterior e se credenciou a desempenhar um papel mais ativo e de maior destaque na vida internacional.
O sucesso da política externa de Lula e do chanceler Celso Amorim reside em primeiro lugar em que esteve vinculada à luta pelo desenvolvimento nacional, para o que é imprescindível a defesa da soberania, num mundo carregado de ameaças de espoliação econômica e imposições políticas pela globalização financeira e pela política das grandes potências, principalmente do imperialismo norte-americano e seus aliados.
O governo Lula praticou uma política externa autônoma, pacifista e democrática, ideologicamente vinculada ao nacional-desenvolvimentismo, às melhores tradições da diplomacia brasileira, que incorporou há décadas os princípios da autodeterminação e da não intervenção, princípios, aliás, inscritos no artigo IV da Constituição da República, promulgada em 1988.
Baseado na percepção do papel do Brasil no mundo não mais como país dependente e subordinado aos ditames dos Estados Unidos, mas como nação soberana, embora ainda vulnerável, com vontade e interesses próprios, em transição para o status de potência emergente, o Itamaraty no governo Lula formulou e pôs em prática uma política exterior “ativa e altiva”, na expressão do seu condutor, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Tem sido uma política externa cheia de iniciativa e assertividade, compreendendo como a ação internacional pode condicionar o êxito de um novo projeto nacional de desenvolvimento, ainda em gestação. É ocioso e vão negar os resultados positivos dessa assertividade em política externa, das novas parcerias estratégicas e das novas responsabilidades que o país vai assumindo internacionalmente.
Uma política externa acanhada, protocolar, centrada na prioridade ao bilateralismo com os Estados Unidos e subordinada aos interesses dessa potência poria em risco a própria independência nacional. Essa percepção levou a diplomacia brasileira ao universalismo e ao multilateralismo que se traduziram, no âmbito do arcabouço institucional, na luta pela reforma das Nações Unidas, a democratização e reestruturação das suas instâncias e a alteração da composição do Conselho de Segurança, buscando conquistar aí seu espaço como membro permanente.
A política externa praticada a partir da primeira posse de Lula, em 2003, defendeu firmemente a paz e desdobrou-se para fazer prevalecer o direito internacional. Ao receber uma ligação telefônica do ex-presidente Bush, rogando apoio à invasão do Iraque, Lula foi cortante: “A única guerra do meu governo é contra a fome e a pobreza”, retrucou o então novato presidente, àquele que foi o mais agressivo e conservador chefe de Estado norte-americano desde sempre.
O universalismo e o multilateralismo da política externa brasileira ganharam fôlego com o estabelecimento de parcerias estratégicas com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul e a atenção dedicada ao Oriente Médio. É forte a percepção de que o domínio unipolar dos Estados Unidos não tem longo fôlego e é inexorável a tendência a mudanças na correlação mundial de forças. Nesse quadro novas parcerias e alianças são indispensáveis como novo âmbito de coordenação política. Abrem-se com isso novas oportunidades para as relações do Brasil com outros povos e nações. A África, em particular os países lusófonos, mas não só, constituiu um novo foco da presença internacional do Brasil.
A opção estratégica mais importante e eficaz do governo Lula em política externa dirigiu-se para a América Latina e especialmente para o sul do continente. Foram inúmeras as iniciativas do Brasil para fortalecer as relações com os países do entorno, como para levar adiante e consolidar o processo de integração em curso, especialmente o Mercosul.
Já no início do primeiro mandato, o Brasil desempenhou papel importante para inviabilizar o projeto neocolonialista da ALCA. Lula incrementou as relações bilaterais com os países da região, visitando ou recebendo todos os chefes de Estado sul-americanos, sendo inúmeras as iniciativas postas em prática nesse sentido – Mercosul fortalecido e ampliado, Unasul, Conselho de Defesa, Banco do Sul, Comunidade de Estados Latino-americanos e caribenhos, entre outras. Nesse marco cresceu o protagonismo brasileiro na luta contra as ingerências externas, a instalação de bases militares estadunidenses, os golpes, assim como estreitaram-se os laços com países revolucionários e antiimperialistas, nomeadamente Cuba, Venezuela e Bolívia.
Outro âmbito em que foi intensa a atuação da diplomacia brasileira foi o comércio internacional, frente de atuação marcada por contenciosos com forças externas.
É justa a luta contra o protecionismo no âmbito da OMC, embora estrategicamente limitada, dado o caráter dessa organização como parte do sistema dos organismos multilaterais condicionados pelo sistema imperialista mundial. A OMC não foi criada para permitir o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados dos países ricos, mas exatamente para o contrário. No comércio internacional, monopolizado pelas transnacionais sediadas nos países imperialistas, funciona a lei da selva do protecionismo dos países ricos, das assimetrias, da guerra sem quartel pela conquista de mercados.
A política externa de Lula e a que as forças progressistas desejam construir para o futuro governo é um degrau a mais no esforço para focar a ação internacional do país na luta pelo desenvolvimento nacional, com caráter democrático e popular, nas condições atuais do Brasil, da América Latina e do mundo. Trata-se de uma evolução e um aprofundamento de uma diplomacia patriótica, correspondente ao amadurecimento do Estado nacional brasileiro, que consolida a inserção do país no mundo com profissionalismo, realismo, boa dose de pragmatismo e autonomia, combinando a defesa dos interesses nacionais com as aspirações da humanidade por um mundo melhor, uma política externa que adicione elementos progressivos no processo de acumulação de forças da luta pela emancipação nacional e social do povo brasileiro e some forças na luta anti-imperialista mundial.”
FONTE: escrito por José Reinaldo Carvalho, editor do portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=138379&id_secao=1).
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