Por Luciana Garcia de Oliveira
“Escute, eu sei que você está gravando, mas eu pessoalmente gostaria de ver todos eles mortos ... Eu gostaria de ver todos os palestinos mortos porque são uma doença em qualquer lugar que vão.” (Tenente do Exército israelense, Líbano, 16 de junho de 1982).
“Em memória de um dos golpes mais devastadores para o povo palestino, estão previstas, para o mês de setembro, várias atividades com o objetivo de resgatar a história do episódio conhecido mundialmente como o “massacre de Sabra e Chatila”. A programação contará com exposição de fotos e sarau poético na “Biblioteca Municipal Alceu Amoroso Lima”, em São Paulo, debate, seguido da exibição do premiado filme “Valsa com Bashir” de Ariel Forman, no auditório do clube Homs, no dia 18 de setembro, além da coletânea de artigos no caderno especial da Palestina, da ZUNÁI – revista de poesia e debates.
Três décadas se passaram do episódio considerado como um dos mais sangrentos nas últimas décadas. Mesmo diante de crime de enorme proporção, são muito poucos que conhecem de fato a história das guerras do Líbano com todos os detalhes. Talvez esse seja o motivo pelo qual o cenário do que foram os campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila tenha tido poucas mudanças efetivas. De acordo com diversos correspondentes internacionais que visitam esses locais hoje, os cerca de 13 mil refugiados que vivem em Chatila, além de conviverem com os traumas do passado, sobrevivem com um presente de miséria e abandono.
A mudança deve-se ao fato de que Sabra deixou de ser reconhecido como campo de refugiados, convertendo-se em um dos bairros mais miseráveis de Beirute, sem que haja reconhecimento desses locais como parte do país. Não há coleta de lixo e nem quaisquer serviços públicos, o que torna a situação de moradia e saúde muito mais alarmante do que podemos imaginar.
O pouco conhecimento se deve, principalmente, ao fato de haver poucos vestígios das lembranças do massacre de Sabra e Chatila. Mesmo diante do boicote israelense na época, as imagens ainda existentes em vídeos e fotografias podem traduzir com fidelidade o desespero dos sobreviventes diante de centenas de corpos empilhados ou enfileirados nas ruas estreitas de terra, cercadas por casas simples e muitos barracos.
Lembranças traumáticas vividas a partir da noite do dia 16 de setembro de 1982, no instante em que os refugiados palestinos foram surpreendidos com a iluminação de sinalizadores de fogo disparados no céu, clareando a noite. Nessa altura, a população dos campos não pode imaginar o que seriam as primeiras movimentações israelenses para proteger e garantir a entrada das forças falangistas (milícias da extrema direita cristã libanesa) nos campos de refugiados.
O medo e o terror foram imediatamente instalados, quando muitos tanques cercaram a entrada e a saída dos campos. A partir daí, Israel e as milícias falangistas deram início à 62 horas de pura violência contra a população civil palestina. Estima-se que esse episódio tenha tido, no mínimo, um saldo de 3 mil mortes, entre idosos, mulheres e crianças, em sua maioria.
Israel teria invadido o Líbano “em represália” [sic] ao assassinato de um embaixador de Israel em Londres por um palestino que, supostamente, vivia no campo de Chatila. Dentro desse mesmo contexto de guerra civil libanesa, o Exército israelense entrou em acordo com os chefes das milícias cristãs para viabilizar a invasão dos dois campos de refugiados. O agravante estaria na constatação de que, poucos dias antes do atentado, Israel e Palestina haviam assinado um cessar fogo, intermediado por um enviado norte-americano, Philip Habib, que resultou no consentimento palestino pela saída de todos os integrantes da “Organização de Libertação da Palestina” (OLP) da capital libanesa. Fato que reafirma o massacre civil de uma população absolutamente indefesa.
Naquele instante, o então Ministro da Defesa de Israel não cumpriu com o acordo e permitiu que a Falange entrasse nos campos e realizasse o massacre. Ao mesmo tempo, o Exército de Israel detinha o controle da entrada e saída dos campos. Testemunhas relataram que muitas mulheres grávidas e com crianças de colo foram sumariamente impedidas de saírem dos campos. Alguns dias após o massacre e ainda durante o cerco em Beirute, a OLP acusou Israel de empregar táticas semelhantes às utilizadas por Adolf Hitler contra os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.
Os responsáveis pelo massacre nunca foram punidos. Ariel Sharon, chegou a ser condenado pelas Nações Unidas, porém nunca foi penalizado de fato. Ao contrário, continuou exercendo impunemente sua carreira política em diversos cargos dentro do Ministério de Israel.
A impunidade e a injustiça estão absolutamente divulgados no chamado “relatório da comissão Kahan”, datado de 1983, documento pelo qual o jornalista [inglês] Robert Fisk não se furtou em classificar o massacre como o resultado “da obsessão selvagem de Israel com o terrorismo”. Em sua obra “Pobre Nação” ressaltou: “Os israelenses retrataram o documento como poderosa evidência de que sua democracia ainda brilhava como um farol sobre as ditaduras dos outros Estados do Oriente Médio” (FISK, 2001, p. 518). Mesmo diante dessa constatação, ao analisar o texto desse documento oficial, é possível concluir que se trata, acima de tudo, de documento extremamente falho e tendencioso em seu conteúdo. A começar com o título: sobre “os ‘eventos’ nos campos de refugiados”, ao invés de qualificá-lo como ‘massacre’, sem ao menos mencionar a palavra ‘palestino’.
E por falar em terrorismo, tão repetidas vezes, os autores do “relatório Kahan” demostravam que haviam esquecido a regra básica que todos os invasores do Líbano deveriam aprender: “que, ao se tornar amigo de um grupo terrorista, você também se torna terrorista” (FISK, 2001, p. 523). A informação é a arma mais eficaz para que a impunidade não prevaleça e a história jamais seja esquecida.”
FONTE: escrito por Luciana Garcia de Oliveira, integrante do “Grupo de Trabalho sobre o Oriente Médio e o Mundo Muçulmano” do “Laboratório de Estudos sobre a Ásia” da Universidade de São Paulo (LEA-USP). Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20846).
“Escute, eu sei que você está gravando, mas eu pessoalmente gostaria de ver todos eles mortos ... Eu gostaria de ver todos os palestinos mortos porque são uma doença em qualquer lugar que vão.” (Tenente do Exército israelense, Líbano, 16 de junho de 1982).
“Em memória de um dos golpes mais devastadores para o povo palestino, estão previstas, para o mês de setembro, várias atividades com o objetivo de resgatar a história do episódio conhecido mundialmente como o “massacre de Sabra e Chatila”. A programação contará com exposição de fotos e sarau poético na “Biblioteca Municipal Alceu Amoroso Lima”, em São Paulo, debate, seguido da exibição do premiado filme “Valsa com Bashir” de Ariel Forman, no auditório do clube Homs, no dia 18 de setembro, além da coletânea de artigos no caderno especial da Palestina, da ZUNÁI – revista de poesia e debates.
Três décadas se passaram do episódio considerado como um dos mais sangrentos nas últimas décadas. Mesmo diante de crime de enorme proporção, são muito poucos que conhecem de fato a história das guerras do Líbano com todos os detalhes. Talvez esse seja o motivo pelo qual o cenário do que foram os campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila tenha tido poucas mudanças efetivas. De acordo com diversos correspondentes internacionais que visitam esses locais hoje, os cerca de 13 mil refugiados que vivem em Chatila, além de conviverem com os traumas do passado, sobrevivem com um presente de miséria e abandono.
A mudança deve-se ao fato de que Sabra deixou de ser reconhecido como campo de refugiados, convertendo-se em um dos bairros mais miseráveis de Beirute, sem que haja reconhecimento desses locais como parte do país. Não há coleta de lixo e nem quaisquer serviços públicos, o que torna a situação de moradia e saúde muito mais alarmante do que podemos imaginar.
O pouco conhecimento se deve, principalmente, ao fato de haver poucos vestígios das lembranças do massacre de Sabra e Chatila. Mesmo diante do boicote israelense na época, as imagens ainda existentes em vídeos e fotografias podem traduzir com fidelidade o desespero dos sobreviventes diante de centenas de corpos empilhados ou enfileirados nas ruas estreitas de terra, cercadas por casas simples e muitos barracos.
Lembranças traumáticas vividas a partir da noite do dia 16 de setembro de 1982, no instante em que os refugiados palestinos foram surpreendidos com a iluminação de sinalizadores de fogo disparados no céu, clareando a noite. Nessa altura, a população dos campos não pode imaginar o que seriam as primeiras movimentações israelenses para proteger e garantir a entrada das forças falangistas (milícias da extrema direita cristã libanesa) nos campos de refugiados.
O medo e o terror foram imediatamente instalados, quando muitos tanques cercaram a entrada e a saída dos campos. A partir daí, Israel e as milícias falangistas deram início à 62 horas de pura violência contra a população civil palestina. Estima-se que esse episódio tenha tido, no mínimo, um saldo de 3 mil mortes, entre idosos, mulheres e crianças, em sua maioria.
Israel teria invadido o Líbano “em represália” [sic] ao assassinato de um embaixador de Israel em Londres por um palestino que, supostamente, vivia no campo de Chatila. Dentro desse mesmo contexto de guerra civil libanesa, o Exército israelense entrou em acordo com os chefes das milícias cristãs para viabilizar a invasão dos dois campos de refugiados. O agravante estaria na constatação de que, poucos dias antes do atentado, Israel e Palestina haviam assinado um cessar fogo, intermediado por um enviado norte-americano, Philip Habib, que resultou no consentimento palestino pela saída de todos os integrantes da “Organização de Libertação da Palestina” (OLP) da capital libanesa. Fato que reafirma o massacre civil de uma população absolutamente indefesa.
Naquele instante, o então Ministro da Defesa de Israel não cumpriu com o acordo e permitiu que a Falange entrasse nos campos e realizasse o massacre. Ao mesmo tempo, o Exército de Israel detinha o controle da entrada e saída dos campos. Testemunhas relataram que muitas mulheres grávidas e com crianças de colo foram sumariamente impedidas de saírem dos campos. Alguns dias após o massacre e ainda durante o cerco em Beirute, a OLP acusou Israel de empregar táticas semelhantes às utilizadas por Adolf Hitler contra os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.
Os responsáveis pelo massacre nunca foram punidos. Ariel Sharon, chegou a ser condenado pelas Nações Unidas, porém nunca foi penalizado de fato. Ao contrário, continuou exercendo impunemente sua carreira política em diversos cargos dentro do Ministério de Israel.
A impunidade e a injustiça estão absolutamente divulgados no chamado “relatório da comissão Kahan”, datado de 1983, documento pelo qual o jornalista [inglês] Robert Fisk não se furtou em classificar o massacre como o resultado “da obsessão selvagem de Israel com o terrorismo”. Em sua obra “Pobre Nação” ressaltou: “Os israelenses retrataram o documento como poderosa evidência de que sua democracia ainda brilhava como um farol sobre as ditaduras dos outros Estados do Oriente Médio” (FISK, 2001, p. 518). Mesmo diante dessa constatação, ao analisar o texto desse documento oficial, é possível concluir que se trata, acima de tudo, de documento extremamente falho e tendencioso em seu conteúdo. A começar com o título: sobre “os ‘eventos’ nos campos de refugiados”, ao invés de qualificá-lo como ‘massacre’, sem ao menos mencionar a palavra ‘palestino’.
E por falar em terrorismo, tão repetidas vezes, os autores do “relatório Kahan” demostravam que haviam esquecido a regra básica que todos os invasores do Líbano deveriam aprender: “que, ao se tornar amigo de um grupo terrorista, você também se torna terrorista” (FISK, 2001, p. 523). A informação é a arma mais eficaz para que a impunidade não prevaleça e a história jamais seja esquecida.”
FONTE: escrito por Luciana Garcia de Oliveira, integrante do “Grupo de Trabalho sobre o Oriente Médio e o Mundo Muçulmano” do “Laboratório de Estudos sobre a Ásia” da Universidade de São Paulo (LEA-USP). Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20846).
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