Vagas abertas há mais de sete anos, falta de
professores nas universidades, ausência de mão de obra formada. Essa é a
realidade na indústria aeroespacial.
Por Luiz
De França, na revista “Exame”
"Quando o
governo federal resolveu encomendar helicópteros, aviões de caça e cargueiros,
investir em radares e veículos não tripulados como parte do plano de estratégia
nacional de defesa, criado em 2008, a indústria aeroespacial e de defesa do
país passou a desengavetar os planos de contratação.
A
estimativa do “Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social” (BNDES) é
que esse setor cresça entre 10% e 20% nos próximos três anos. Até 2020, serão
criados 48 000 novos postos de trabalho nesse mercado, que atualmente emprega
30 000 profissionais nas 180 empresas filiadas à “Associação Brasileira das
Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança” (ABIMDE).
Pelos
cálculos da associação, até 2030 serão gerados 60 000 empregos. No entanto, o
plano do governo de fomentar esse mercado corre o sério risco de não decolar.
As 14 empresas e especialistas ouvidos para esta reportagem foram unânimes em
relatar a dificuldade de encontrar profissionais qualificados.
Algumas
estão importando mão de obra temporária. Se o país não quiser perder essa
chance, vai ter de investir em formação e capacitação. “Mais do que aumentar o número de graduados é preciso mudar a
mentalidade das instituições para formar gente com capacidade de inovar”,
diz Fernando Catalano, professor de aeronáutica da Universidade de São Paulo
(USP) de São Carlos.
No
Brasil, são poucas as instituições que oferecem cursos na área aeroespacial,
como o Instituto Tecnológico de
Aeronáutica (ITA, do MD/FAB), a Universidade do
Vale do Paraíba (UNIVAP) e a Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). A Universidade
de Brasília (UnB) começou a oferecer um em 2012.
“O problema em abrir mais cursos é que não há
professores suficientes”, diz Fernando. A USP está com uma vaga aberta há
sete anos porque não encontra um professor de aviônica — toda a parte eletrônica a bordo dos aviões — e está abrindo edital
de vaga no exterior para tentar preencher a posição. A universidade forma cerca
de 50 engenheiros aeronáuticos por ano — desses,
70% vão trabalhar na indústria para a qual foram formados.
No ITA [MD/FAB],
dos 120 formados por ano, apenas 60% vão trabalhar no setor. Os demais vão para
consultorias e mercado financeiro, atraídos por salários mais altos. Para
diminuir essa diferença, o ITA vai, em sete anos, passar a formar o dobro.
“Hoje, não temos condições de suprir essas
projeções de geração de emprego na área, mas tem uma série de medidas que, se
levadas adiante, vão ampliar a oferta de profissionais”, diz o professor
Cláudio Jorge, chefe da divisão de infraestrutura e engenharia civil do ITA. O
próprio instituto estuda como interagir com outras universidades federais do
Pará, do Ceará, de Brasília e de Santa Catarina para a troca de experiências.
Outra
ação, no entanto, talvez seja abortada. A Secretaria
de Aviação Civil (SAC) publicou um edital para a contratação de consultoria
para diagnosticar e sugerir um programa permanente de formação e capacitação de
mão de obra. As duas candidatas foram inabilitadas e estão recorrendo. Se o
pedido for negado, o edital será cancelado.
DESESPERADOS
Enquanto
isso, as empresas começam uma cruzada desesperada na busca de profissionais.
São companhias que criam, vendem e dão suporte a seus produtos, seja a
fabricante de aviões EMBRAER, seja uma pequena fornecedora de componentes
indispensáveis para a montagem de aeronaves.
Todas
usam tecnologia avançada para prestar serviços de manutenção, reparo e revisão
geral de aviões e helicópteros. Além disso, atuam em serviços e projetos de
engenharia nas áreas de defesa, aeronáutica e espacial, com satélites de
localização, imagem, foguetes de sondagem e outros equipamentos.
A maioria
está localizada na região de São José dos Campos, cidade do interior de São
Paulo, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. A “Avionics” é uma das poucas
localizadas na cidade de São Paulo. Tem 100 funcionários e vai precisar de mais
técnicos e engenheiros aeronáuticos para fazer vistoria e análises de
instalações, projetos e modificações de produtos instalados.
Mesmo precisando de apenas três profissionais de imediato,
João Vernini Filho, gerente comercial da “Avionics”, diz ter dificuldade para
preencher as vagas. “Já entrevistei 25
pessoas para uma posição de engenheiro que está aberta há seis meses.” Uma
das deficiências é a falta de conhecimento de ferramentas específicas, como
softwares para desenhos em 3D, que servem para planejar os projetos antes da
execução. Seus clientes são Embraer, Airbus, Forças Aéreas colombiana e
brasileira, TAM e Azul.
A
Helibras, subsidiária brasileira da gigante europeia EADS, que produz
helicópteros, aumentou a equipe de nove engenheiros para 60 em três anos, e de
250 funcionários para 750 nesse período. Mas a meta de alcançar 1 000
empregados até 2015 na fábrica de Itajubá, a 445 quilômetros de Belo Horizonte,
está sob ameaça pela dificuldade de encontrar profissionais qualificados no
mercado. A empresa foi contratada para entregar 50 helicópteros militares às
Forças Armadas Brasileiras até 2017.
Esse
projeto envolve fornecedores como a AKAER, de São José dos Campos, com 200 funcionários,
que presta serviços de desenvolvimento de aeroestruturas e gestão de projetos.
Depois de crescer 100% seu quadro de funcionários em 2012, a previsão para 2014
é expandir 60%.
Porém, se
houver uma decisão do governo favorável à compra do caça brasileiro FX-2, que
será fabricado pela EMBRAER, esse crescimento pode chegar a 300%. “Buscamos engenheiros e técnicos, desenhistas
e projetistas, profissionais de TI, administrativo e financeiro”, diz o
presidente da AKAER, Cesar Augusto da Silva.
Na ATECH,
em São Paulo, foram contratados 50 profissionais em 2012, depois que a “Embraer
Defesa e Segurança” comprou 50% da companhia. Para os próximos dois anos, serão
mais 100 novos funcionários. Os mais procurados são engenheiro de sistemas,
analista de sistemas, de software e desenvolvedores.
Atualmente,
o mercado nacional cresce mais do que o internacional, de acordo com Júlio
Talon, presidente da “GE Celma”, unidade da “GE Aviation”, que presta serviços
de manutenção de turbinas de aviões em Petrópolis, a 68 quilômetros do Rio de
Janeiro. Com os investimentos de 130 milhões de dólares na ampliação das
instalações, a companhia vai elevar o número de turbinas revisadas anualmente
de 320 para 500. “Neste ano, devemos
contratar cerca de 150 pessoas”, diz Júlio.
SALÁRIOS
ALTOS
Nessa
indústria, a dificuldade não é só encontrar as pessoas. A retenção é outro
desafio. O mercado está mais competitivo e os salários mais altos. Engenheiro
de manutenção sênior é o mais difícil de contratar. O salário varia de 12 000 a
18 000 reais.
O
engenheiro de projeto e produto é outro com grande demanda e pouca oferta e
salário de 10 000 a 14 000 reais, de acordo com a consultoria de RH Michael
Page. “Nos últimos cinco meses, tivemos
aumento de 17% na procura desses profissionais na região de São José dos Campos”,
diz Ricardo Basaglia, diretor da “Michael Page”.
A
espanhola “Aernnova”, que tem 65 funcionários nessa região e cresceu quase 50%
em 2012, é uma das que estão à procura de 15 engenheiros de projeto nas áreas
de estrutura, sistema hidráulico e elétrico. “Pessoal pronto está difícil”, diz Juessil Cursino Elyseo,
coordenador de projeto de engenharia da “Aernnova”, que dá preferência aos
formados pela Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos e pelo ITA.
Atualmente, cerca de 10% de seu quadro é de funcionários temporários
estrangeiros.
Se a
perspectiva de Gustavo Alves, diretor de operações da “Atmos Sistemas”,
especializada em sistemas eletrônicos e de radares meteorológicos, de São
Paulo, estiver correta, esta será a década de um aparelhamento massivo que
atrairá mais empresas estrangeiras para ampliar a cadeia produtiva brasileira,
a menor entre países como Estados Unidos, Canadá e a União Europeia.
O fato de
essa indústria crescer com o apoio do governo não é visto como negativo. “Nenhum país desenvolveu o setor sem a ajuda
do governo. Os Estados Unidos são o maior exemplo disso”, diz Gustavo. “E para que outro país compre nossos produtos
é preciso que o Brasil seja comprador.” A “Atmos” deve contratar até meados
de 2014 mais 15 engenheiros com experiência em testes de equipamentos e no
desenvolvimento de equipamentos eletrônicos e de materiais.
Outra
empresa que cresceu mais do que o esperado foi a “Iacit”, que atua nas áreas de
tecnologias de comunicação, navegação aérea, vigilância e sensoriamento. Foi um
crescimento de 35% em 2012 em relação a 2011. Para este ano, deve ficar em pelo
menos 15%. Para conseguir dar conta, vai ter de contratar nos próximos dois
anos 20 engenheiros especialistas em radiofrequência, em processamento de
hardware e software. Na falta de brasileiros, está mirando nos estrangeiros. No
ano passado, foram três contratados.
É de olho
nesse potencial que a americana Boeing, fabricante de aviões, anunciou seu
primeiro escritório no país, parcerias com instituições de ensino brasileiras e
um centro de pesquisa e desenvolvimento, que deverá ficar em São José dos
Campos. A companhia levou 14 estudantes brasileiros de engenharia para estagiar
em sua fábrica, na cidade de Seattle.
“Estamos produzindo menos engenheiros nos
Estados Unidos e tem uma geração prestes a se aposentar. Vamos precisar de
novos talentos e estamos olhando para fora”, diz Donna Hrinak, presidente
da Boeing Brasil. “Levar esses
brasileiros é uma forma de mapear futuros trabalhadores no país.”
Para quem
já se preparava para entrar nessa indústria, o momento é oportuno. Aos que
ainda não pensaram, essa pode ser mais uma possibilidade de fazer carreira em
um setor que promete crescimento no médio e longo prazo. Contudo, esse futuro
depende também da exigência do governo da transferência de tecnologia nas suas
compras no exterior e do investimento na formação e na capacitação de mais mão
de obra qualificada.”
FONTE: reportagem de Luiz De França, na revista “Exame”.
Transcrita no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/aviacao/noticia/10681/A-realidade-na-industria-aeroespacial--risco-de-nao-decolar).
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