segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

JOAQUIM BARBOSA E O INTRIGANTE ENGAVETAMENTO DO INQUÉRITO nº 2474




[OBS deste blog 'democracia&política': Durante quase sete anos, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve em segredo absoluto de Justiça o inquérito 2474, apelidado de “gavetão”, pois é paralelo ao 2245, que deu origem à ação penal do mensalão. Foi de 6 de março de 2007 a 31 de julho de 2013. O 2474 contém cerca de 100 volumes. Neles, o ministro Joaquim Barbosa “guardou” documentos que poderiam inocentar alguns réus do mensalão, entre os quais Pizzolato (fonte: http://www.viomundo.com.br/denuncias/ministro-lewandowski-abre-o-inquerito-2474-para-cristiano-paz.html)]

Barbosa e o inexplicável sigilo do Inquérito 2474

Enviado por Miguel do Rosário

"Continuo analisando o relatório principal do inquérito 2474.

Na parte 5 do relatório de Zampronha vem a parte dos empréstimos do BMG ao PT. São empréstimos, a princípio, bem mais regulares do que os feitos no Banco Rural, porque feitos em nome do próprio PT e depositados diretamente na conta do partido.

Só que aí aparece Marcos Valério e a coisa volta a se embolar. Há um vai e vem de recursos para outras contas no Banco Rural, operadas pelas agências do publicitário. Zampronha tenta explicar esse vai e vem, mas francamente é impossível. Analisando tantos saques, depósitos, todo aquele entra e sai de dinheiro, eu fiquei pensando o seguinte. Estamos diante de uma das maiores agências de publicidade no país. Não se trata de contas bancárias de um blogueiro duro e processado pelo Ali Kamel, como eu. O próprio relatório 2474, nas partes que eu já analisei, revela as centenas de fornecedores com os quais as agências de Valério operam. É óbvio, portanto, que boa parte daquele entra e sai de dinheiro são movimentações profissionais.

Quase toda grande agência de publicidade precisa ter um lobista, alguém que articule os grandes negócios, sobretudo com governos e estatais. Marcos Valério era o homem. Ele tinha sido introduzido na DNA por Clésio de Andrade, tradicional político mineiro, e que será a ponte entre Valério e o PSDB, tanto a nível federal quanto a nível estadual.

Aliás, o inquérito 2474 revela uma coisa interessante. Se Valério tinha contratos com o Banco do Brasil desde 1994 e se obteve contratos até com a Petrobrás (na gestão FHC), então a sua relação não era apenas com o PSDB mineiro. Ele já tinha chegado ao centro do poder, já estava articulando em Brasília. Sua parceria com Daniel Dantas, o financista “brilhante” (palavras de FHC) que manobrou grandes privatizações da era tucana, provam isso.

Na DNA e SMPB, havia o “Chiquinho”, Francisco Castilho, que era o “gênio” da publicidade propriamente dita. Uma coisa que precisa ser observada, quando se analisa todo o aparato midiático que se voltou contra Marcos Valério e suas empresas, é que tanto a DNA quanto a SMPB estavam crescendo rápido demais, ameaçando as grandes agências de São Paulo. Estavam ganhando prêmios de publicidade e amealhando contratos cada vez mais importantes. Quem herdou os contratos da DNA e da SMPB? Quem ganhou milhões com a queda de Marcos Valério? Não esqueçamos que essas agências financiam a mídia, o que explica a profusão de patrocínios a reportagens, cadernos especiais, hotsites, e todo tipo de material jornalístico que trata do mensalão, mesmo quando o assunto já não interessava mais tanto à população. Seria a DNA uma espécie de Cartago a ameaçar o império romano de outras agências, e que, por isso, teria de ser destruída até o último pedaço de mármore, jogando-se sal por cima de tudo para que nada mais florescesse no lugar?

Entretanto, eu não consigo tirar da cabeça aquele vídeo, onde Barbosa aparece tentanto explicar porque manteve o Inquérito 2474 em sigilo. Fiz inclusive um resumo de 2 minutos. Assistam de novo.



Observe como Barbosa fica nervoso, mexendo descontroladamente as mãos, e se enrola todo. Não consegue explicar. Marco Aurélio Mello lhe pergunta qual o “móvel” do sigilo. Barbosa gagueja. Afinal responde, com uma expressão que oscila entre o cinismo, o constrangimento e a malícia, que era para “o bom andamento” do processo.

Marco Aurelio, sarcástico como sempre, imediatamente rebate: “aí não, ministro. Aí não vinga”.

Outros ministros, Luiz Fux e Brito, tentam salvar a pele de Barbosa. Não dá muito certo. Barbosa, então, mais confuso que nunca, observa que o mensalão se restringe ao “Banco Ruuuraaal”. Ele estica as vogais. Outras linhas de investigação, diz ele, ficam para outro inquérito, o 2474.

Só que não tem sentido. O inquérito 2474 trata do Banco Rural o tempo inteiro. Do Banco Rural E do BMG.

Por que tanta mentira?

Voltemos ao relatório do Inquérito 2474. Zampronha, nitidamente, está trabalhando em cima da acusação da Procuradoria que se tornaria a Ação Penal 470. Tanto que Zampronha faz um esforço enorme para encontrar conexões entre o vai e vem de recursos das contas de Valério e o esquema denunciado pela procuradoria-geral, de distribuição de dinheiro a políticos.

Na página 192, Zampronha menciona especificamente a Ação Penal 470:



Opa! Barbosa não tinha dito que o Inquérito 2474 não tinha “nada a ver” com a Ação Penal 470? Não usou isso para manter o sigilo desses documentos, que poderiam ter fornecido elementos importantes para os réus se defenderem?

O mais impressionante é que o Inquérito 2474, em tese, foi preparado para dar mais consistência à acusação da Procuradoria. Sua razão de ser é chancelar todas as teorias da Ação Penal 470, inclusive o desvio do Fundo Visanet. Zampronha detecta que os valores depositados pela Visanet numa das contas de Valério foram (uma parte deles) em seguida sacados em espécie, e supostamente (diz ele) serviram para abastecer o esquema de compra de apoio político, conforme a acusação da procuradoria.

Só que o relatório não prova que os serviços não foram prestados. E mostra que Valério era um incrível bailarino financeiro. Ele pegava o dinheiro de um contrato, por exemplo, da Visanet, aplicava esse dinheiro no mercado financeiro, e pagava os serviços com o dinheiro de outra conta. Não sei até que ponto isso é ilegal, mas creio que não. Se o dinheiro está na minha conta, eu faço dele o que eu quiser, desde que honre meus contratos. Não estamos falando aqui de uma agência que presta serviços para uma padaria, e sim em contratos de dezenas de milhões de reais num momento do país em que juros e inflação eram estratosféricos (em 2003, os juros ainda estava muito altos, e a inflação ao final de 2002 atingiu o maior nível em vários anos). Valério era homem de mercado financeiro. Sabia que dinheiro parado, no Brasil, era prejuízo.

Zampronha só erra, portanto, quando sai da constatação dos fatos, para fazer elocubrações baseadas na acusação da procuradoria.

Por que, mesmo agindo de forma tão obediente, Zampronha foi escanteado? Por que seu relatório foi solenemente ignorado por Barbosa e mantido em sigilo, mesmo trazendo informações essenciais para o esclarecimento de inúmeros pontos da Ação Penal 470?

Continuando a ler a parte 5 do inquérito 2474, encontro algumas possíveis explicações para tanto sigilo. Na página 193, Zampronha informa que descobriu, em 2003, um depósito superior a R$ 800 mil da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais numa das contas de Valério:



Ora, quer dizer que a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, controlada pelo PSDB, também abasteceu o “mensalão”? Sim, porque todo dinheiro recebido por Marcos Valério formava esse grande “valerioduto” que ele usava para fazer o que bem entendia, inclusive investir em campanhas políticas do PT.

O próprio Zampronha conclui que foi exatamente isso que aconteceu:



O Ministério do Esporte, no caso, entrou apenas com uma quantia insignificante, de R$ 65 mil. O grosso veio do Banco Rural e da Assembléia Legislativa de MG.

Quando Zampronha começa a listar os primeiros beneficiados pelo valerioduto, o primeiro capítulo vai confirmar exatamente aquilo que Delúbio Soares sempre admitiu: que Marcos Valério ajudou o PT a pagar dívidas de campanha:



Vale a pena ler com muita atenção o texto acima. Ela traz a confirmação de uma tese que eu já havia trazido aqui para o blog, e que me foi relatada pelo próprio Henrique Pizzolato, que participou de reunião com a cúpula do PT, após a vitória das eleições. O PT nacional (leia-se Delúbio Soares) estava assumindo as dívidas dos diretórios regionais. Se Delúbio assumiu a conta de uma campanha em Alagoas, é porque assumiu em todo país. O relatório informa que a maior parte das dívidas era para com empresas pequenas, que tinham dificuldade para receber em suas contas bancárias. O fato é que, em campanha eleitoral, todo mundo quer receber em dinheiro vivo, por inúmeras razões, todas óbvias, relacionadas a imposto de renda, para o cheque especial não engolir tudo, facilidade para distribuir, etc.

Isso são as entranhas da democracia! Pequenas gráficas, produtoras, no interior do Nordeste, tentando eleger um candidato do PT. Não raro, esses pequenos empresários são ligados politicamente aos candidatos, e se engajam em suas campanhas. É a economia eleitoral em funcionamento, sustentada por pequenos fornecedores dispostos a bancar campanhas de candidatos de oposição às famílias tradicionais da política local.

O relatório, em seguida, envereda por um tema pesado, relacionado a problemas de bancos em estado de falência, que tinham recebido dinheiro do Proer. Aí sim, parecemos desviar do assunto “mensalão”, mas não tanto. Marcos Valério se torna representante do Banco Rural, que estava interessado em resolver pendências relativas a negócios que tinha com Banco Mercantil de Pernambuco.



Nessa parte do relatório, e sobretudo nos documentos ainda não vazados à imprensa, é que podemos encontrar elementos explosivos, relacionados às negociatas interbancárias feitas na época do Proer. Pelo relato do consultor acima, vê-se que o Proer foi exatamente isso, uma grande negociata entre o governo e alguns bancos. Como sempre, o governo tucano entregou o filé ao setor privado e ficou apenas com o osso, com as dívidas.

Ouvido pela Polícia Federal, Armando de Queiroz Monteiro Filho, acionista controlador do banco Mercantil admitiu que a instituição recebeu do Proer (leia-se governo, ou seja, contribuinte) um total de R$ 530,13 milhões, em 1996. Em valores atualizados pelo IGPM-FGV (calculadora do BC), isso corresponderia hoje a R$ 2,2 bilhões. R$ 2 bilhões para um banco falido… Isso dá quantos mensalões?

Vou parando por aqui. Num próximo post, eu termino de analisar a parte 5. Reproduzo apenas um trecho do relatório, só para deixar algum suspense no ar…



Barbosa mexe as mãos descontroladamente, enquanto tenta explicar o sigilo do 2474."

FONTE: postado pelo jornalista Miguel do Rosário em seu blog "O Cafezinho".[Observação inicial inserida por este blog 'democracia&política'].

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