quarta-feira, 9 de julho de 2008

CORTARAM A CABEÇA DA MEDUSA?

O escritor, jornalista, colunista da NovaE, editor de Arte & Política e redator do “blog” Óleo do Diabo (ver nossa coluna “recomendamos”, à direita), Miguel do Rosário, escreveu hoje em seu blog outro excelente texto, com o título acima. Os temas por ele abordados no artigo abaixo trancrito são oportunos, pois estiveram ou estão em destaque na mídia:

“Medusa nem sempre foi baranga. Antes de se transformar num monstro de olhar petrificador e cabelos de cobra, havia sido uma ninfa dos mares, a mais linda de todas. Seu erro foi se deixar seduzir por Poseidon, soberano das águas, e transar com ele no sagrado templo de Atenas, a bela e agressiva deusa dos olhos brilhantes. Atenas irrita-se profundamente com a profanação e converte Meduda na aberração a que já nos referimos.

Daniel Dantas, o jovem e bem sucedido banqueiro, herói da privatização, é a nossa Medusa. Quem foi seu Poseidon? Quem o convenceu a profanar o templo de Atenas? Poseidon talvez tenha sido FHC? O templo de Atenas seria a sagrada nação brasileira?

O poder de nossa Medusa assustava a todos. Jornalistas, promotores, juízes, que ousavam investigá-la, convertiam-se em párias da sociedade, com a ajuda prestimosa da revista Veja & Cia. Ninguém podia falar nada. Ninguém podia sequer olhar para Dantas.

Sua prisão pode significar o corte da cabeça da Medusa. Nosso Perseus: a Polícia Federal.

Está sendo divertido assistir ao alvoroço da mídia em tentar minimizar a ganho político que o governo pode auferir com a prisão de Dantas, através da insistência em conectá-la somente ao caso do mensalão, do qual o empresária teria sido o principal patrocinador. É divertido por várias razões:

1) As investigações que levaram à prisão de Dantas iniciaram antes da existência do mensalão. Os jornalistas mais sérios do país, entre eles Bob Fernandes, do portal Terra, estão irritados com mais essa tentativa de manipulação da realidade, até porque os valores movimentados ilegalmente por Dantas são infinitivamente superiores aos caraminguás que os barnabés do mensalão sacavam na caixa do Banco Rural, no Shopping Brasília. Entretanto, Dantas envolveu-se, de fato, com o mensalão, e aí saltamos para a segunda razão.

2) Dantas foi um dos principais patrocinadores do mensalão. Mesmo que sua prisão, portanto, se relacionasse exclusivamente ao suposto pagamento de propina a parlamentares, o que não é o caso, mesmo que assim o fosse, ela ajuda a responder a muitas perguntas. Não deixa de ser irônico que os mesmos que vociferaram furiosamente contra o escândalo do mensalão, não se rejubilem que o quebra-cabeças esteja sendo reconstituído. Até parece que não lhes interessa saber a verdade e sim manter acesa a fúria santa contra os abomináveis petistas.

De resto, a prisão de Dantas é apenas mais um episódio (talvez o clímax) de uma série de ações contra o crime de colarinho branco. Mais alguns anos de combate à corrupção e teremos feito uma verdadeira limpeza ética no país. Daniel Dantas era um dos mais poderosos chantagistas do Brasil e, aparentemente, havia coptado, através de suborno ou ameaça, até áreas do governo federal.

O que nos deixa perplexos e apreensivos é ver o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, vir a público e, em vez de parabenizar o trabalho da PF, criticá-la levianamente como "espetáculo". É como se o Supremo americano, ao assistir na TV a prisão de Al Capone, desacreditasse-a como "espetacular".

Ora, é claro que foi um espetáculo. A PF agiu sob ordens da Justiça. O espetáculo fica por conta da mídia, que vive de espetáculo. O juiz confunde as coisas: é pertinente criticar a sociedade do espetáculo, mas no âmbito acadêmico. Não é saudável criticar uma instituição valiosa, e bem no momento em que realiza uma operação importante. É claro que a PF tem seus erros, tem seus quadros duvidosos, é claro que ela, como qualquer instituição - incluindo o Judiciário - precisa ser aperfeiçoada, mas há que se medir o momento das críticas. As proferidas por Mendes atingem o próprio cerne moral da PF e isso não é legal: é autoritário, é golpista.

Eliane Cantanhede disse o seguinte outro dia: "muito se fala em esquerdização da América Latina, mas quem tá bombando mesmo é o Alvaro Uribe". Pois é, temos mais de vinte países latino-americanos com presidentes de esquerda, alguns muito mais populosos e ricos que a Colômbia, como Argentina e Brasil, mas, para a colunista da Folha, Uribe vale mais que todos. Repete-se a todo momento que ele tem 80% de boa avaliação. Cantanhede insinua que pode chegar a 90%. É patético. Não se dá nenhuma informação sobre a fonte desses dados. Qual o instituto? Quantas pessoas entrevistou? Qual foi a metodologia? A colunista, que foi enviada à Colômbia, também poderia nos fornecer mais dados sobre a situação econômica e social do país para que pudéssemos, com base em informações confiáveis, saber se Uribe, a despeito de ser um direitista aliado aos EUA, faz um bom governo ou não.

Outro fato que me deixou chateado foi o abafamento do programa de fomento à agricultura empresarial e familiar, lançado semana passada pelo governo. Serão alocados, ainda este ano, mais de R$ 78 bilhões, com foco no aumento da produtividade, melhora da infra-estrutura e apoio aos pequenos produtores. O financiamento governamental à agricultura familiar cresceu de menos de R$ 2 bilhões por ano para mais de R$ 11 bilhões este ano, com expectativa de ultrapassar R$ 25 bilhões por ano até 2010.

Esse programa é a resposta mais inteliente e concreta ao problema da inflação, que vem sendo causada sobretudo pela alta no preço dos alimentos.

Muitos analistas precipitados acreditam que a inflação irá corroer popularidade de Lula, omitindo que a alta no preço dos produtos agrícolas tem seu lado positivo: beneficia dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores rurais, assim como suas cidades. O alarmismo em torno da inflação de alguns alimentos também omite que o pobre, diante do aumento excessivo do preço de um produto, pode sempre substituí-lo por outro de preço mais competitivo. Em vez de comprar feijão, compra lentilha. Em vez de comprar carne vermelha, compra frango. Em vez de comprar frango, vira vegetariano temporariamente. Impulsionada pelo bom momento para os preços dos produtos agropecuários, a produção brasileira vem crescendo vigorosamente nos últimos anos, e deverá bater recordes sucessivos nos próximos dez anos.

A estabilidade do plano Real, tão importante para o país, por exemplo, deu-se às custas do produtor rural. Lembro que se falava na "âncora verde". A inflação foi debelada juntamente com a renda do produtor, sobretudo o pequeno, responsável por mais de dois terços da produção nacional de gêneros alimentícios, que não recebia recursos governamentais. A agricultura empresarial foi igualmente prejudicada, por uma política cambial rígida, intervencionista, artificial, que mantinha o Real paritário ao dólar.

Os jornalões mandam repórteres ao Japão, para cobrir o G8, aos EUA, para cobrir a campanha presidencial americana, à Colômbia, para saber sobre as Farc, mas não mandam ninguém para as áreas rurais, apurar as condições de vida dos produtores rurais, responsáveis por grande parte do Produto Interno Bruto e, neste momento, protagonistas dessa suposta "espiral" inflacionária. Se fossem ao campo, poderiam apurar informações mais precisas sobre a realidade do campo e, inclusive, ajudar as autoridades a encontrarem políticas mais justas para combater a alta dos preços.”

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