Agora à noite, o blog do Azenha (“Vi o mundo”) postou o artigo a seguir exposto. Foi publicado, em texto de Mac Margolis, pela revista norte-americana Newsweek distribuída nas bancas em 28 último:
A AUTOCONFIANÇA NACIONAL BRUTA DO BRASIL
“Há muitas formas de medir as fortunas de uma sociedade, da renda per capita à felicidade nacional bruta. Em São Paulo talvez a melhor coisa a checar é o céu. Alto sobre esta hipercidade do Brasil, onde torres de escritório perfuram a poluição, helicópteros voam. Transportando fazedores de chuva corporativos sobre ruas congestionadas, eles pousam no topo de prédios e decolam, como se polinizassem uma selva de pedra.
O Brasil tem hoje 1.100 helicópteros privados (metade deles em São Paulo), a terceira maior frota do mundo e crescendo a 15% ao ano. Para os que ficam embaixo, condenados a batalhar numa das piores horas do rush do planeta (num dia ruim, o congestionamento pode chegar a 160 quilômetros ou mais), a visão não é nada inspiradora. Mas assim como o céu congestionado, as ruas cheias são emblemas de um novo momento em uma nação que se levantou de sua posição de crônico sub-desempenho para mercado emergente.
Isso pegou muita gente de surpresa. Por meio século o Brasil tem flertado com a grandeza, mirando as nuvens mas se queimando em seguida. O país já ganhou pelo charme uma legião de crentes, mas a convicção deles se desfez. Fugindo da Europa antes da Segunda Guerra Mundial, o escritor austríaco Stefan Zweig declarou seu país adotivo "a terra do futuro" mas depois perdeu a esperança no mundo e tomou uma dose letal de vironal em 1942 - e bem no meio do carnaval. O futuro teria que esperar. Charles DeGaulle, do alto de seu nariz espaçoso, desprezou a maior parte do mundo, mas os brasileiros levaram a sério a esnobada de que "o Brasil não é um país sério".
É uma espécie de justiça poética que os brasileiros hoje desprezem boa parte do mundo. No quarto de século em que mantenho meus olhos neste país, é a primeira vez que me lembro em que a conversa de "crise" sombria não se refere a algum debate doméstico mas a uma confusão além das fronteiras nacionais. "Ei, Bush, esperamos 20 anos para crescer", gozou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num discurso de improviso outro dia, se referindo à contaminação global causada pela crise de hipotecas nos Estados Unidos. "Vê se ajeita a casa".
Com exceção dos estádios de futebol e passarelas, essa auto-confiança é nova para este país de sub-desempenho crônico. Quando primeiro cheguei ao Rio, no início dos anos 80, com a inflação de três dígitos, a verdinha era todo-poderosa. Convertidos em maços de cruzeiros verdes e rosas ou cruzados ou cruzeiros novos (escolha a sua moeda perecível), cem dólares poderiam garantir uma semana na cidade. De vez em quando autoridades em Brasília tentavam fazer alguma coisa a respeito, cortando três zeros da moeda e congelando os preços, trazendo assim um átimo de estabilidade. Não era tão ruim quanto na Bolívia, onde uma vez eu vi gente pesando o dinheiro em vez de contando, no distrito de Chapare, mas ainda assim deixava o maior país do continente desfuncional.
Eu guardo uma caixa em uma gaveta cheia de lembretes daqueles dias. Perdido no meio de meia dúzia de versões de notas bancárias antigas e um quilo de moedas que já não valem, há um pequeno pedaço de papel com o número 2147. Foi o número da fila de espera que tirei para esperar na ponte aérea São Paulo-Rio de Janeiro, que graças ao congelamento de preços do Plano Cruzado, de 1986, custava 38 dólares, cerca de metade do preço da passagem de ônibus. Quando os preços são mantidos assim os bens tendem a desaparecer e no Plano Cruzado não foi diferente; os aeroportos do Brasil se tornaram pousadas para passageiros que esperavam horas por um assento.
Não é fácil marcar exatamente o ponto de virada de uma nação, mas 1994 tem de ser um marco do Brasil moderno. Foi aquele o ano do Plano Real, um plano de estabilização radical com a nome da moeda lançada da mesma época, daquela vez acompanhada por disciplina fiscal, não congelamento de preços ou outra medida hocus pocus de planos "heterodoxos" anteriores. Os brasileiros estavam céticos e quem poderia culpá-los, depois de um quarto de século de reformas de band-aid e dinheiro do jogo Monopólio?
Hoje, com investidores estrangeiros se atropelando para colocar dinheiro no Brasil, o real superou as 16 moedas mais importantes do mundo, do Euro ao Yen, ganhando 13% em relação ao dólar só este ano e cerca de 60% desde 2004. Que seja de meu conhecimento a supermodelo Gisele Bündchen nunca rejeitou trabalho pago em dólares americanos, mas quando o rumor de que ela havia rejeitado se tornou um vírus no Brasil eu sabia que as coisas tinham mudado nesta parte do hemisfério. Agora são brasileiros viajando que trocam o real em maços de verdinhas e aproveitam a vida em Paris ou na Disney World.
Você não tem que ir longe para vê-los. O boom que viu o Brasil disparar também aprofundou os bolsos. O país agora tem 20 bilionários na lista da Forbes (eram apenas quatro em 2003) e 140 milionários, um aumento de 19% ano a ano, contra 6% do resto do mundo. Atendimento bancário exclusivo e gerentes de bens pessoais agora decoram os céus com seus logos e pistas de helicóptero.
A bonança não é apenas para os que usam os helicópteros. O aumento de salários (que tem sido de 16% por ano), a enchente de crédito ao consumidor (crescimento anual de 30%) e muitos novos empregos (1 milhão este ano, 7,3 milhões desde 2004), levantaram um número incontável para a classe consumidora. Muito se fala de como a economia da China tirou dezenas de milhões da pobreza. De fato, a Dragonomics aumentou a diferença de renda, enquanto o Brasil conseguiu reduzir a desigualdade enquanto cresce. Os 10% mais pobres do Brasil viram sua renda real aumentar 57% entre 2002 e 2006, contra 9% para os 10% mais ricos, diz o economista e especialista em pobreza Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.
E enquanto a classe média no mundo desenvolvido reclama que está em queda, a do Brasil continua a ascender. Cerca de 20 milhões de brasileiros subiram para a classe média na última década e agora colocam 800 carros novos por dia nas ruas de São Paulo. Soa exagerado? Cheque a hora do rush.”
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