O blog do Sergio Telles (ver nossa lista “recomendamos”) publicou neste sábado um texto de sua autoria como graduando em economia. Ele faz um interessante resumo das últimas décadas da história da economia brasileira. O título do artigo é o mesmo já exposto acima. Reproduzo-o a seguir:
“Pela primeira vez na nossa história, grandes mudanças de postura em termos de evolução de credibilidade partem de dentro do nosso governo, e não de exigências externas necessárias para a gente poder receber empréstimos salvadores do FMI.
O Brasil rompeu com o FMI no governo JK, no fim dos anos 50. Esse governo, bem como os seguintes da fase democrática, eram um tanto irresponsáveis com a inflação e com os gastos públicos, o que acabou inclusive comprometendo o desenvolvimento econômico durante o governo Jango, o que foi uma das principais pressões e desculpas para o golpe de 64.
Porém, apesar das tantas reformas que o governo militar fez e que de fato deram musculatura para a expansão econômica que o país viveria nos 15 anos seguintes ao golpe, tinha como característica típica de ditaduras a ausência de transparência, a confusão e sobreposição de atribuições, a ausência de dados confiáveis, a corrupção fora de controle, enfim, foi um período de desenvolvimento bancado pelo governo que levou a uma falência no início dos anos 80 e à necessidade do socorro ao FMI após a moratória em 1982, provocada pela explosão da dívida externa que sustentara o desenvolvimento da década anterior.
Nessa época, o FMI exigiu exatamente isso, que o primeiro passo para ele poder socorrer o Brasil era um mínimo de transparência e organização nos dados sobre os gastos governamentais e a reordenação de atribuições dentro do governo brasileiro, o que desse alguma transparência e confiabilidade nos gastos públicos. Esse passo era importante porque o FMI queria que o gasto público brasileiro tivesse um limite, e era impossível que essas metas fossem respeitadas do jeito que os dados eram apresentados. Após alguns anos, essa reordenação foi implantada à força.
Outra exigência era um esforço para melhoria das contas externas, para que as exportações sustentassem o pagamento da dívida, o que foi conquistado especialmente pela restrição absurda de importações, que praticamente se restringiam a petróleo e trigo (carros e artigos de informática eram proibidos, por exemplo). Isso provocou um atraso tecnológico na nossa indústria durante os anos 80, que certamente foi fatal para a sobrevivência de vários setores na década seguinte, quando se viveu a abertura comercial repentina.
Na seqüência, durante o governo Sarney, o FMI tentou impor limites aos gastos públicos, sem sucesso. Isso enterrou todos os planos econômicos e colaboraram para a situação de escalada inflacionária, que iria durar até 1994. O primeiro deles, o Cruzado, foi enterrado por uma extrapolação dos gastos bancada por um ano eleitoral numa recente "democracia", era muito importante ao PMDB ganhar aquelas eleições Brasil afora, certamente colaborou para o tamanho e a importância atual do partido.
A lógica inflacionária permitia orçamentos descontrolados, pois a deterioração dos valores nominais orçados ao longo do ano, promovidos pelo atraso dos repasses, eram um facilitador para o governo central.
E então surgiria o Plano Real, que já era baseado em experiências bem-sucedidas em países com problemas semelhantes de hiperinflação, como a Argentina, e também bastante previamente implantado, pois houve uma preocupação à época de se aumentar substancialmente as reservas internacionais (divisas), o que seria fundamental para sustentar um plano baseado no que nós economistas chamamos de "âncora cambial", ou seja, um câmbio rígido atrelado a uma moeda forte que acaba forçando uma estabilidade nos preços internos.
Porém apesar da "cartilha" e do bom-senso sempre relatarem a importância do controle público de gastos, o primeiro governo de FHC piorou significativamente nossas contas públicas, o que acabou acelerando o processo de endividamento interno e externo e um novo e gigante socorro ao FMI, fora o já tão falado "golpe do dólar" que marcou o fim do Plano Real e de sua âncora cambial, no início do segundo governo FHC (a âncora foi sustentada artificialmente até garantir a sua reeleição comprada no Congresso). Enfim, sujeira para todo lado, e o plano só deu certo no controle inflacionário com base da falência das nossas empresas, por conta da abertura econômica descontrolada para propiciar produtos com preços estáveis e segurar as pressões internas, estagnação econômica e piora da qualidade de vida da população.
Só que aí nessa época o FMI exigiu que fosse implantada a segunda mudança de postura, que foi refletida na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na imposição de superávits primários para poder começar a controlar a dívida interna galopante, que ainda assim continuou crescendo, pois o governo FHC não fez a segunda parte do dever de casa, que era estabilizar as contas externas profundamente deficitárias em todos os anos de seu governo, que faziam aumentar os juros pagos por endividamento externo e explodindo nossa dívida externa, fora que agora com o câmbio livre, o dólar saltava do "1 para 1" em direção ao 3 para 1 e quase 4 para 1. Ainda tinham os "geniais" títulos cambiais internos, que garantiram a fortuna de muita gente e a explosão ao infinito de nossa dívida interna. O Brasil chega a 2002 quebrado novamente, graças à soma de tanta incompetência tucana. O FMI exigiu que o governo seguinte garantisse que iria tomar as medidas que os tucanos não tiveram competência de praticar.
E, em 2003, a austeridade e a reversão de contas externas garantiram a mudança de cenário, que já era clara no último trimestre daquele ano. A história recente todos sabemos, o governo quitou suas dívidas com o FMI, praticou superávits primários que, juntos com a queda dos juros, promoveram a queda da relação dívida interna/PIB e até a proximidade de uma inimaginável eliminação do déficit nominal, acumulou um enorme volume de reservas internacionais, garantiu 5 anos de superávits nas contas externas que agora garantem calmaria num ano de déficits nessas contas, entre outras medidas, todas tomadas por conta própria, sem intervenção externa.
E qual foi a mudança de postura? Olhar o lado fiscal também pelo controle de quem paga, e não apenas do controle de gasto interno. Isso estranhamente o FMI nunca impôs ao país, já que quem sonega são os grandes pagadores, sempre, as grandes empresas, muitas delas de capital internacional.
Apesar de nenhuma elevação ou criação de impostos, e pelo contrário, várias reduções e isenções de incentivo em diversos setores, a explosão da arrecadação está na austeridade do sistema de arrecadação e fazer quem nunca pagou imposto de pagá-los. Na guerra da CPMF, a qual esses grandes pagadores respondem por cerca de 80% da arrecadação, ficou mais exposto que estão se sentindo incomodados por uma receita federal unificada e organizada, por uma polícia federal que corre atrás dos grandes escândalos de corrupção em todas as esferas, enfim, mostrar que a grande sujeira da nossa República, ao contrário do que os neoliberais tanto falam, não está dentro do setor público, mas sim na suja influência do setor privado dentro deste setor público.
E sem atropelo, essa semana tivemos vários exemplos que isso está cada vez mais firme. Mesmo com a infeliz e enojante participação negativa do STF, há uma demonstração que poderosos não podem mais circular impunes. As coisas que foram levantadas as pessoas melhor informadas já possuíam ciência, já eram noticiadas por blogs independentes faz tempo.
A diferença é que a postura de instituições fortes que se está implantando, prestigia quem tem um comportamento correto. O Brasil se reafirma e nem por conta dessa mudança de postura estaria 'afastando' oportunidades, pelo contrário, elas estão aí cada vez mais firmes. Privilegiar quem é correto dentro do sistema capitalista é fundamental para garantir uma concorrência justa e cada vez mais a adoção de práticas dentro da lei, pois o "jeitinho" que uma ou outra empresa dentro de determinado setor usa para levar vantagem sobre as demais, incentiva que as outras também busquem formas de burlar a lei. Com austeridade, todas irão competir dentro das regras e priorizarão pesquisa, diferenciação de produtos, o que a gente já vem observando na prática em diversos setores, que isso já é realidade.
Enfim, a grande resposta dessa postura republicana que implantamos de maneira tão rápida e vistosa, é que vamos ter um salto qualitativo na confiança que o governo tem junto aos cidadãos, e claro, acaba resultando numa melhor sensação de retorno que já é claramente perceptível. Queremos um país de cultura e práticas corretas, com transparência que aliás é uma característica de maior parte da nossa população tão falante e tão aberta a novas amizades, então porque não nossas instituições não adotarem a mesma prática e nos tornarmos o lugar mais democrático do mundo? Já acredito que não estamos longe disso, alguns países europeus nos superam, mas considerando a velocidade da nossa evolução, estar caminhando dessa maneira é realmente muito bom e um dos vários passos que nos fazem ter certeza que seremos desenvolvidos em coisa de duas décadas no máximo.
E para quem faz o bem, não há o que temer. Essa postura protege o bom cidadão, o correto, e, finalmente, ataca os espertos. Os tão protegidos das máfias parecem ser convidados ao exílio, tal como o banqueiro Cacciola encontra-se, apesar de tanto esforço de trazê-lo de volta para buscar quem estava junto com ele naquele momento triste da nossa história.
Para quem pratica o correto, há espaço para uma justa remuneração. Essa é a lógica, estimular as boas práticas e o enriquecimento por mérito, e não por espertezas. Esse ponto é fundamental para olharem a gente no mundo duma forma diferente. E já estão reconhecendo isso.”
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