"Confesso que fiquei orgulhoso, até emocionado, com o desempenho do país na reunião dos Brics em Londres"
"LEITOR, LEITORA , hoje não sei realmente por onde começar.
Normalmente, gosto de separar material, estatísticas, estruturar o artigo etc. Hoje, não dá tempo para nada disso. O horário-limite da Folha se aproxima -é sentar na frente do computador e escrever. Isso a título de desculpa. Bem.
Retomo o assunto da semana passada. Como previ no artigo da última quinta, para nós o aspecto mais importante das reuniões do G20 em Londres acabou sendo mesmo o encontro dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) na sexta-feira. A reunião de sábado, dos ministros de Finanças e de presidentes de BCs do G20, terminou em 0 a 0.
Dentro da rotação estabelecida entre os quatro países, cabia ao Brasil presidir a reunião dos Brics. Posso ser franco? O Brasil brilhou.
Tudo funcionou dentro do planejado. Desde a preparação do comunicado, passando pela cuidadosa negociação do texto entre as quatro delegações, por toda a logística e infraestrutura do encontro a cargo da nossa embaixada em Londres, até a condução das discussões pelo ministro da Fazenda do Brasil, terminando na coletiva de imprensa da qual participaram os quatro ministros -tudo saiu muito bem.
Como foi noticiado, o secretário do Tesouro dos EUA pediu para comparecer à parte final da reunião -um reconhecimento da importância crescente que vêm adquirindo os Brics. O diálogo com o representante americano foi conduzido com grande habilidade pelos quatro países, em especial pelo Brasil, que comandava o encontro.
O leitor sabe que o brasileiro, apesar de tudo, é um pobre e humilde ser. O complexo de vira-lata -não adianta negar- está sempre à nossa espreita. Assim sendo, confesso lisamente: fiquei orgulhoso.
Posso confessar que fiquei até emocionado? Pois fiquei. Pode ter sido -quem sabe?- apenas um efeito do esgotamento decorrente do excesso de trabalho e viagens.
Em todo caso, saí da reunião dos Brics com a esperança de que se consiga fazer progresso na reunião dos líderes do G20 em Pittsburgh, nos próximos dias 24 e 25 -em especial no que diz respeito à reforma do FMI que é, como expliquei no artigo da semana passada, uma das prioridades (talvez a prioridade) do Brasil para Pittsburgh.
Paro e releio o que escrevi. Não quero cortar nada, mas devo fazer algumas ressalvas. Primeiro, vale lembrar a advertência de Chamfort, filósofo francês do século 18: "A esperança não passa de um charlatão que não para de nos enganar; para mim, a felicidade só teve início quando a abandonei". E acrescentou: "De bom grado, colocaria na porta do Paraíso as palavras que Dante colocou na do Inferno: "Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate" (abandonai toda esperança, vós que entrais)". Temos uma árdua escalada pela frente. A resistência da Europa será um obstáculo difícil de transpor. A coordenação com Rússia, Índia, China e outros países em desenvolvimento é uma batalha quase diária. Com os EUA e outros países desenvolvidos temos interesses comuns em matéria de G20 e FMI, mas será preciso usar todos os nossos recursos de persuasão e argumentação.
Quem quiser ter uma ideia mais precisa dos objetivos que buscaremos em Pittsburgh pode consultar o comunicado dos Brics, cuja íntegra está em www.fazenda.gov.br. Demorei a encontrar um título para o artigo. Espero que a escolha não pareça ufanista. De todo modo, o que importa mesmo é saber se conseguiremos sustentar a performance nas próximas semanas."
FONTE: artigo de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Publicado na Folha de São Paulo em 10/09/2009.
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