segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Ministro da Justiça de Dilma: “A CORRUPÇÃO É ESTRUTURAL NO ESTADO BRASILEIRO”


Entrevista concedida ao jornal tucano "Folha de São Paulo":

FUTURO TITULAR DA JUSTIÇA PROMETE COMBATER PROBLEMA, MAS DIZ QUE, QUANTO MAIS A PF AGE, CRESCE A SENSAÇÃO DE QUE A PRÁTICA SE AGRAVA

O futuro titular da pasta da Justiça no governo Dilma, o petista José Eduardo Cardozo

Futuro ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo, 51, afirma que a corrupção é "estrutural" no Estado brasileiro e que seu combate será prioridade.

Em sua opinião, há uma visão "ilusória" de que há hoje mais corrupção do que no passado. Repetindo o que o próprio presidente Lula costuma dizer, diz que o problema ficou "mais visível" com a atuação da Polícia Federal.

Em entrevista à Folha na última quinta-feira, Cardozo defendeu a reforma política -algo que seus antecessores tentaram, sem sucesso. Segundo ele, é preciso mudar o financiamento de campanhas porque não se pode descartar que, "num sistema como esse, o crime organizado financie a eleição".

--Folha - O governo Dilma fará a reforma política?

José Eduardo Cardozo - Ela é imprescindível para o país e é a tendência da presidente eleita, Dilma Rousseff. Tenho uma série de convicções a respeito, mas, como ministro da Justiça, vou construir o que for possível. Estou absolutamente convencido de que o governo sozinho, sem diálogo com o Congresso e a sociedade, jamais fará uma reforma política. É tarefa inadiável.

Defendo com vigor o financiamento público.

--Por quê?

Por várias razões. Nosso sistema não guarda nenhuma isonomia de quem disputa. O resultado de uma eleição é determinado pelo potencial financeiro. Na majoritária não diria que é tanto assim, mas na eleição proporcional isso é de uma evidência total. Quem tem grandes recursos financeiros tem mais condições de se eleger. É uma eleição que se faz sem um debate político aprofundado, programático.

--O parlamentar fica preso a seus financiadores?

Não posso generalizar. Mas posso dizer que situação desse tipo agrava relações que não são boas para o processo democrático. Você tem no Brasil financiadores eleitorais que são corretos, sérios e éticos, e parlamentares que também o são. Mas tem também pessoas que se aproveitam de situações das mais perigosas e acabam complicando o sistema. Não se pode afastar a hipótese de que, num sistema como esse, o crime organizado financie a eleição.

--Sem um papel ativo do governo nada anda no Congresso. Como fazer?

Sem participação do governo federal e sem interação com a sociedade, que desperte energia para alavancar esse processo, é muito difícil. Terei uma posição privilegiada, submetido a uma presidente eleita que tem uma excelente visão sobre o tema.

Vamos fazer algo dialogado, em que se busque mais convergência do que divergência. Se conseguirmos fazê-la, talvez ela não saia exatamente como eu desejaria, mas pelo menos faremos aquilo que for possível.

--É o melhor momento?

O primeiro ano de governo é quando você dá passos para fazer reformas estruturantes. A reforma política é uma delas. A tributária é outra.

--A Polícia Federal é responsável por investigar corrupção. Qual será sua orientação?

Quanto mais se combate a corrupção, que é estrutural no Estado brasileiro, mais ela aparece. O combate à corrupção passa pela punição subjetiva dos envolvidos, mas também pelo ataque das causas estruturantes. O nosso sistema político gera, inexoravelmente, corrupção.

Se não tivéssemos tido no governo Lula uma Polícia Federal que tivesse atuado de forma republicana, talvez tivéssemos a ilusão de que a corrupção é menor.

Isso deu uma dimensão de que hoje existe mais corrupção. Não é verdade.

--Como avalia o mensalão?

Diria que houve toda uma investigação, há processo em curso na Justiça e acho que ela decidirá a respeito. Tenho afirmado que, ao menos na fase de investigação no Congresso. vi casos que considerei decisões injustas.

E cito um caso com grande tranquilidade, porque a pessoa não é da minha corrente política, que é o do José Dirceu. Eu analisei o caso, e ele foi condenado pela Câmara sem prova, foi condenação política. Afirmei na época, afirmo hoje e voltarei a afirmar depois. E não falo como petista, mas como advogado e professor de direito.”

FONTE: reportagem de Valdo Cruz e Ana Flor publicada na "Folha de São Paulo" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1912201014.htm).

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