sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O OVO OU A GALINHA


“Há algum tempo, quando escrevi sobre o Brasil (creio que a coluna era intitulada “Da emergência à decadência”), um leitor enviou um comentário dizendo que eu havia me mudado para o exterior e nada entendia sobre o nosso país.

É verdade que me mudei, mas vou ao Brasil com frequência. Entretanto, mesmo que não fosse, algumas vezes é necessário você estar longe, para ter certo distanciamento crítico, ganhar nova perspectiva. E minha humilde opinião é que estamos passando por processo de terrorismo, mesmo que os jornais relutem em assim chamá-lo. Mas, como opinou Shakespeare, “what’s in a name? a rose by any other name would smell as sweet…”. O que se passa no Rio cheira a terrorismo porque é terrorismo, dêem-lhe o nome que quiserem.

É o terrorismo do narcotráfico, o de consumo de drogas que tomou conta de nossa sociedade. Só podemos combatê-lo se nos conscientizarmos que a família brasileira está doente. O problema não se restringe às favelas, pois também abrange (e muito provavelmente começa) nas classes economicamente mais favorecidas, consumidoras em larga escala de drogas.

É indispensável reconhecer que é um problema gigantesco, exatamente porque a sociedade brasileira vive há muitas décadas uma dissolução moral, um clima de (para lembrar outro autor saxão, o compositor Cole Porter) “anything goes”. Tudo é aceito, tudo é normal e só fez piorar desde os meus tempos de garoto, quando o jogo de bicho, uma contravenção, estava já totalmente enraizado no dia-a-dia do carioca e, acredito, de qualquer outra grande cidade brasileira. Bocas de fumo e traficantes que vendiam o “cheirinho da Loló” nas praias da Zona Sul eram populares.

O que veio primeiro? A procura pela “gente bem” ou a oferta pelos marginais que procuravam “fazer algum”? (Ressalve-se que a grande maioria dos moradores de favelas é gente ordeira e trabalhadora, apesar dos baixos salários.)

Não é de surpreender que dois dos contraventores mais famosos, Emil Pinheiro e Castor de Andrade, eram presidentes de clubes de futebol, e outro, chamado Natal, presidente da escola de samba Portela. Vejam bem: samba e futebol constituem a essência mesmo da brasilidade e essas três pérolas criminosas eram festejadas, saudadas, gozavam da amizade de figurões importantes. Castor, por exemplo, era íntimo do senhor João Havelange, brasileiro que exercia a presidência da FIFA, a Federação Internacional de Futebol. Hoje a família de Castor de Andrade vive em guerra contra outros facínoras do Rio, com bombas que explodem em automóveis e assassinatos levados a cabo na via pública por motoqueiros “ninja” armados de metralhadoras.

Há uma máfia no Brasil, um crime organizado, que vai além da maconha e da cocaína. Os escândalos se sucedem, abrangendo os mais diversos tipos de atividade e quase sempre ficam impunes. Qualquer cidadão comum que precisa de qualquer ação do Judiciário sabe que este é inoperante.

Não sei como o problema vai se resolver. Aparecem logo ideólogos a culpar a injustiça social. Ela existe, é claro, mas um dos grandes ídolos dos que assim pensam, o governador Leonel Brizola, conspurcou sua biografia ao selar acordos de convivência e, por abandono, entregar as favelas aos traficantes. Não foi um exemplo isolado. Alguns anos mais tarde, as autoridades paulistanas fariam também seu “arreglo” com os criminosos do Primeiro Comando da Capital.

Acho que devemos estar preocupados com a desmoralização internacional do Rio, agora que se aproximam a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Mas, mesmo que, a ferro e fogo, com Exército, Marinha, Aeronáutica e Fuzileiros Navais, consigamos um mínimo de segurança nas ruas para a realização de tais eventos, o problema voltará depois e retornará sempre enquanto o clima do hedonismo, do “deixa andar”, do “vale-tudo”, do “leve vantagem você também”, da dissolução moral de nossa sociedade, continuar.”

FONTE: escrito por José Inácio Werneck, de Bristol (UK). É jornalista e escritor com passagem em órgãos de comunicação no Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. Publicou "Com Esperança no Coração: Os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos", estudo sociológico, e "Sabor de Mar", novela. É intérprete judicial do Estado de Connecticut. Publicado no site “Direto da Redação”  (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-ovo-ou-a-galinha).

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