sexta-feira, 1 de julho de 2011

HÁ 50 ANOS: “O GOLPE FRACASSADO DE JÂNIO”

Há 50 anos, Jânio Quadros fracassava na tentativa de acuar o Congresso Nacional e voltar a Brasília nos “braços do povo”. Foto: Domicio Pinheiro/AE

Da revista “Carta Capital”:

O GOLPE QUE NÃO FOI

Por Luiz Alberto Moniz Bandeira

“A constituição do Brasil, promulgada em 1946, continha todos os elementos da crise política que eclodiu em 25 de agosto de 1961: a contradição entre o Legislativo democrático e o Executivo autocrático, inerente à república presidencialista, cuja proclamação (1889), com um golpe militar, o povo assistiu “bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava”, conforme reconheceu Aristides Lobo (1838-1896), ministro do Interior do governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891).

Durante toda a campanha eleitoral, Jânio Quadros declarou a diversas pessoas que processaria o Congresso perante o povo, culpando-o pela situação do País, caso não lhe desse as leis e os instrumentos necessários para governar.

E, depois de eleito, a fim de obter o apoio de Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul (1959-1963), argumentou que, “com aquele Congresso”, dominado pelos conservadores, não poderia avançar para a esquerda e tomar iniciativas, como a limitação das remessas de lucros para o exterior, a lei antitruste e a reforma agrária. Precisava, portanto, de poderes extraordinários.

Brizola, embora do PTB, deixou-se seduzir e comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek a pretensão de Jânio Quadros e sua disposição de apoiá-la. A conversa com Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara (1961-1965), era diferente, porém, a conclusão era a mesma: “Com aquele Congresso”, não poderia governar, sem fazer “concessões às esquerdas e apelar para elas”.

Quadros pretendia romper os limites constitucionais mediante um golpe de Estado, não um golpe convencional, dependente das Forças Armadas, e sim um golpe aceito pelo consenso nacional, que lhe possibilitasse governar acima das classes sociais e dos partidos políticos. E, enquanto favorecia os interesses do grande capital, adulava a esquerda com a chamada política externa independente, necessária desde os anos 1950, quando a complementaridade econômica entre o Brasil, que se industrializava, e os EUA começou a desaparecer.

Jânio na posse, disposto a prescindir dos militares, mas em busca do apoio de Carlos Lacerda

Quadros, no entanto, manipulou, teatralmente, a política externa, para entorpecer a esquerda e, ao mesmo tempo, barganhar com os EUA. Ao embaixador Adolf Berle Jr.[EUA], que veio ao Brasil em fevereiro de 1961, pedir apoio para a invasão de Cuba e oferecer um crédito de 100 milhões de dólares, argumentou que o montante era insuficiente e que não poderia empreender qualquer iniciativa audaciosa no exterior enquanto não controlasse melhor a crise econômica e social, pois não dispunha de maioria no Congresso.

O mesmo disse a Douglas Dillon, secretário do Tesouro dos EUA. Alegou não contar com a maioria no Congresso, razão pela qual somente poderia adotar atitudes mais enérgicas em questões de política externa na medida em que se fortalecesse com o sucesso da política econômica e financeira. Dillon percebeu que Quadros usava o neutralismo a fim de robustecer sua posição contra a esquerda e previu que ele iria obter efeitos inesperados e desagradáveis, ao usar a política externa como ferramenta para resolver problemas domésticos.

Quadros estava a justificar, previamente, o golpe com que pretendia compelir o Congresso a conceder-lhe a soma dos poderes, como condição para seu retorno ao governo. Conforme confirmou seu ministro de Minas e Energia João Agripino, o ministro da Justiça Oscar Pedro Horta articulou, realmente, o movimento para forçar o Congresso a aceitar o princípio da delegação de poderes e conseguiu a concordância de Carlos Lacerda. O plano consistia em renunciar ao governo, comovendo as massas, e compelir as Forças Armadas, sob o comando de ministros conservadores, a admitir sua volta como ditador para não entregar o poder a João Goulart, reeleito vice-presidente do Brasil.

A construção do Muro de Berlim, em 13 de agosto de 1961, precipitou, porém, a crise. Ao aguçar a Guerra Fria, adensou a histeria contra Cuba, cuja soberania e autodeterminação Quadros defendia desde a campanha eleitoral.

Em tais circunstâncias, ele se afigurou para a CIA e o Pentágono como perigo ainda maior se obtivesse poderes extraordinários. Daí que Carlos Lacerda, alinhado com a CIA, traiu e delatou a articulação do golpe, levando Quadros a antecipar a renúncia, em 25 de agosto de 1961. Allen Dulles, diretor da CIA, naquele mesmo dia, enviou ao presidente John Kennedy um memorando, no qual comunicava: “Pensamos que ele (Jânio Quadros) provavelmente renunciou na expectativa de provocar forte manifestação de apoio popular, em função da qual retornaria ao governo em melhor posição contra seus opositores”.

O almirante Sílvio Heck, ministro da Marinha, disse que Quadros “renunciou para voltar na crista da onda com o povo, e tornar-se ditador (…) e que seu erro foi ter renunciado sem antes conversar conosco”. Mas a reação que Quadros esperava não ocorreu. O Congresso acatou-lhe a renúncia, considerado ato de vontade unilateral.

A convulsão de massas, provocada pelo suicídio de Vargas, em 1954, não se reproduziu como Quadros imaginava, ao divulgar um documento em termos similares ao da carta-testamento [de Getúlio], no qual se dizia “vencido pela reação” e acusava “forças terríveis” de se levantarem contra ele.

E os ministros militares Odylio Denys (Exército), Sílvio Heck (Marinha) e Gabriel Grün Moss (Aeronáutica), que impugnavam a posse de Goulart, não contaram com a unanimidade das Forças Armadas.

O governador Leonel Brizola, que havia mobilizado a Brigada Militar e ocupado as estações de rádio em Porto Alegre para apoiar Quadros, passou a defender Goulart e conseguiu que o III Exército com ele se alinhasse na defesa da legalidade.

E a campanha estendeu-se por todo o País. Oficiais e sargentos rebelaram-se e não cumpriram ordens julgadas ilegais. O governador Mauro Borges levantou o Estado de Goiás. Greves irromperam nas principais cidades brasileiras. E a maioria do Congresso não acolheu o pedido dos ministros militares para votar o impedimento de Goulart.

Não foi apenas a reação interna que frustrou o golpe. Conquanto a CIA e o Pentágono, por intermédio da Missão Militar no Brasil, encorajassem o golpe contra a posse de Goulart, os ministros militares receberam informe da embaixada americana avisando-os que o presidente John Kennedy teria de suspender o apoio financeiro ao País, caso houvesse ruptura da legalidade, conforme cláusula da ‘Aliança para o Progresso’. Esse alerta também contribuiu para conter os ministros militares, que, sem a unidade das Forças Armadas, aceitaram uma solução de compromisso, a ascensão de Goulart ao governo com a aprovação do parlamentarismo pelo Congresso.

Sem dúvida, o intuito de Quadros consistiu em criar um impasse político e institucional e voltar à Presidência da República com a soma dos poderes (Executivo e Legislativo), como ditador constitucional. Seu secretário de imprensa, o jornalista Carlos Castelo Branco, ouviu-o dizer a Francisco Castro Neves, ministro do Trabalho: “Não farei nada por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo”. E o próprio Quadros confirmou, na obra História do Povo Brasileiro, escrita em coautoria com Afonso Arinos de Melo Franco, que seu propósito fora constranger o Congresso, diante do impasse, a delegar-lhe as faculdades legislativas, sem prejudicar, aparentemente, “os aspectos fundamentais da mecânica democrática”.

FONTE: publicado na “Carta Capital” e transcrito no portal de Luis Nassif  (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-golpe-fracassado-de-janio#more).

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