terça-feira, 4 de outubro de 2011

Emir Sader: AMÉRICA LATINA, LUZ E SOMBRAS: A CRISE DA DIREITA LATINO-AMERICANA


“A direita latino-americana vive o pior momento da sua história na América Latina. Uma situação correlata à expansão, inédita, de tantos governos progressistas na região e do isolamento dos EUA no continente.

O momento de maior força da direita residiu no auge dos governos neoliberais, porque ali forças de origens distintas adotavam o receituário do FMI e do Banco Mundial, confluindo para um consenso continental inédito em torno das políticas predominantes no campo da direita em escala internacional.

Poder dispor no campo da direita de partidos conservadores, mas também de forças como o PRI e o PAN no México, o PS e a DC no Chile, COPEI e AD na Venezuela, o peronismo na Argentina –para dar alguns exemplos eloquentes– revelava capacidade de hegemonia do seu projeto, que nunca a direita havia disposto anteriormente.

Foi um período relativamente breve, mas significativo. Permitiu a cooptação de partidos até então situados no campo da esquerda –nacionalistas, social democratas– e a apresentação de uma proposta de nível continental –as políticas e as áreas de livre comércio, expressas na NAFTA e na ALCA-, articulando com os EUA e o conjunto do continente. Além disso, rearticulava a America Latina como modelo hegemônico mundial, através da direita, reagrupando forcas de origens distintas no campo político e ideológico.

Bastou esgotar-se o modelo hegemônico na América Latina, para que esse castelo de cartas se desmoronasse e promovesse imensa crise de identidade dos partidos que haviam participado do bloco neoliberal, incluídos os tradicionais da direita e os que tinham se somado àquele modelo desde outras origens.

Passada uma década de existência de governos progressistas em grande número de países do continente –Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Paraguai, Nicarágua, El Salvador, Peru-, a situação da direita -e, de forma correlata, dos EUA na América Latina-, se alterou radicalmente.

As forças que puseram em prática políticas neoliberais pagaram o preço do caráter antissocial dessas políticas e do seu esgotamento precoce. Menen, Fujimori, FHC, Carlos Andrés Perez, Salinas de Gortari saíram da presidência repudiados e derrotados politicamente, se tornaram os símbolos de ex-presidentes antipopulares. (Menem, Fujimori, Carlos Andrés Perez chegaram a ir para a prisão; Salinas de Gortari fugiu do México para escapar desse destino). Seus partidos e forças aliadas pagaram o preço caro dessa aventura: o peronismo teve que ser resgatado pelos Kirchner com política radicalmente oposta a de Menem. AD e COPEI, praticamente, desapareceram como partidos na Venezuela. O PRI mexicano foi derrotado pela primeira vez em 70 anos, e perdeu a presidência; depois de dois mandatos de continuidade com essas políticas, deve suceder o mesmo com o PAN. Fujimori não conseguiu eleger sucessor, nem construir forca política própria. O PSDB foi derrotado nas três eleições presidenciais seguintes aos dois mandatos de FHC.

Frente a governos que colocaram em prática políticas de saída e ruptura com o modelo neoliberal, as forças que tinham encarnado esse modelo ficaram descolocadas. O espectro político foi amplamente ocupado por coalizões em países como a Argentina, o Brasil, o Uruguai, com políticas e alianças de centro-esquerda, não deixando espaço para as forças neoliberais. Essas ficaram diante do dilema de seguir defendendo políticas que haviam fracassado ou tentar alegar que seus governos prepararam as condições para o protagonismo das políticas sociais nos governos que os sucederam, o que, além de tese muito discutível, não impede que os governos que colocam em prática essas políticas populares sejam os que os derrotaram e personificam a democratização social.

Na Venezuela, na Bolívia, no Equador, as transformações radicais que os novos governos levaram à prática conquistaram grande apoio popular, isolando e derrotando as forças que as tinham antecedido no governo.

Como resultado, as forças de direita ou da neodireita foram derrotadas sucessivamente ao longo de toda a década, desde o primeiro triunfo de Hugo Chávez. Os presidentes pós-neoliberais se reelegeram e, no caso da Argentina, do Uruguai e do Brasil, elegeram sucessores, enquanto a oposição, desorientada, ou se divide –como na Argentina, na Venezuela– ou não consegue obter apoios contra os governos.

Ao mesmo tempo, a tese norte-americana da ALCA foi derrotada já no começo da década, quando a presidência do projeto, cabendo aos EUA e ao Brasil, foi combatida por este, apoiado nas grandes mobilizações populares ao longo da década anterior e no sentimento que foi se tornando majoritário, a favor dos processos de integração regional e não dos Tratados de Livre Comércio com os EUA.

Os EUA mantiveram o México e a Colômbia como aliados privilegiados, além de governos centro-americanos. Mais recentemente, perdeu os apoios na Nicarágua e em El Salvador, além do Peru e da mudança gradual de posição da Colômbia. Mesmo a vitória da direita no Chile está neutralizada pela perda acelerada de popularidade de Piñera.

Paralelamente, ocupando os espaços conquistados, constituiram-se a UNASUL, o Conselho Sul-americano de Defesa, o Banco do Sul, consolidando a hegemonia dos projetos de integração regional –e de alianças com o Sul do mundo– e o isolamento dos Tratados de Livre Comércio com os EUA. A crise de 2008 e seu retorno neste ano confirmaram as vantagens dessa políticas e das alianças com a China, ao invés das alianças privilegiadas com a estagnada economia norte-americana.

Diante dessas derrotas e isolamento, a direita busca, ainda, novo perfil. As derrotas que sofreram recentemente no Uruguai, no Brasil, no Peru, em El Salvador, as que devem sofrer na Argentina, na Nicarágua, na Venezuela, prolongam por toda a segunda década do século XXI essa derrota.

Cabe aos governos progressistas valer-se desses reveses para aprofundar os projetos pós-neoliberais, com a consciência de que a direita se travestiu de órgãos da mídia monopolista e que os eixos estruturais da direita –capital financeiro, empresas do agronegócio, empresas da mídia privada, que personificam a ditadura do dinheiro, da terra e da palavra– seguem com muito poder, como alvos estruturais das mudanças que a luta pela superação do neoliberalismo e pela construção de sociedades democráticas, igualitárias, humanistas, requer.”

FONTE: escrito pelo cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=767).

4 comentários:

Probus disse...

COMISSÕES / DEFESA NACIONAL

03/10/2011

Especialistas alertam para ameaças potenciais ao Brasil

Embora não se identifique nenhuma ameaça concreta de curto prazo à integridade do país, o Brasil precisa levar em conta ameaças potenciais ao traçar a sua estratégia de segurança nacional. A recomendação foi feita nesta segunda-feira (3) por especialistas na área de defesa que participaram de mais uma audiência pública promovida pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), dentro do ciclo intitulado Rumos da Política Externa Brasileira (2011-2012).

O general Luiz Eduardo Rocha Paiva, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, defendeu maior integração entre a diplomacia e a defesa nacional. Ele lamentou que as lideranças militares brasileiras tenham sido, como observou, "alijadas do núcleo decisório de Estado". E alertou que as "áreas de fricção" internacionais começam a aproximar-se da costa ocidental da África e do Atlântico Sul.

É necessária uma estratégia, na opinião do general, para proteger os aquíferos do país, seus minerais estratégicos, sua biodiversidade, petróleo e gás. Para ele, o estado de Roraima já pode ser considerado um alvo de ameaça, assim como a região da foz do Amazonas. Ele lembrou ainda a fronteira do Brasil com a Guiana Francesa e com dois países - Suriname e Guiana - muito ligados a potências europeias que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

- As Guianas são uma cabeça de ponte da Otan. Precisamos encarar os conflitos enquanto eles são ainda apenas possíveis e fazer o possível para que não se tornem prováveis, pois aí já seria tarde demais. Defesa não se improvisa - afirmou Paiva durante o painel sobre "O papel das Forças Armadas", ao qual compareceram diplomatas de países como Cuba, Venezuela, Irã e Índia.

O poder de influência da Otan também foi ressaltado por João Quartim de Moraes, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele recordou que a organização não foi dissolvida após o fim da Guerra Fria. Ao contrário, alertou, ela se fortaleceu a mostrou "maior agressividade do que tinha mostrado até então". Em vez do período de paz que se esperava no início da década de 90, disse o professor, teve início uma "sequência quase ininterrupta de agressões abertas e descaradas", como parte do que chamou de "recolonização planetária" pela Otan.

- É perceptível uma ameaça ao Brasil do bloco da Otan? Não. Mas devemos desencorajar expectativas de alguém que queira apoderar-se daquilo que nós temos e os demais não têm. Ou então renunciamos à política externa independente - disse Quartim.

O consultor Joanisval Brito Gonçalves, do Senado Federal, lamentou o desinteresse dos formadores de opinião, no Brasil, a respeito do tema da defesa nacional. A seu ver, falta à sociedade brasileira uma "percepção clara" das ameaças às quais o Brasil estaria submetido.

O presidente da comissão, senador Fernando Collor (PTB-AL), recordou que, na época de seu governo, no início da década de 90, imaginava-se que o século 21 seria marcado apenas por guerras comerciais, o que "infelizmente não tem sido possível", como observou. Ele ressaltou, por outro lado, que não foram os países emergentes, neste início de século, os responsáveis pelos "dissabores" provocados pelas crises econômicas mundiais de 2008 e de 2010.

- Não fomos nós que criamos a crise. Foram os países mais ricos, que sempre souberam de tudo - disse Collor.

http://www.senado.gov.br/noticias/especialistas-alertam-para-ameacas-potenciais-ao-brasil.aspx

Unknown disse...

Probus,
Obrigada. Muito bom texto.
Quanto ao trecho "Embora não se identifique nenhuma ameaça concreta de curto prazo à integridade do país", acrescento: hoje, as ameaças, as "Hipóteses de Guerra", surgem e crescem imprevisível e rapidamente (ex: Líbia, Panamá etc). Se o Brasil esperar que surja alguma ameaça para começar a preparar sua capacidade de defesa, estamos perdidos.
Maria Tereza

Probus disse...

Sim Maria Tereza, mas... Notou que o General ESQUECEU as Ilhas Malvinas??? Ali, a OTAN patrulha o Extremo do CONTINENTE Sul Americano...
Das Malvinas "eles" CONTROLAM o Cabo Horns... Já que de PALANQUERO os IANQUES NÃO tem controle de vigilância do Sul do NOSSO continente...

Notou que ele esqueceu que a GUIANA (ex-inglesa) e SURINAME (ex-holandesa) assinaram o Tratado de Adesão ao UNASUL???
E que a FRANÇA, do PIRATA SARKOZY, tem uma BASE MILITAR na GUIANA (francesa)...

E que só a Colômbia ainda NÃO assinou a Adesão...

Unknown disse...

Probus,
É trama cheia de maldades armada por "espertos". O Brasil ainda não acordou.
Maria Tereza