domingo, 2 de outubro de 2011

FIM DA UTOPIA? O CUSTO INTANGÍVEL DO FRACASSO EUROPEU



Por José Luís Fiori, no blog “Outras Palavras”

“Os sinais de desagregação são cada vez maiores e frequentes, e já não cabe dúvida que o processo de “unificação europeia” entrou num beco sem saída. É quase certo o calote da dívida grega, e é cada vez mais provável a ruptura da zona do euro, que teria efeito em cadeia, de grandes proporções, dentro e fora do Velho Continente.

Ao mesmo tempo, a vitória da França e da Inglaterra na Líbia aumentou a divisão e aprofundou o cisma alemão dentro da OTAN.

Por outro lado, os governos conservadores europeus estão em queda livre, e sua alternativa social-democrata não tem mais nenhuma identidade ideológica. Os intelectuais batem cabeça e a juventude busca novos caminhos um pouco sem rumo. O próprio ideal da unificação europeia tem cada vez menos força, entre as elites, e dentro de sociedades em que se dissemina a violência e a xenofobia. Parece iminente o fracasso europeu.

Em tudo isso, chama a atenção que o avanço da catástrofe anunciada venha sendo acompanhado por consciência cada vez mais nítida e consensual a respeito das causas últimas, econômicas e políticas, da própria impotência europeia. Do lado econômico, todos reconhecem a falta de um Tesouro europeu com capacidade unificada de tributar e emitir dívidas, junto com um BC capaz de atuar como emprestador de última instância, em todos os mercados, garantindo a liquidez dos atuais títulos soberanos nacionais que deveriam ser extintos e substituídos por um único título público unificado para toda a zona do euro. E quase todos já reconhecem a impossibilidade de uma moeda soberana e de um BC eficaz sem um estado que lhes dê credibilidade e poder real de ação, em particular nas situações de crise. Uma posição que só poderia ser cumprida, neste momento, pela Alemanha, que não quer ou não pode fazê-lo, ou por um estado central que ninguém aceita.

Da mesma forma, pelo lado político, o aumento da fragilidade e da fragmentação da Europa, vem sendo atribuído pelos analistas, de forma quase consensual, ao fim da Guerra Fria e à unificação da Alemanha, junto com o aumento descontrolado da UE e da OTAN, que passaram da condição de projetos defensivos para a condição de instrumentos de conquista territorial e expansão da influência militar e econômica do ocidente, dentro da Europa do Leste e, já agora, também, na Ásia Central e no Norte da África. O alargamento em todas as direções, da UE e da OTAN, aumentou suas desigualdades sociais e nacionais, e reduziu o grau de homogeneidade, identidade e solidariedade que existia no início do processo de integração, quando ele era tutelado pelos EUA e tinha um inimigo comum, a URSS.

Agora, bem, quando os analistas da crise européia se dedicam a traçar cenários futuros, quase todos calculam o tamanho da desgraça em termos estritamente econômicos, em bilhões e trilhões de euros. E pouco se fala dos custos intangíveis do fracasso europeu no campo das ideias, dos valores e dos grandes sonhos e símbolos que movem a humanidade. Um verdadeiro impacto atômico sobre duas pilastras fundamentais do pensamento moderno: a crença na viabilidade contratual de um governo ou governança mundial; e a aposta na possibilidade cosmopolita de uma federação ou confederação de repúblicas, pacíficas, harmoniosas, e sem fronteiras ou egoísmos nacionais. Duas idéias europeias que foram concebidas num continente extremamente belicoso e competitivo, mas que foi o grande responsável pela criação e universalização do sistema de estados nacionais modernos e do próprio capitalismo. Agora, os europeus estão experimentando na pele a impossibilidade real de suas utopias, ao tentarem construir um governo cosmopolita e contratual a partir de estados nacionais extremamente desiguais, sob o ponto de vista do poder e da riqueza.

O problema grave e insanável é que a falência do “contratualismo” e do “cosmopolitismo” deixa os europeus sem mais nenhum sonho ou utopia coletiva. Em poucas décadas, no final do século XX, eles enterraram o seu socialismo, e agora, no início do Século XXI, estão jogando na lata do lixo o seu “cosmopolitismo liberal”. E estão deixando o resto do sistema mundial sem a bússola do seu criador, porque o sistema seguirá em frente, mas o seu “software” europeu está perdendo energia e está se apagando."

FONTE: escrito por José Luís Fiori, no blog “Outras Palavras”. Transcrito no blog “Escrivinhador”  (http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/o-custo-intangivel-do-fracasso-europeu.html) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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