sexta-feira, 7 de outubro de 2011
MINO SOBRE A ‘VEJA’: “CRIEI UM MONSTRO!”
MINO DÁ UMA AULA. SOBRE A ‘VEJA’: “CRIEI UM MONSTRO!”
“Saiu no ‘Blog do Miro’:
Por Chico Bicudo, em seu blog:
“O mediador levou cerca de cinco minutos para fazer as devidas apresentações e relembrar apenas algumas das experiências profissionais vividas pelo convidado da noite de abertura da ‘19ª Semana de Jornalismo’ da Faculdade Cásper Líbero.
Ele subiu ao palco e, ao receber o microfone, confessou que, naquelas situações, fica sempre tentado a cantar “Strangers in the night”, imortalizada na voz de ninguém menos que Frank Sinatra. A plateia (o auditório estava lotado) se animou e insistiu, entoando o tradicional coro de “canta, canta!”. “A tentação é forte. Mas vou conter a empolgação. Resistirei”, recusou elegantemente o jornalista Mino Carta, diretor de redação da revista ‘Carta Capital’. O que se ouviu então, e durante quase as duas horas seguintes, foram sinceras e mais do que relevantes lições sobre elementos e princípios do (bom) Jornalismo.
Mino reconheceu que não seria exatamente portador de boas notícias. Apesar de vislumbrar que, no longo prazo, o Brasil será um país feliz e muito importante no cenário internacional, ressaltou que ainda não alcançamos tal estágio justamente por conta de nossas elites –que classifica como uma das piores e mais atrasadas do mundo. “A elite herdeira do ideal da Casa Grande cuidou para que as coisas por aqui continuassem medievais. É assim que nossas oligarquias sobrevivem”.
Por consequência lógica, completou Mino, o jornalismo não escapa desse cenário. Expressa e representa o que somos, como somos, os nossos conflitos –e atrasos. Ele citou, como exemplo, a cobertura feita pela ‘mídia grande’ na semana passada a respeito do título de doutor honoris causa recebido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condecorado pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po, uma das instituições mais importantes e renomadas do mundo na área), por conta da “revolução econômica e social pacífica promovida no Brasil nos últimos oito anos”.
Na entrevista coletiva ocorrida após a homenagem, repórteres brasileiros presentes à cerimônia faziam questão de não esconder o inconformismo com a conquista. Como lembrou Mino, um deles perguntou ao diretor do Instituto francês “como era possível alguém receber o título sem que jamais tivesse lido livro algum…” Um segundo questionou: “como entregar algo tão grandioso a alguém que permitiu a corrupção em larga escala?” E um terceiro ainda explicitou que “era inexplicável que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não tivesse alcançado o mesmo grau”.
“Essas perguntas provam muita coisa”, alertou Mino, reconhecendo que Lula, durante os dois mandatos, deixou de promover mudanças que o jornalista considerava importantes, mas também destacando que o balanço final que faz da “Era Lula” é positivo, além de reforçar que a eleição e o governo de um ex-metalúrgico significaram um divisor de águas na História do país, pela simbologia que carregam. “Naquele momento, indignados, os jornalistas estavam expressando o discurso dos patrões e, claramente, manifestando seu ódio de classe”, confirmou. “Os donos de nossos meios de comunicação adorariam viver em uma democracia sem povo. E somos o único país do mundo onde jornalista chama o patrão de colega”, completou, contrariado.
Sem minimizar a importância da universidade, Mino disse que é nas redações que se aprende a ser jornalista. Para tanto, segundo ele, é preciso reunir alguns talentos. O primeiro: lidar bem com o vernáculo. Segundo: desenvolver sólido conteúdo moral. Foi nesse momento que Mino recordou de seus tempos de enfrentamento com a ditadura militar, quando, revelou, entendeu com profundidade a serventia do jornalismo –se não para mais nada, para narrar as histórias daquele tempo horroroso, a partir do viés dos vencidos, daqueles que não tinham voz.
Mino contou que foi, também, durante os anos de chumbo que leu “Entre o passado e o presente”, da filósofa alemã Hannah Arendt. De forma bem resumida, na obra a pensadora analisa a verdade que cada um carrega consigo –“são nossas opiniões ou tentativas de interpretação”-, diferenciou o jornalista, para em seguida acrescentar: “mas há uma verdade factual, contra a qual o jornalista não pode brigar”. Mino fez uma pausa e tomou um longo gole d’água. “Tomei água. Eis uma verdade factual. É a ela que o jornalista deve fidelidade canina. É mais um fundamento básico da profissão”. A partir do fato, o desafio é dar voz a todos os envolvidos, de maneira plural, sem preconceitos –e a opinião do repórter, admite Mino, pode até ser evidenciada, desde que honestamente anunciada como tal.
Para o diretor de redação de ‘Carta Capital’, no entanto, o jornalismo brasileiro não respeita essa premissa básica do buscar a verdade factual. “Omite quando convém ao dono do veículo, ao político, ao empresário. Isso quando não patrocina conscientemente a distorção, a invenção, a mentira. E dizia Hannah Arendt que, quando uma verdade vai ao fundo do mar, não pode mais ser recuperada”, lamentou. Por fim, Mino fez questão de dizer com muita convicção que o jornalista precisa ainda ser movido por candente espírito crítico, para fiscalizar os poderes –os donos do poder, como diria Raymundo Faoro- e todos eles, não apenas o político.
Um aluno na plateia perguntou: se o cenário será diferente no longo prazo, o senhor consegue avaliar de onde virão as transformações? Mino foi incisivo: não tem fórmulas mágicas. Mas reconheceu que as mudanças passam pela democratização, pela regulamentação e pelo controle social da mídia. “É procedimento absolutamente normal em outros países democráticos. É indispensável para definir limites e deveres”, afirmou. O problema, completou, é que os barões da mídia não querem nem pensar nessa hipótese e, sempre que o debate vem a público, saem gritando “estão querendo nos censurar, cercear a liberdade de expressão”. O governo então recua, acomoda-se, lamentou mais uma vez Mino. Para ele, é uma dinâmica semelhante àquela que resultou na criação da ‘Comissão da Verdade’. “É difícil acreditar que, do jeito como foi concebida, poderá mesmo revelar alguma coisa”. E fulminou, sem tergiversar: “O problema é que o poder, inclusive o petista, adora aparecer na TV Globo e dar entrevistas para as páginas amarelas da revista ‘Veja’”.
Sobre a revista semanal da editora Abril, que Mino Carta ajudou a idealizar e a criar ainda no final dos anos 1960, em plena época de terror da ditadura, o jornalista não dourou a pílula: “’Veja’ é, hoje, monstruosa, hedionda. Eu criei um monstro”. Para ilustrar, e mais uma vez provocado pela plateia, ele citou a recente matéria de capa sobre as “relações perigosas” do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. “Pois é, não tenho admiração divina alguma pelo senhor José Dirceu. Mas, com aquele texto, o que ‘Veja’ conseguiu foi só imitar à perfeição o jornalismo feito por Rupert Murdoch. Mas o que esperar da ‘Veja’? É assim mesmo. É a ‘Veja’”, disparou.”
FONTE: portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/pig/2011/10/04/mino-da-uma-aula-sobre-a-veja-%e2%80%9ccriei-um-monstro-%e2%80%9d/) [imagens do google adicionadas por este blog 'democracia&política'].
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