domingo, 16 de setembro de 2012

Hillary Clinton: “CANTO DE CISNE DESAFINADO NA CHINA”

Hillary Clinton

Por Peter Lee, no “Asia Times Online

“A secretária de Estado dos EUA Hillary Rodham Clinton esteve recentemente na China, para o que se espera que tenha sido sua última visita oficial a Pequim. Encontrou recepção gélida do governo chinês, inclusive da mídia oficial, além do que parece ter sido um revés pessoal.

A imprensa que viajou com Clinton agitou-se com o cancelamento de uma reunião marcada com o próximo presidente chinês Xi Jinping.

Claro. É possível que as justificativas que circularam entre jornalistas – que Xi teve um conflito de agenda e/ou dores nas costas – sejam verdadeiras. Xi também cancelou encontro com o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong. [1] Mas o Partido Comunista Chinês (PCC) pode bem ter decidido que a derradeira visita de Clinton era oportunidade também derradeira e apropriada para dar-lhe um tranco – e um recado.

Como secretária de Estado, o normal seria que Clinton se encontrasse com seu correlato número 1 em Pequim, o ministro de Relações Exteriores Yang Jiechi. Contudo, dadas inúmeras circunstâncias, históricas (a importância da relação entre EUA e China; o status especial de Clinton, esposa de um ex-presidente dos EUA) e circunstanciais (o atual esfrangalhamento das relações entre EUA e China; o fato de ser a provavelmente última visita oficial de Clinton à China), ela encontrou-se também com o presidente Hu Jintao e com o premiê Wen Jiabao.

Xi Jinping

Se se considera a perspectiva oficial, não há qualquer razão para que Clinton sinta-se desconsiderada; tampouco, também de uma perspectiva oficial, há qualquer justificativa para algum encontro oficial entre Clinton e Xi Jinping. Afinal, Clinton e seu time estão de saída, o que não mudará se o presidente Barack Obama for reeleito ou se for substituído na Casa Branca por Mitt Romney.

Xi Jinping, por sua vez, ainda não é presidente da China. O emprego ainda é de Hu Jintao. Talvez Hu não goste da ideia de os EUA movimentarem-se às suas costas, já construindo relações com Xi, antes de Hu deixar a cadeira presidencial.

É possível que a liderança chinesa tenha pressentido que Clinton desejava encontrar-se com Xi só para acrescentar um item valioso ao próprio arquivo de contatos – poder dizer que tivera contato com a nova geração de líderes chineses – pensando já na vida de pós-secretária de Estado e subsequente carreira de candidata, especialista-dona de 'think-tank' e/ou sócia-assessora de megaempresas.

Nesse caso, o PCC pode ter cancelado o encontro com Xi para mandar um recado (parafraseando o imortal tranco que o falecido senador Lloyd Bentsen dos EUA aplicou a Dan Quayle, num debate entre candidatos à vice-presidência, há muitos anos): “Conheci Henry Kissinger. E, secretária Clinton, a senhora não é nenhum Henry Kissinger”.

Henry Kissinger

De fato, Xi Jinping conhece, sim, Henry Kissinger (o qual, aliás, ainda não morreu). Encontraram-se mais de uma vez. Xi esteve com Kissinger e vários outros grandes do Departamento de Estado dos EUA, em fevereiro passado, quando de sua viagem aos EUA. Mas já o conhecia de antes, quando se encontraram os dois, em encontro reservado, em Pequim, várias semanas antes de Xi viajar, quando a mensagem a enviar era que a China colheria todas as oportunidades (significativas) e não deixaria escapar momento (significativo), para promover relações bilaterais (significativas). [2]

Para o PCC chinês, Kissinger é símbolo, defensor e advogado altamente considerado de um relacionamento muito especial entre EUA e China.

Quando as relações entre a liderança chinesa e o presidente Obama aproximavam-se do ponto de mais profundo congelamento, depois da desastrosa reunião sobre o clima em Copenhagen (quando se viu um furioso negociador chinês aos gritos e balançando o dedo no nariz de Obama, ante o que Pequim interpretara como decisão cínica dos EUA, de servir-se da China como bode expiatório para explicar o colapso das conversações), os chineses divulgaram noticiário sobre uma reunião entre o então vice-presidente Li Keqiang (o mesmo cargo que Xi tem hoje) e Kissinger em Pequim. Demonstravam, assim, que a China desejava manter as relações entre os dois países em espírito de engajamento positivo (significativo). [3]

Mas Obama decidiu, por razões políticas, econômicas, morais e geoestratégicas (e talvez por causa da interação pessoal insatisfatória entre ele próprio e os líderes chineses) que tinha de lidar com Pequim de uma posição de maior força regional. E boicotou o movimento de imediata acomodação.

O resto é história, especificamente, o movimento estratégico de “pivô” girado contra a China por Obama e executado por Clinton.

Robert Zoellick

O relacionamento da China com os EUA é agora especial, não só no sentido de que é especialmente difícil e conduzido pelos EUA de modo especialmente canhestro. O mais assemelhado com agente ativo de algum relacionamento positivamente especial com os EUA que há hoje é Robert Zoellick [A], ex-presidente do Banco Mundial, que hoje trabalha como conselheiro de Mitt Romney.

Do ponto de vista de Pequim, o tal movimento de “pivô” já serviu para criar problemas para a China, especificamente porque liberou aliados dos EUA na região, que se puseram a requentar velhas questões marítimas.

Ambos, o Vietnã e as Filipinas, aprovaram leis marítimas para formalizar reações contra a China, nas reivindicações que faz sobre rochedos e sambaquis no Mar do Sul da China. O governo do Japão, incitado pelo sinofóbico governador de Tóquio Shintaro Ishihara, está providenciando para comprar as ilhas Senkakus, de um proprietário privado.

Os EUA dançaram de modo muito equivocado em torno da questão de apoiar ou não as Filipinas e o Japão no discurso segundo o qual haveria aspectos de segurança envolvidos na negociação pelas ilhas.

Em seguida, Washington complicou ainda mais a discussão, ao decidir que as disputas no Mar do Sul da China deveriam ser negociadas entre Pequim e as demais partes reunidas coletivamente na “Associação das Nações do Sudeste da Ásia” [orig. “Association of Southeast Asian Nations”, ASEAN], não em conversações bilaterais entre a China e seus adversários menores.

É situação típica para agradar os fãs de intermináveis conversas multilaterais vãs. Não parece haver qualquer dúvida de que o melhor meio para realmente encontrar vias de conciliação é Pequim acertar projetos de desenvolvimento, em separado, com cada um de seus interlocutores nesse assunto, e assim destravar, de forma tempestiva e razoável, os negócios em torno das pressupostas imensas riquezas que, como se diz, se esconderiam naquelas ilhas miseráveis.

Nos dias que antecederam a visita de Clinton – houve alguns feios protestos (que não foram contidos com especial vigor pelo governo chinês) e incidentes, como o roubo da bandeirinha do carro oficial do embaixador do Japão num dos viadutos de Pequim (ação individual, pelo que se sabe, de um isolado cidadão chinês) – bem claramente o governo da China decidiu que era chegado o momento de dizer aos EUA que “agora, basta”; que era hora de Washington encolher a língua e pôr fim à retórica de que seria fiador da segurança nos mares vizinhos à China; e de os EUA tratarem de impor rédea mais curta aos seus superentusiasmados aliados em Hanói, Manila e Tóquio.

A rede chinesa Xinhua expôs o caso, em matéria escrita de Washington:

Muitas das ações dos EUA até agora têm sido contraproducentes, se o objetivo é promover a paz e a estabilidade na região do Pacífico Asiático, como se vê no fato de a situação de segurança na região estar em deterioração, sem qualquer melhoria observável, devido, principalmente, à recente escalada nas disputas por território no Mar do Leste da China e no Mar do Sul da China.

Washington, que diz não ter lado preferencial nas disputadas, é culpada, em parte, por alimentar as tensões, porque, ao que se vê, está fortalecendo partes relevantes na discussão, para que empreendam ações de provocação contra a China, com vistas a consolidar ganhos territoriais ilegítimos e imerecidos (...).

Washington deve a Pequim explicação ampla e convincente sobre as reais intenções de sua política “de pivô”, especialmente em questões que tocam interesses vitais, centrais, da China. E os EUA também têm de dar passos concretos que provem que estão voltando à Ásia como pacificadores, não como criadores de problemas”. [4]

A visita de Clinton foi marcada por verdadeiro enxame de artigos na mídia oficial sobre esse tema:


- “A China exige que os EUA trabalhem pela paz no Mar do Sul da China”. [5]
-“Washington tem de dar passos concretos para promover os laços China-EUA”. [6]
- “EUA devem explicações à China sobre as reais intenções de sua política de pivô girado contra a Ásia” [7]
- “Comentário: Os EUA que parem de disparar sinais errados contra o Mar do Sul da China” [8]
Foi a sóbria rede Xinhua, já começando a adotar o estilo tradicionalmente mais nacionalista irado do jornal “Global Times’. E o “Global Times”, esse, ora, falou como fala o “Global Times”:
“Não há vencedores nas estratégias de contenção” [9]
“Hillary aprofunda a desconfiança EUA-China” [10]

Pequim tem pleno direito de decidir que é hora de verificar se o tom presunçoso e enfatuado com que os EUA falam do “movimento de pivô girado contra a Ásia” – e de atacar a China no olho – é ou não acompanhado da indispensável atenção que os EUA têm de dar às responsabilidades reais que têm na segurança do Leste da Ásia.

Para a liderança chinesa, o verdadeiro indicador da sinceridade e da serventia dos EUA a favor da segurança do Leste da Ásia é, provavelmente, o quanto de influência Washington aplicará sobre Tóquio, sobre os militares e a agenda de segurança, em geral e, agora, na questão simbólica das ilhas Senkakus.

Há, pelo menos, uma razão de peso para que Pequim aceite a continuada presença militar dos EUA no Leste da Ásia: se os EUA puderem conter a emergência do Japão no quadro da segurança regional, como ator regional independente, com capacidade militar e nuclear.

Graças ao apoio dos EUA às suas demandas para implantar o ciclo completo de produção de combustível nuclear e um programa espacial, sob vários critérios desnecessário, o Japão já tem as reservas de plutônio suficientemente enriquecido [para produzir armas atômicas] e os sistemas de mísseis balísticos de transporte e uso de armas atômicas necessários para tornar-se grande potência nuclear planetária, praticamente da noite para o dia.

Numa interessante análise, a agência “The Associated Press” examina a possibilidade bem real de que o Irã talvez tenha estudado e copiado a estratégia japonesa para posicionar-se como estado nuclear com arsenal atômico – ou sem arsenal atômico, mas com recursos para converter as próprias capacidades nucleares, de pacíficas para nada pacíficas, tão rapidamente quanto seja necessário.

Se conseguirem conter uma corrida armamentista regional nuclear, e se mantiverem as “Forças Japonesas de Autodefesa” suficientemente ocupadas com autodefesa, em vez de interessadas em projetar poder, os EUA, sim, prestam real, significativo e importante serviço de segurança (e também no campo econômico) à China e, em geral, ao Leste da Ásia. [11]

Mas o movimento pelo qual as ilhas Senkakus estão sendo promovidas a fetiche político, cultural e de segurança, já está contribuindo para mudar tudo isso.

Até agora, os governos nacionais japoneses, graças à persuasão, aos incentivos, e à segurança que obtêm da presença de forças dos EUA, estão mantendo o gênio militar bem preso dentro da garrafa.

Yoshihiko Noda

No momento, o governo do primeiro-ministro Yoshihiko Noda conduz sua dura competição com Ishihara, para comprar as Senkakus, com uma combinação de contenção, frustração e desgosto que a liderança chinesa considera muito gratificante – apesar das fulminações públicas.

Mas resultados passados não são garantia de desempenho futuro.

Se Tóquio escapa da coleira ou se, ainda pior, se rompe violentamente as cadeias que a subjugam aos EUA – no estilo do que faz o governo de Israel – forçando os EUA a apoiarem o Japão e seus objetivos na região mediante aumento deliberado das tensões, a utilidade e o valor do papel militar dos EUA no leste da Ásia, que hoje ainda podem ser percebidos, ficarão significativamente comprometidos aos olhos chineses.

Em maio, “The Wall Street Journal” comentou as ideias relativamente extremas sobre segurança, de Shintaro Ishihara, o governador de Tóquio que começou toda a confusão da compra das ilhas Senkakus:

O Japão deve precaver-se contra as ambições expansionistas da China, disse Mr. Ishihara, que agora se voltam para fora, depois de a China conquistar a Mongólia e o povo uigur, e já ter dizimado o Tibete (...). A China tem declarado que atacará casas de outros. É tempo de verificar se nossas portas estão bem fechadas em torno de nossas ilhas” – disse ele. “Antes de vermos o que está acontecendo, o Japão pode virar a 6ª estrela na bandeira da China. Realmente, não quero que isso aconteça” (...).

Em todo o discurso, Mr. Ishihara referiu-se sempre à China como ‘Cina’ – nome normalmente associado à era em que o Japão ocupou a China. [12]

Shintaro Ishihara e as Ilhas Senkakus

Ishihara também defendeu mais dinheiro nacional para o orçamento militar, justificado em parte por os EUA serem “pouco confiáveis”, pelo menos no que tenha a ver com as ilhas Senkakus.

Seria reconfortador se se pudesse descartar Ishihara como velho doido e racista. Mas, com a geração e a forma mental japonesas da guerra já saindo de cena, a pressão política para que o país assuma o papel de potência mundial armada, com política autônoma de segurança – para fazer frente à China –, começa a crescer.

Além do mais, Ishihara já cuidou de passar à geração seguinte o seu legado xenofóbico, através do filho Nobuteru.

Uma teoria diz que Ishihara empenhou-se em promover a compra das ilhas Senkaku para acelerar o andamento dos passos políticos do herdeiro. Nobuteru é, atualmente, secretário-geral do Partido Liberal Democrático, de oposição, e com boas chances de tornar-se próximo primeiro-ministro do Japão, se conseguir obrar a necessária quantidade de fraudes intra e interpartidárias. [13]

A possibilidade de o governo japonês e suas políticas externa e militar estarem, em pouco tempo, em mãos de reacionários odiadores da China – e com o governo dos EUA em mãos de neoliberais ou de neoconservadores, nos dois casos indiferentes às ansiedades chinesas – não é cenário no qual se deva esperar que os chineses se interessem muito por exercitar algum tipo de moderação cautelar.

A dura retórica oficial chinesa sobre o “pivô” que Obama fez girar contra a China é talvez mais do que bota-fora contra a secretária Clinton. Deve ser visto como tentativa de romper a extrema confusão que envolve tudo que tenha a ver com a China, na campanha eleitoral dos EUA. E a China faz isso com uma declaração estridente de que Pequim está muito incomodada com a arrogância, a presunção, o enfatuamento que cerca tudo que tenha a ver com o “pivô” de Obama, que já levou os EUA a perderem o rumo e o foco sobre a absolutamente urgente necessidade regional de os EUA estimularem e recomendarem ponderação e prudência aos seus aliados, mas, sobretudo, ao Japão.

Fãs do “pivô” que Obama fez girar contra a China – e conselheiros de qualquer presidente que assuma o governo em Washington no próximo ano – bem farão se começarem logo a pensar no pior, caso a nova liderança chinesa decida que melhor escalar o conflito já, que tarde demais, seja forçando a política dos EUA para a Ásia a tomar rumo mais favorável à China, seja desalojando de lá as forças militares dos EUA, enquanto é tempo.

Um conselho: se alguma crise irromper – e se os EUA desejarem genuinamente resolvê-la –, melhor não mandar Hillary Clinton a Pequim.”

NOTAS:

1. China's Xi Jinping cancels Hillary Clinton meeting amid 'tensions', The Telegraph, Sep 5, 2012.
2. China's Xi says to push forward Sino-US cooperation, Gov.cn, Jan 17, 2012.
3. China: Emboldened? Anxious? Or Invincible Zombie Masters?, China Matter, Mar 16, 2010.
4. US owes China convincing explanation of true intentions of its Asia Pivot policy, Xinhua, Sep 3, 2012.
5. China urges US to work for peace in South China Sea, Xinhua, Sep 4, 2012.
6. Washington needs to take concrete steps to promote China-US ties, Xinhua, Sep 4, 2012.
7. US owes China convincing explanation of true intentions of its Asia Pivot policy, Xinhua, Sep 3, 2012.
8. Commentary: US should refrain from sending wrong signals over South China Sea, Xinhua, Aug 5, 2012.
9. No winners in containment strategies, Global Times, Sep 6, 2012.
10. Hillary reinforces US-China mistrust, Global Times, Sep 4, 2012.
11. Iran nuclear denial has Japanese ring, Columbia Broadcasting System, Sep 1, 2012.
12. Ishihara Unplugged: China A 'Thief,' America 'Unreliable', Japan Realtime, May 29, 2012.
13. Ishihara seen as strong contender in LDP race, Yomiuri, Sep 5, 2012.

NOTA DOS TRADUTORES

[A] Em 2007, como vice-presidente do Fundo Monetário Internacional, FMI, esse mesmo Zoellick criticou a atuação do Brasil face à “Área de Livre Comércio das Américas”, ALCA. O presidente Lula reagiu imediatamente, dizendo que Zoelick, “sub do sub do FMI”, não era autoridade para criticar decisões soberanas do Brasil. Há matéria (dentre outras) em que esses fatos são relembrados, em “IstoÉ Dinheiro”: “Lula, o Banco Mundial e o Brasil” - Nº EDIÇÃO: 751, de 24.fev.12.”

FONTE: escrito por Peter Lee, no “Asia Times Online”, com o título original “Clinton’s strained swan song in China”. Artigo traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado por Castor Filho em seu blog “Redecastorphoto”  (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/09/hillary-clinton-canto-de-cisne.html). [Mapa obtido no google e adicionado por este blog 'democracia&política'].

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