Moniz Bandeira: EUA promovem desestabilização na América Latina; atores muito bem pagos atuam na Venezuela, Argentina e Brasil
“EUA promovem desestabilização de democracias na América Latina”, denuncia Moniz Bandeira
Entrevista concedida ao "PT na Câmara" e publicada no site da liderança do PT
"O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira denunciou terça-feira (17) que os Estados Unidos, por meio de órgãos como CIA, NSA (Agência Nacional de Segurança) e ONGs a eles vinculadas, continuam na tentativa de desestabilizar governos de esquerda e progressistas da América Latina, como os da Venezuela, Argentina e Brasil.
Em entrevista ao PT na Câmara, por e-mail, Moniz Bandeira disse que ‘’evidentemente há atores, profissionais muito bem pagos, que atuam tanto na Venezuela, Argentina e Brasil, integrantes ou não de ONGs, a serviço da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e outras entidades americanas”, para desestabilizar esses países, com a utilização de instrumentos que incluem protestos de rua.
‘’As demonstrações de 2013 e as últimas, contra a eleição da presidente Dilma Russeff, não foram evidentemente espontâneas”, disse o cientista político.
“Os atores, com o suporte externo, fomentam e encorajam a aguda luta de classe no Brasil, intensificada desde que um líder sindical, Lula foi eleito presidente da República. Os jornais aqui na Alemanha salientaram que a maior parte dos que participaram nas manifestações de domingo, dia 15, era gente da classe média alta para cima, dos endinheirados’’, disse Moniz Bandeira, que reside na Alemanha e é autor de vários livros sobre as relações Brasil—EUA.
No caso do Brasil especificamente, citou iniciativas do PT e aliados que contrariam Washington, como a criação do Banco do BRICS, uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial e o regime de partilha para o pré-sal, que conferiu papel estratégico à Petrobras, descocando as petroleiras estrangeiras. Ele lembrou também que a presidenta Dilma foi espionada pela NSA e não se alinhou com os EUA em outras questões de política internacional, entre as quais a dos países da América Latina.
Eis a entrevista:
O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), comentou nas redes sociais que a CIA tem atuado nas tentativas de desestabilização de governos democráticos na América Latina . Como o senhor avalia isso, diante de vários episódios históricos que mostram os EUA por trás da desestabilização de governos de esquerda e progressistas?
Washington há muito tempo está a criar ONGs com o fito de promover demonstrações empreendidas, com recursos canalizados através da USAID, "National Endowment for Democracy" (NED) e CIA; "Open Society Foundation" (OSF), do bilionário George Soros, "Freedom House", "International Republican Institute" (IRI), sob a direção do senador John McCain etc.
Elas [ONG] trabalham diretamente com o setor privado, municípios e cidadãos, como estudantes, recrutados para fazerem cursos nos EUA. Assim o fizeram nos países da Eurásia onde, de 1989 ao ano 2000, foram criadas mais de 500.000, a maioria das quais na Ucrânia. Outras foram organizadas no Oriente Médio para fazer a "Primavera Árabe".
A estratégia é aproveitar as contradições domésticas do país, os problemas internos, a fim de agravá-los, gerar turbulência e caos até derrubar o governo sem recorrer a golpes militares.
Na Ucrânia, dentro do projeto "TechCamp", instrutores, a serviço da Embaixada dos EUA, então chefiada pelo embaixador Geoffrey R. Pyatt, estavam a preparar, desde pelo menos 2012, especialistas, profissionais em guerra de informação e o descrédito das instituições do Estado, a usar o potencial revolucionário da mídia moderna – subvencionando a imprensa escrita e falada, TVs e sites na Internet — para a manipulação da opinião pública, e organização de protestos, com o objetivo de subverter a ordem estabelecida no país e derrubar o presidente Viktor Yanukovych em fevereiro de 2014.
Essa estratégia baseia-se nas doutrinas do professor Gene Sharp e de "Political defiance", i. e., o desafio político, termo usado pelo coronel Robert Helvey, especialista da "Joint Military Attache School" (JMAS), operada pela "Defence Intelligence Agency" (DIA), para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições mediante o planejamento das operações e mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores "do Ocidente" (dos Estados Unidos).
Essa estratégia pautou em larga medida a política de "regime change", a subversão em outros países, sem golpe militar, incrementada pelo presidente George W. Bush, desde as chamadas “revoluções coloridas” na Europa e Eurásia, assim como na África do Norte e no Oriente Médio. Explico, em detalhes e com provas, como essa estratégia se desenvolve em meu livro "A Segunda Guerra Fria", e, no momento, estou a pesquisar e escrever outra obra – "A desordem mundial" — onde aprofundo o estudo do que ocorreu e ocorre em vários países, sobretudo na Ucrânia.
Além da CIA, como os EUA atuam contra os governos de esquerda da América Latina?
Não se trata de uma questão ideológica, mas de governos que não se submetem às diretrizes de Washington. Uma potência mundial, como os EUA, é mais perigosa quando está a perder a hegemonia do que quando expandia seu Império. E o monopólio que adquiriu após a II Guerra Mundial, de produzir a moeda internacional de reserva – o dólar –, está a ser desafiado pela China, Rússia e também o Brasil, que está associado a esses países na criação do banco internacional de desenvolvimento, como alternativa para o FMI, Banco Mundial etc.
Ademais, a presidenta Dilma Rousseff denunciou na ONU a espionagem da NSA, não comprou os aviões-caça dos EUA, mas da Suécia, não entregou o pré-sal às petrolíferas americanas e não se alinhou com os Estados Unidos em outras questões de política internacional, entre as quais a dos países da América Latina.
O governo da Venezuela tem denunciado a participação de Washington em tentativas de golpe. O mesmo poderia estar acontecendo em relação ao Brasil?
Evidentemente há atores, profissionais muito bem pagos, que atuam tanto na Venezuela, Argentina e Brasil, integrantes ou não de ONGs, a serviço da USAID, "National Endowment for Democracy" (NED) e outras entidades americanas. Não sem razão o presidente Vladimir Putin determinou que todas as ONGs fossem registradas e indicassem a origem de seus recursos e como são gastos.
O Brasil deveria fazer algo semelhante. As demonstrações de 2013 e as últimas, contra a eleição da presidente Dilma Rousseff, não foram evidentemente espontâneas. Os atores, com o suporte externo, fomentam e encorajam a aguda luta de classe no Brasil, intensificada desde que um líder sindical, Lula, foi eleito presidente da República. Os jornais aqui na Alemanha salientaram que a maior parte dos que participaram das manifestações de domingo, dia 15, era gente da classe média alta para cima, dos endinheirados.
Que interesses de Washington seriam contrariados, pelo governo do PT, para justificar a participação da CIA e de grupos empresariais de direita, como os irmãos Koch (ramo petroleiro) , no financiamento de mobilizações contra Dilma? O pré-sal, por exemplo?
Os interesses são vários como expliquei acima. É muito estranho como começou a "Operação Lava-Jato", partir de uma denúncia “premiada”, com ampla participação da imprensa, sem que documentos comprobatórios aparecessem.
O grande presidente Getúlio Vargas já havia denunciado, na sua carta-testamento, que “a campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. (…) Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Como o senhor interpreta o surgimento de grupos de direita no Brasil, com agenda totalmente alinhada aos interesses dos EUA?
Grupos de direita estão no Brasil como em outros países. E despertaram com a crise econômica deflagrada em 2007-2008 e que, até hoje, permanece, em vários países, como o Brasil, onde irrompeu com mais atraso que na Europa.
E a direita sempre foi fomentada pelos interesses de Wall Street e do complexo industrial nos EUA, que é ceivado pela corrupção, e onde a porta giratória – executivos de empresas/secretários do governo – nunca deixa de funcionar, em todas as administrações.
Há, entre os organizadores dos protestos, gente francamente favorável à privatização da Petrobras e das riquezas nacionais, com evidente complexo de vira-latas diante dos interesses estrangeiros. Como analisar esse movimento à luz da história brasileira? De novo o nacionalismo versus entreguismo?
Está claro que, por trás da "Operação Lava-Jato", o objetivo é desmoralizar a Petrobras e as empresas estatais, de modo a criar as condições para privatizá-las.
Porém, estou certo de que as Forças Armadas não permitirão, não intervirão no processo político,nem há fundamentos para golpe de Estado, mediante impeachment da presidenta Dilma Rousseff, contra a qual não há qualquer prova de corrupção, fraude eleitoral etc., elementos sempre usados na liturgia subversiva das entidades e líderes políticos que a USAID, NED e outras entidades dos EUA patrocinam."
FONTE: do portal "Viomundo" (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/moniz-bandeira-eua-promovem-desestabilizacao-de-democracias-na-america-latina.html).
Sobre o entrevistado:
Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, mais conhecido como Moniz Bandeira (Salvador, 30 de Dezembro de 1935), é professor universitário, cientista político e historiador, especialista em política exterior do Brasil e suas relações internacionais, principalmente com a Argentina e os Estados Unidos, sendo autor de várias obras publicadas no Brasil e na Argentina, bem como em outros países.
Formado em Direito, doutorou-se em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, com a tese “O papel do Brasil na Bacia do Prata”, posteriormente publicada como livro, com o título "A expansão do Brasil e formação dos Estados na Bacia do Prata".
Enquanto estudava Direito no Rio de Janeiro, trabalhou em importantes jornais como o "Correio da Manhã" e o "Diário de Notícias". Aos 25/26 anos, Moniz Bandeira publicou seus primeiros livros de ensaio político, intitulado “O 24 de Agosto de Jânio Quadros” (1961), sobre a renúncia do presidente Jânio Quadros, e “O Caminho da Revolução Brasileira”, no qual defendeu a tese de que o Brasil já era um país com economia capitalista madura, pois estava produzindo e exportando mais bens industrializados que produtos primários; e previu o golpe militar de 1964.
Títulos:
--Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo;
--Doutor Honoris Causa pelas Faculdades Integradas do Brasil;
--Bundesverdienst Kreuz (Erster Klasse), (Cruz do Mérito - Primeira Classe), conferida pelo governo da República Federal da Alemanha;
--Grande Oficial da Ordem do Mérito Barão do Rio Branco (Brasil);
--Comendador da Orden de Mayo (Argentina);
--Intelectual do Ano de 2005 pela União Brasileira de Escritores (Prêmio Juca Pato);
--Comendador da Ordem do Mérito Cultural (Brasil).
Obras mais recentes:
2005 − "Formação do Império Americano" (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque).
2004 − "As Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos" (De Collor a Lula).
2003 − "Brasil, Argentina e Estados Unidos" (Da Tríplice Aliança ao MERCOSUL), também traduzida e publicada na Argentina.
2000 – "O Feudo – A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil", Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 601 pp.
1999 – "Brasil – Estados Unidos no Contexto da Globalização", vol. II (2ª. revista, aumentada e atualizada de "Brasil-Estados Unidos: A Rivalidade Emergente", São Paulo, Editora SENAC, 224 pp.)
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