terça-feira, 6 de outubro de 2015

VIOLAÇÕES DA LEI POR NARDES DEVERÃO SER BLINDADAS PELO TCU





Nardes, do TCU, extrapolou e deve ser afastado [se for cumprida a lei]


Por Paulo Moreira Leite, jornalista, escritor e diretor do 247 em Brasília

"Impossível prever qual será o efeito prático do pedido de afastamento de Augusto Nardes da função de relator do julgamento das contas de 2014 do governo Dilma Rousseff.

É possível que não aconteça nada.

Mas é possível que o pedido contribua para diminuir o grau de hipocrisia de um debate dominado pelo interesse político de enfraquecer Dilma e alimentar artificialmente a abertura de um processo de impeachment sem a menor base jurídica.

Há muito tempo Augusto Nardes – um ex-deputado que iniciou carreira na Arena da ditadura, nunca fez autocrítica nem se afastou dessa área política – exibe o comportamento arrogante de quem não se sente obrigado a manter sua opinião sob reserva, como determina a Lei Orgânica da Magistratura, que deve ser cumprida mesmo num tribunal que cumpre função de assessoria do Congresso, como é o TCU.

Se havia alguma dúvida, Nardes se encarregou de dizer o que pensa com toda clareza possível numa entrevista à "rádio Estadão", quinta-feira passada: “As contas presidenciais sempre foram aprovadas com ressalvas pelo TCU nos últimos 80 anos e ninguém tinha coragem de mudar esse quadro. Nós aqui não somos a Grécia, que tem a Europa para salvá-la. Nós mesmos temos que resolver os problemas do Brasil.

Nós sabemos que o argumento da “coragem de mudar” tanto pode servir para justificar transformações positivas na história de um país como para alimentar gestos de pura demagogia com palavras heroicas. A questão é saber o que está em debate.

Eu acho que a "coragem de mudar", hoje, implica no afastamento de Nardes. O relator extrapolou – mesmo pelos padrões de tolerância aceitáveis num tribunal onde antigos políticos são escalados para julgar o que fazem os atuais políticos – sem romper ligações e amizades correspondentes.

As objeções contra as contas de Dilma em nada se diferem de críticas e ressalvas que foram apontadas na contabilidade de outros governos e consideradas regulares pelo próprio TCU, o que já permite lembrar do princípio constitucional segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina.

As chamadas pedaladas são um fenômeno banal desde 1994, num tipo de contrato de operação entre a União e a Caixa Econômica que já foi auditada e aprovada pelo plenário do tribunal em 2009 e que nem de longe pode ser acusada de ajudar a maquiagem financeira.

Ao contrário que se costuma insinuar, o governo e os bancos públicos mantêm, por contrato, uma conta-suprimento que, se positiva, rende juros para o governo; se negativa, remunera a Caixa.

Se houvesse interesse em levar em conta as informações oficiais disponíveis para uma discussão produtiva, em vez de tentar alimentar de qualquer maneira a pressão contra o governo, o debate teria sido encerrado em julho, quando Luís Inácio Adams, advogado geral da União, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, participaram de uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos.

Ali, foi demonstrado – com números jamais contestados nem desmentidos – que a Caixa pagou juros positivos à União ao longo dos últimos 21 anos. Também se recordou que o saldo foi de R$ 290 milhões em 1994 – o maior em termos valores reais, quando se leva em conta a inflação, ficou em R$ 296 milhões em 2005, o maior depois da posse de Lula – e fechou em R$ 141,6 milhões em 2014.

Como se isso não bastasse, em voto no acordão 992/2015, também lembrado aos presentes na audiência, o ministro relator José Mucio Monteiro disse com toda clareza que:

É preciso ressalvar que não seria razoável classificar como operações de credito meros atrasos de curtíssimo prazo no repasse de recursos ao Tesouro, previstas e com condições estipuladas contratualmente (o grifo é meu) como no caso dos programas sociais pagos por intermédio da Caixa Econômica.

A questão, mais uma vez, é política. O debate não envolve questões de contabilidade, mas quem tem direito de uso sobre recursos disponíveis pelo Tesouro. Vamos reconhecer o essencial: nunca se achou necessário questionar a conta-suprimento quando ela servia aos interesses de sempre que se movem pelo Estado brasileiro. 

Decidiu-se transformá-la num problema quando passou a ser utilizada para atender os programas sociais que melhoram a sorte dos mais pobres que, em outubro de 2014, garantiram uma quarta vitória consecutiva a Lula-Dilma em eleições presidenciais. As preocupações com anos recentes crescerem por uma razão previsível: os programas sociais também cresceram. 

Alguma novidade?

Sim.

Qualquer que seja sua opinião sobre os programas sociais e mesmo sobre a consistência das explicações do governo, há uma questão anterior.

Um juiz não pode antecipar seu voto. É a lei e deve valer para todos.

Políticos profissionais que resolveram vestir a toga de magistrados na hora da aposentadoria também têm obrigação de submeter-se a ela." 
FONTE: escrito por Paulo Moreira Leite, jornalista, escritor e diretor do 247 em Brasília   (https://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/199620/Nardes-do-TCU-extrapolou-e-deve-ser-afastado.htm)

COMPLEMENTAÇÃO

TCU está “perplexo com tudo”, diz ministro




"Os ministros do Tribunal de Contas da União devem ter se reunido na tarde de segunda-feira para discutirem uma conduta comum diante da ação do governo para afastar o ministro Augusto Nardes da relatoria das contas federais que seriam julgadas na quarta-feira. Espantados com a iniciativa do Governo, que não tem precedentes históricos, boa parte dos ministros confessa-se também incomodada com o comportamento “não menos inusitado” do relator.

Tudo é inusitado neste processo e por isso estamos ainda perplexos. Foi inusitada a conduta do relator, de que fato falou mais que o devido, antecipou suas opiniões, seu voto e seu parecer, politizando o julgamento. E é também inusitada a ação do governo, que obriga o tribunal [por corporativismo rasteiro, porém acima da lei] a ter uma atitude solidária com o relator, mesmo discordando de suas atitudes”, disse um dos ministros ouvidos pelo "247".

A primeira consequência deve ser o adiamento do julgamento marcado para quarta-feira e esse teria sido um dos objetivos do governo que, antevendo a aprovação do parecer que recomenda ao Congresso a rejeição de suas contas, buscou ganhar tempo para concluir o trabalho de pacificação da base aliada, depois da reforma ministerial, criando condições para enfrentar a matéria no âmbito do Legislativo.

É por todos sabido que a oposição tem uma sintonia com Nardes e pretende fazer da rejeição das contas de Dilma o fundamento jurídico de que ainda não dispõe para um processo de impeachment. Mas a votação do parecer de Nardes é apenas um ponto do processo. Ainda que o TCU aprove seu parecer recomendando a rejeição, o Congresso não é obrigado a adotá-lo, podendo discordar, aprovando as contas da presidente Dilma, com ou sem ressalvas. Conforme já decidiu o STF, a votação será em sessão conjunta do Congresso. Logo, terá Renan Calheiros como condutor. E antes, passará pela Comissão Mista de Orçamento, presidida pela senadora Rose de Freitas, aliada de Renan.

Por isso, alguns governistas acham que o governo não deveria ter comprado essa briga judicial com o TCU, que deve terminar no STF, pois dificilmente o Tribunal de Contas atenderá ao pedido para descredenciar o relator. O espírito de corpo [rasteiro, mas acima da lei] unirá a corte, mesmo no desconforto. Para esses governistas [nesse clima de vale-tudo para a direita voltar ao poder sem precisar ganhar eleições] o governo deveria ter apostado mais em derrotar no voto, no Congresso, o parecer de Nardes, depois de avalizado pelo plenário do TCU.

Com o questionamento da isenção do relator, o governo acabou fustigando a oposição, alimentando as acusações de autoritarismo e jogando luz sobre a questão do impeachment, que havia perdido força depois da reforma ministerial."

FONTE: do portal "Brasil 247"  (http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/199647/TCU-est%C3%A1-%E2%80%9Cperplexo-com-tudo%E2%80%9D-diz-ministro.htm). [Trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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