segunda-feira, 16 de novembro de 2015

CONFUSÃO ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO


                 Flickr/ Fernando Mafra


"Pessoas confundem liberdade de imprensa com liberdade de expressão"

Para o procurador Pedro Machado, do MPF-SP, a sociedade caminha para uma regulação da mídia capaz de coibir abusos e oligopólios. O oligopólio midiático não garante a pluralidade de ideias e a diversidade da sociedade brasileira.

Por Marcelo Pellegrini

"Tema tabu na sociedade brasileira, a regulação da mídia parece estar se tornando mais palatável, em parte graças a manifestações de autoridades públicas. Em junho, durante julgamento envolvendo empresas de tevê por assinatura, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a "regulação da mídia é necessária à liberdade de expressão" e lembrou que concentração dos meios de comunicação traz riscos à circulação de ideias.

O Ministério Público Federal também tem atuado para defender a regulação e a democratização da mídia. Em entrevista à revista "CartaCapital", o procurador Pedro Antonio de Oliveira Machado, do MPF de São Paulo, discute as ações do órgão contra abusos e ilegalidades cometidos por empresas privadas de rádio e televisão e destaca que a liberdade de imprensa não necessariamente significa liberdade de expressão. "Se a mídia sofre com um oligopólio, existirá liberdade de imprensa, mas não de expressão, pois apenas um tipo de ideia ou um grupo social terá voz e isso não garante a pluralidade de ideias que existe na sociedade", afirma.

CartaCapital: O Grupo Abril vendeu ao Grupo Spring a frequência em que funcionava a MTV Brasil. O MPF considerou a operação irregular. Como está o andamento da ação?

Pedro Machado: Havíamos entrado com uma ação cautelar, em março de 2015, para suspender a compra. No entanto, a ação foi julgada improcedente pela Justiça e, agora, entramos com um recurso para recorrer dessa decisão. Além disso, estamos trabalhando na ação principal para anular a operação e talvez eu peça uma liminar. Mas o que existe até agora é que a pretensão do Ministério Público não foi atendida pela Justiça.

CC: Qual é o valor dessa transação?

PM: É de 290 milhões de reais.

CC: Por que o Ministério Público julga a ação ilegal?

PM: A legislação não permite que uma concessão pública seja repassada pelo concessionário a um terceiro sem uma nova licitação. Qualquer concessão deve passar por uma licitação. A concessão é acordada a uma empresa que possui somente duas opções: explora o serviço ou restitui para a União. Nesse caso, não aconteceu nem uma coisa nem outra. A empresa vendeu o direito de explorar o serviço para outra empresa, o que entendemos ser inconstitucional.

CC: Quem é o responsável por essa fiscalização?

PM: Quem tem de fiscalizar e tomar as providências necessárias é o Ministério das Comunicações. O Ministério Público Federal entrou com a ação porque está havendo uma omissão do ministério.

CC: A agilidade da tramitação desses processos é lenta?

PM: A questão da liberdade de expressão é um assunto muito delicado. Sempre caminhamos sobre o fio da navalha. Em uma sociedade democrática, se pressupõe que a sociedade conviva com certo grau de tolerância a manifestações inadequadas.

Nós, do Ministério Público Federal, temos atuado em alguns casos que, no nosso entender, há um abuso da liberdade de expressão. Eu cito, por exemplo, o caso da TV Bandeirantes, em que o apresentador [José Luiz] Datena fez comentários preconceituosos contra ateus, dizendo que todos os ateus eram criminosos... Foi uma ação em que ganhamos e fizemos diversas inserções de direitos de repostas. Outra ação que ganhamos, recentemente, foi a retratação da RedeTV! sobre comentários racistas contra religiões afrodescendentes.

A lentidão mencionada não é demora porque nós temos que amadurecer as ideias. Como são questões sensíveis temos que estudar com calma, para embasar muito bem a ação e não correr o risco de gerar uma jurisprudência negativa. Ou seja, eventuais decisões julgadas contra geram um precedente de que não se pode atuar nestas questões.


Para o procurador, cada ação deve ser muito bem embasada para 'não correr o risco de gerar uma jurisprudência negativa'

Um exemplo disso é a ação movida contra a jornalista Raquel Sheherazade, do SBT, por comentários que incitariam a tortura e que não foi acolhida pela Justiça. Isso faz parte do sistema democrático e não se resolve de uma forma simples e rápida.


CC: É uma luta difícil de ser travada?

PM: É uma luta não só difícil de ser travada, mas também difícil de delimitarmos qual caso deve ser tolerado e qual caso é um abuso da liberdade de expressão que mereça a intervenção do Estado. Porque não é uma disputa entre particulares, onde uma pessoa específica é ofendida pela mídia. A atuação do Estado só deve ocorrer em casos extremamente graves, onde outros princípios fundamentais da Constituição são violados. A liberdade de expressão é uma liberdade pública para que as pessoas possam expressar sua visão sobre o assunto, mesmo que seja equivocada, e onde o Estado deve se abster. Não só é uma luta de difícil condução no Judiciário como também é uma luta que merece reflexão cuidadosa para saber se o caso realmente merece uma intervenção do Estado.

CC: Para definir esses limites não seria necessário investir na democratização e na regulação da mídia?

PM: A regulação da mídia é um assunto delicado porque toda vez que se fala nisso se pensa em censura e intervenção do Estado. No entanto, estamos caminhando para essa discussão. Acho que temos de caminhar para alguma espécie de regulação, não para impedir a liberdade de expressão, mas para ter mecanismos de resposta a certos abusos. Não existem regras ou parâmetros para essa questão, mas sim uma análise caso a caso.

De qualquer forma, é um tema delicado em que ninguém quer se envolver e eu atribuo esse comportamento ao período da ditadura, quando houve repressão muito grande a essa liberdade.

CC: Só a regulação é suficiente ou é preciso investir em formas de democratizar a mídia brasileira?

PM: A democratização é necessária, sem dúvida. As pessoas confundem liberdade de imprensa com liberdade de expressão. Pode-se ter liberdade de imprensa, sem liberdade de expressão. Se a mídia sofre com um oligopólio, existirá liberdade de imprensa, mas não de expressão, pois apenas um tipo de ideia ou um grupo social terá voz e isso não garante a pluralidade de ideias que existe na sociedade.

CC: O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse em um evento com radiodifusores que “para uma má imprensa, mais imprensa. Qualquer tentativa de regulação deve sofrer repulsa”. Como responder a esse argumento?

PM: O diabo mora nos detalhes. É preciso saber qual é a concepção dele de "regulação" antes de respondê-lo. A nossa concepção de regulação traz mais democratização. É fácil falar que contra a má imprensa é preciso mais concessões, mas como competir com um veículo já estabelecido no mercado e que detém um monopólio da infraestrutura e da renda publicitária? Mais concessões não combatem o monopólio. É preciso ter outros instrumentos para modificar essa situação de monopólio e para trazer mais vozes para a mídia brasileira.

CC: O oligopólio midiático ao qual o senhor se refere também interfere no processo de democratização político?

PM: Sem dúvida. Um dos problemas que temos debatido é a questão de que, apesar da Constituição dizer que parlamentares não podem deter concessões de radiodifusão, existem empresas privadas de radiodifusão que possuem parlamentares em seu quadro societário. É óbvio que isso compromete o processo político e de composição do Congresso Nacional e de outras forças políticas, até mesmo do Poder Executivo.

CC: Mas o Poder Judiciário pode interferir no Ministério das Comunicações, que está sob a alçada do Executivo, e fazer valer essa regra?

PM: Na verdade, essa proibição consta na Constituição Federal. Por isso, entendemos que essa questão é passível de ser levada ao Judiciário, que pode deliberar sobre ela. Estamos estudando essa hipótese e, provavelmente, haverá alguma intervenção sobre esse assunto em um breve ou médio espaço de tempo".

FONTE: reportagem de Marcelo Pellegrini na revista "CartaCapital"   (http://www.cartacapital.com.br/politica/pessoas-confundem-liberdade-de-imprensa-com-liberdade-de-expressao-4327.html).

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