E a versão de Delcídio?
Do jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília
"Não é surpreendente que a prisão de Delcídio do Amaral tenha sido aplaudida pela oposição e transformada em mais uma prova contra o governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores.
Faz parte do jogo, ainda que, conforme a Constituição, um político no exercício do mandato eletivo só possa ser preso em flagrante de crime inafiançável -- o que não era o caso.
Eu acho surpreendente que Rui Falcão, presidente do PT, e outros líderes do partido e do governo tenham engrossado o mesmo coro. Cada dia que o senador permanece detido na Polícia Federal, em Brasília, representa uma derrota para as garantias democráticas que o país conquistou no fim da ditadura militar. Esse é o ponto fundamental do caso.
O PT deveria ter apreendido alguma coisa desde 2005, quando se tornou alvo permanente de denúncias casadas que saiam do Ministério Público e repercutiam na imprensa.
O partido expulsou o tesoureiro Delúbio Soares mas teve de engolir seu retorno depois que teve de admitir que nada fora provado contra ele além de despesas de "caixa 2". O PT também fez coro contra Henrique Pizzolato, diretor de marketing do Banco do Brasil, apontado como dono da chave que abriu o cofre de 63 milhões de reais em pagamentos. Perdeu a chance de lembrar ao distinto público que uma auditoria na contabilidade do Banco do Brasil não conseguiu apontar para o desvio de um único centavo em suas contas, o que teria permitido argumentar que se tratava do caso clássico de crime sem cadáver -- o que teria sido de grande utilidade para a defesa política do partido.
Os petistas também deixaram de pedir provas consistentes contra João Paulo Cunha, o presidente da Câmara de Deputados, antes de abandoná-lo às feras. João Paulo foi condenado e preso, ainda que tenha demonstrado, com notas fiscais, que as despesas de sua gestão poderiam ser justificadas por publicidade nos principais grupos de comunicação -- que nunca desmentiram o fato.
O fato é que até agora Delcídio não teve o direito de contar sua versão para os assombrosos diálogos gravados com Bernardo Cerveró, filho de um diretor da Petrobras que foi seu amigo e protegido num tempo em que, sob durante o governo PSDB/Fernando Henrique Cardoso, ambos ocupavam posições importantes na maior empresa brasileira. Disponível em vários portais, a conversa de uma hora e meia numa suíte de hotel, em Brasília contém fatos que podem ser interpretados de duas maneiras.
Uma delas glorifica o ator Bernardo Cerveró, que fica no papel de vítima de um senador sem escrúpulos, interessado em convencer o antigo colega de empresa, seu protegido e amigo da família, a embarcar num plano mirabolante de fuga do país, sem a menor chance de dar certo num tempo de polícia globalizada.
Na outra versão, pode-se imaginar que a vítima tenha sido o próprio senador. Nesse caso, Delcídio teria sido atraído pelo filho de Cerveró para conversas comprometedoras perante um gravador. Nessa hipótese, os próprios diálogos gravados foram o instrumento para o ex-diretor da Petrobras fazer uma delação premiada numa investigação na qual acusados em série disputam denúncias para salvar a própria pele e já parecem faltar crimes para atender às necessidades de todos os detidos pela Lava Jato nas celas da Polícia Federal de Curitiba.
Em 2006, um grupo de auxiliares de Luiz Inácio Lula da Silva caiu numa armadilha semelhante, estrelando uma denúncia grotesca que o então presidente da República batizou como "Aloprados". Convencidos de que iriam desmascarar aliados de José Serra, negociaram até o pagamento de propinas para garantir que a notícia fosse divulgada no prazo adequado para interferir na campanha eleitoral. Tudo havia sido armado, terminando com a prisão e julgamento dos petistas envolvidos.
Esses antecedentes recomendam uma postura cautelosa diante das acusações contra Delcídio. Podem ser verdadeiras. Ou podem revelar-se convenientes demais para um processo cujo componente político está escancarado.
Fatos e versões não poderão ser esclarecidos enquanto Delcídio não tiver o direito de apresentar sua versão e suas explicações, sem o constrangimento de uma prisão nem os limites de um interrogatório policial.
Antes disso, estamos diante de um pré-julgamento.
Enfrentando uma crise de identidade que está na raiz de uma desagregação gigantesca, o Partido dos Trabalhadores só tem a perder se esquecer compromissos históricos com a democracia e os direitos fundamentais."
FONTE: escrito pelo jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do "247" em Brasília (http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/207677/E-a-vers%C3%A3o-de-Delc%C3%ADdio.htm).
"Não é surpreendente que a prisão de Delcídio do Amaral tenha sido aplaudida pela oposição e transformada em mais uma prova contra o governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores.
Faz parte do jogo, ainda que, conforme a Constituição, um político no exercício do mandato eletivo só possa ser preso em flagrante de crime inafiançável -- o que não era o caso.
Eu acho surpreendente que Rui Falcão, presidente do PT, e outros líderes do partido e do governo tenham engrossado o mesmo coro. Cada dia que o senador permanece detido na Polícia Federal, em Brasília, representa uma derrota para as garantias democráticas que o país conquistou no fim da ditadura militar. Esse é o ponto fundamental do caso.
O PT deveria ter apreendido alguma coisa desde 2005, quando se tornou alvo permanente de denúncias casadas que saiam do Ministério Público e repercutiam na imprensa.
O partido expulsou o tesoureiro Delúbio Soares mas teve de engolir seu retorno depois que teve de admitir que nada fora provado contra ele além de despesas de "caixa 2". O PT também fez coro contra Henrique Pizzolato, diretor de marketing do Banco do Brasil, apontado como dono da chave que abriu o cofre de 63 milhões de reais em pagamentos. Perdeu a chance de lembrar ao distinto público que uma auditoria na contabilidade do Banco do Brasil não conseguiu apontar para o desvio de um único centavo em suas contas, o que teria permitido argumentar que se tratava do caso clássico de crime sem cadáver -- o que teria sido de grande utilidade para a defesa política do partido.
Os petistas também deixaram de pedir provas consistentes contra João Paulo Cunha, o presidente da Câmara de Deputados, antes de abandoná-lo às feras. João Paulo foi condenado e preso, ainda que tenha demonstrado, com notas fiscais, que as despesas de sua gestão poderiam ser justificadas por publicidade nos principais grupos de comunicação -- que nunca desmentiram o fato.
O fato é que até agora Delcídio não teve o direito de contar sua versão para os assombrosos diálogos gravados com Bernardo Cerveró, filho de um diretor da Petrobras que foi seu amigo e protegido num tempo em que, sob durante o governo PSDB/Fernando Henrique Cardoso, ambos ocupavam posições importantes na maior empresa brasileira. Disponível em vários portais, a conversa de uma hora e meia numa suíte de hotel, em Brasília contém fatos que podem ser interpretados de duas maneiras.
Uma delas glorifica o ator Bernardo Cerveró, que fica no papel de vítima de um senador sem escrúpulos, interessado em convencer o antigo colega de empresa, seu protegido e amigo da família, a embarcar num plano mirabolante de fuga do país, sem a menor chance de dar certo num tempo de polícia globalizada.
Na outra versão, pode-se imaginar que a vítima tenha sido o próprio senador. Nesse caso, Delcídio teria sido atraído pelo filho de Cerveró para conversas comprometedoras perante um gravador. Nessa hipótese, os próprios diálogos gravados foram o instrumento para o ex-diretor da Petrobras fazer uma delação premiada numa investigação na qual acusados em série disputam denúncias para salvar a própria pele e já parecem faltar crimes para atender às necessidades de todos os detidos pela Lava Jato nas celas da Polícia Federal de Curitiba.
Em 2006, um grupo de auxiliares de Luiz Inácio Lula da Silva caiu numa armadilha semelhante, estrelando uma denúncia grotesca que o então presidente da República batizou como "Aloprados". Convencidos de que iriam desmascarar aliados de José Serra, negociaram até o pagamento de propinas para garantir que a notícia fosse divulgada no prazo adequado para interferir na campanha eleitoral. Tudo havia sido armado, terminando com a prisão e julgamento dos petistas envolvidos.
Esses antecedentes recomendam uma postura cautelosa diante das acusações contra Delcídio. Podem ser verdadeiras. Ou podem revelar-se convenientes demais para um processo cujo componente político está escancarado.
Fatos e versões não poderão ser esclarecidos enquanto Delcídio não tiver o direito de apresentar sua versão e suas explicações, sem o constrangimento de uma prisão nem os limites de um interrogatório policial.
Antes disso, estamos diante de um pré-julgamento.
Enfrentando uma crise de identidade que está na raiz de uma desagregação gigantesca, o Partido dos Trabalhadores só tem a perder se esquecer compromissos históricos com a democracia e os direitos fundamentais."
FONTE: escrito pelo jornalista e escritor Paulo Moreira Leite, diretor do "247" em Brasília (http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/207677/E-a-vers%C3%A3o-de-Delc%C3%ADdio.htm).
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