quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

AUSTERICÍDIO EM RITMO DE LADEIRA ABAIXO


“Lá vem o Brasil, descendo a ladeira” (Pepeu Gomes e Moraes Moreira). Créditos da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Austericídio: em ritmo de ladeira abaixo

"A situação exige o reconhecimento dos equívocos e a necessidade urgente de mudança de rota. Esse é o caminho para manter acesa a chama da esperança.

Por Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental

A maior parte dos economistas comprometidos com a verdade e com o desenvolvimento de nosso País já vínhamos alertando há um bom tempo. As propostas apresentadas pelo candidato derrotado nas eleições de outubro do ano passado não deveriam, de forma alguma, retornar à cena do palco pelas mãos da Presidente reeleita. Os assessores de Aécio Neves para a economia haviam apresentado o seu tradicional receituário conservador, conclamando para a redução dos gastos públicos e ajuste fiscal rigoroso como condições inescapáveis para superar a crise.

Os avisos contra a inusitada e surpreendente mudança de orientação se baseavam em dois aspectos centrais. Em primeiro lugar, em razão da enorme frustração política que tal gesto poderia provocar, pois todos se recordavam do clima de esperança galvanizado, que se espalhou por todo o Brasil, em torno da campanha do “coração valente”. Por outro lado, o argumento mais importante referia-se à impropriedade do receituário ortodoxo e liberalóide em resolver os principais problemas de nossa economia.

No período transcorrido entre a data das eleições e a posse de seu segundo mandato, Dilma promoveu tamanha mudança que o processo passou a ser qualificado, no conjunto da sociedade, como “estelionato eleitoral”. Chamou o Presidente do Bradesco para comandar a área econômica. Trabuco, gentilmente, recusou o convite; não sem antes - é claro! - indicar um subordinado, um diretor de seu banco, para dar conta da tarefa. Com a confirmação de Joaquim Levy para dirigir o Ministério da Fazenda, vê-se traçada a estratégia para levar a cabo um profundo processo de ajuste recessivo, bem ao gosto e ao perfil dos teóricos mais apreciados pela turma do financismo.

As consequências do austericídio surgem aos poucos.

À medida que o tempo foi passando e que as medidas do austericídio foram sendo confirmadas, os resultados desastrosos em termos sociais e econômicos não se fizeram tardar. Afinal, o coquetel explosivo se compunha basicamente de uma proposta de continuar elevando a taxa SELIC (arrocho monetário) e promover uma redução significativa nas despesas orçamentárias de natureza social (arrocho fiscal). Essa combinação tem natureza intrinsecamente recessiva, pois eleva o custo do financiamento público e privado, ao mesmo tempo em que reduz a capacidade de ação do principal agente pelo lado da demanda em tal conjuntura - os investimentos e os gastos públicos.

Ao longo do primeiro trimestre, as informações que chegavam pelo lado do emprego, das vendas no comércio e nos pedidos de falência já apresentavam sinais de preocupação. Em abril, o desemprego apontava 7,9% e as vendas no comércio caíram a taxas de 2003. As grandes empresas iniciavam seus processo de férias coletivas e o governo apenas fazia as contas de quanto cortar, com o objetivo de atingir um superávit primário tão improvável quanto irresponsável.

Nada foi feito pelo lado do comando da economia para reorientar o caminho. O ritmo de atividades do período abril-junho manteve a trajetória descendente. O segundo semestre apresenta uma alta do desemprego para 8,3% e as vendas no comércio caíram a 2% em relação ao ano anterior.

O discurso oficial se mantém na linha de promover cortes e mais cortes, mas sem jamais ousar apontar para redução nas despesas públicas de natureza financeira. Assim, o terceiro trimestre registra o desemprego crescente com 8,9% e o número acumulado de pedidos de recuperação judicial de janeiro a agosto apresenta uma elevação de quase 42% em relação ao ano anterior. O Brasil real demonstra a gravidade da crise que ninguém mais ousa contestar.

Sem mencionar em nenhum momento os mais de R$ 511 bilhões do Orçamento gastos com juros da dívida pública, o governo se concentra nos cortes em saúde, educação, previdência social, ciência & tecnologia, rubricas das Forças Armadas e investimentos públicos de forma geral. O dicionário Houaiss assim define o verbete “obnubilação”: “estado de perturbação da consciência, caracterizado por ofuscação da vista e obscurecimento do pensamento”. Nada mais adequado para caracterizar essa inexplicável obstinação da equipe econômica, com o apoio de Dilma.

IBGE confirma recessão: Brasil segue ladeira abaixo.

Os dados divulgados há pouco pelo IBGE, relativos ao desempenho da economia para o terceiro trimestre, parecem confirmar a tendência do ritmo da “ladeira abaixo”. O índice revela queda de 1,7% da atividade econômica ao longo dos meses julho-agosto-setembro, o que corresponde à diminuição de 4,5% do PIB na comparação com igual período do ano anterior. Trata-se de resultado mais do que preocupante. Afinal, estamos diante da terceira retração trimestral consecutiva da atividade econômica e a mais expressiva para o período desde 1996.

O ambiente mais geral só tem contribuído para agravar tal quadro. A crise da Petrobrás tem provocado significativa redução dos investimentos desse importante grupo, com expressivos reflexos sobre o restante da cadeia produtiva, envolvendo as empreiteiras, as empresas subcontratadas, as montadoras de plataformas, os estaleiros navais e assim por diante. Afinal, os investimentos da Petrobrás tomados isoladamente, ao longo dos últimos anos, representavam algo em torno de 2% do PIB brasileiro. A cadeia de petróleo e gás, por seu turno, representa por volta de 13% de nosso produto.

No entanto, parece que nosso País mantém um setor à parte, isolado e protegido de toda essa catástrofe proporcionada pelo austericídio. Trata-se do ramo composto pelas instituições financeiras. Apenas os dois maiores bancos privados, Itaú e Bradesco, registraram lucro de R$ 30 bilhões durante os 3 primeiros trimestres deste ano. Enquanto a grande maioria dos setores econômicos e camadas sociais sofrem as agruras da recessão e do desemprego, o financismo só tem a comemorar ganhos mastodônticos.

Contribui para tal quadro a insistência do Comitê de Política Monetária (COPOM) em manter a taxa de juros oficial nas alturas, assegurando o vergonhoso título de campeão mundial no quesito por um longo período de tempo, que promete se estender ainda mais em 2016. A SELIC a 14,25% destrói a atividade econômica produtiva, explode as despesas financeiras do setor público e quase não contribui para reduzir a inflação. Não fosse essa uma razão suficiente para os ganhos bilionários da finança, o órgão regulador e fiscalizador do sistema também fecha os olhos para a prática de "spreads" abusivos e de tarifas elevadíssimas pelos serviços prestados à clientela. Ou seja, o Banco Central se comporta como um agente a mais do sistema, ao invés de proteger os elos mais fracos da cadeia e controlar o evidente abuso do oligopólio do financismo.

A passividade com que o governo tem tratado o dilema da economia impressiona os mais desacostumados a lidar com o tema. Afinal, chama a atenção essa insistência repetitiva do discurso oficial do “cortar, cortar e cortar”. O governo se mantém com o foco em reduzir os gastos na área social e despesas correntes e investimentos, como se a retomada dos investimentos dos empresários dependesse dessa crença metafísica num índice de superávit primário a ser atingido no resultado final das contas públicas.

Mudar o disco e dar a volta por cima.

Muito já se disse a respeito da falácia desse tipo de raciocínio. Os investimentos virão se houver recursos para serem investidos, se as taxas de juros forem suficientemente reduzidas para viabilizar os empreendimentos produzidos e se houver expectativa de vendas para obtenção de lucros. Simples assim. Com a economia descendo ladeira abaixo, o governo deve atuar de forma vigorosa para reverter as expectativas, mas exatamente na direção contrária do que vem fazendo até o presente momento.

No entanto, há algo mais preocupante do que a inevitável recessão a ser confirmada para o ano que se encerra no final do mês. Trata-se da continuidade da retração da atividade econômica também ao longo de 2016. Nesse caso, estaríamos frente a um quadro nunca dantes visto na história deste País: uma diminuição do PIB em dois anos consecutivos, fato nunca ocorrido desde que o IBGE começou a oferecer tais estatísticas oficiais.

Assim, a situação exige o reconhecimento dos equívocos cometidos até o momento e a necessidade urgente da mudança de rota. Esse é o caminho para manter acesa a chama da esperança e seguir com o sonho de construir um país justo e democrático. Afinal, como diz o samba de Paulo Vanzolini: 

Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima”


FONTE: escrito por Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal. Artigo publicado no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Austericidio-em-ritmo-de-ladeira-abaixo/7/35088).

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