Por Luciano Martins Costa, do "Brasileiros"
"Esse é um dos sintomas que denunciam a midiotice: a pessoa se considera a legítima herdeira da nacionalidade, apesar de, no íntimo e às vezes explicitamente, sonhar com um apartamento em Boca Ratón [Palm Beach, Florida].
O midiota é, antes de tudo, um fraco [e corrupto].
Quase sempre, emerge das fileiras nebulosas do contingente social que costuma ser chamado de “a maioria silenciosa”. Salta diretamente do estado de alienação política para o fervor do ativismo cego e raivoso, alimentado por manchetes dos grandes diários e pelo histrionismo dos apresentadores de telejornais.
Guarda muitas semelhanças com aquele perfil que, num dia de julho de 2013, a economista Marilena Chauí chamou de “uma abominação política”.
O desabafo da doutora, retirado do contexto original, ainda circula pelas redes sociais, suscitando comentários magoados de gente que se considera de classe média e, numa lógica transversa, se sentiu ofendida por suas considerações.
Esse é um dos sintomas que denunciam a midiotice: a pessoa se considera a legítima herdeira da nacionalidade, apesar de, no íntimo e às vezes explicitamente, sonhar com um apartamento em Boca Ratón. Também se julga "a mais autêntica representação da moral", apesar de nunca perder a chance de [corruptamente] lesar o fisco [assim se apropriando do dinheiro público dos impostos] ou de levar certa vantagem indevida quando a oportunidade se oferece.
[Segundo o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, o roubo do dinheiro público via sonegação ultrapassa R$ 500 bilhões a cada ano. Isso é anualmente 30 vezes maior do que já estimaram na Lava-Jato que tenha sido roubado no "petrolão" ao longo de 20 anos, desde o governo PSDB/FHC.
Esse roubo é feito por banqueiros, empresários, comerciantes, profissionais liberais, altos funcionários dos três poderes, enfim, por pessoas que se dizem "do bem", "pagadoras de impostos", "revoltados com tanta corrupção de Lula e Dilma".
Muitos, especialmente aqueles do 1% do topo, para reclamar do governo que estão famintos, sem comidas em suas panelas e estafados do grande esforço de fazer tanta sonegação, batem em suas panelas vazias em certas noites de lua e estreladas, fazendo plim, plim, plim em seus varandões na orla de Ipanema e Leblon. Essa triste, mas cômica cena recebe grande repercussão nos noticiários das TVs, também gigantescas sonegadoras. Nem Federico Fellini conseguiria produzir espetáculo tão interessante e bizarro.
São uns perfeitos midiotizados e corruptos].
A linha que conecta a “abominação política” identificada pela professora Chauí ao autêntico midiota foi traçada há 44 anos pelo sociólogo alemão André Gunder Frank, quando estudou o subdesenvolvimento da América Latina – o Brasil incluído – e cunhou o termo “lumpenburguesia”, para definir os cidadãos que desprezam tudo que é nacional e se projetam no universo de valores do colonizador [Não é indireta também para FHC e o PSDB em geral. É apenas coincidência].
Esse fenômeno, comum no nosso continente, se concentra nas classes médias urbanas, quando emulam as classes dominantes que, incapazes de articular um projeto nacional próprio e representativo, se transformam em agentes do interesse externo, em detrimento da nacionalidade.
Esse conjunto de valores pode ser percebido em grande número de articulistas, editorialistas e comentaristas onipresentes na mídia tradicional.
Por que o midiota é, antes de tudo, um fraco?
Porque foge da angústia inerente à complexidade da vida contemporânea: se a criminalidade assusta, passa a defender a pena de morte e a extensão da legislação penal aos menores de dezoito anos, esperando, com isso, que aqueles negrinhos que incomodam o bairro sejam devidamente exonerados da vida social.
Se os jornais noticiam o aumento dos crimes violentos, sai vociferando contra a Justiça, que coloca na rua os marginais reincidentes. Nem se dá conta de que a violência da própria polícia aumentou proporcionalmente mais do que aquela praticada por civis.
Também não estranha que a imprensa nunca aborda a questão da reincidência, que é, desde sempre, o eixo do controle da criminalidade, porque esse é um dado que não interessa aos estatísticos do Estado.
Se os ciclos do capitalismo o surpreendem num momento de realocação dos capitais internacionais, culpa o governo de plantão por todos seus aborrecimentos.
E assim segue, reduzindo ao simplismo linear tudo que pode dar um nó em sua cabeça.
Pensar dá trabalho. É mais cômodo sair por aí repetindo o que dizem os pitbulls da imprensa hegemônica, aqueles para os quais o idioma reservou a palavra energúmeno."
FONTE: escrito por Luciano Martins Costa, jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas”. Artigo publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/noticia/manual-do-perfeito-midiota-10-por-luciano-martins-costa). [Título e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política']
COMPLEMENTAÇÃO
Manual do perfeito midiota - 11
Por Luciano Martins Costa, jornalista, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade
Do "Brasileiros"
"O que mudou é que a mídia tradicional, que tinha entrado de cabeça na campanha eleitoral de 2010, ainda estava digerindo a derrota nas urnas
Vamos fazer um teste de midiotice?
Apanhemos um exemplar qualquer na pilha de jornais destinada à higiene do cachorro.
Então, temos em mãos a edição do "Estado de S. Paulo" da sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016. Diz a manchete: “Governo adia corte e agrava temor sobre política fiscal”.
Você comprou e levou a notícia pelo valor de face, certo? Afinal, você está convencido de que o Brasil só vai para a frente se o governo reduzir seus gastos.
Vejamos: a manchete se divide em dois tópicos – um deles, informação oficial, diz que o governo deixou para março a decisão sobre cortes no orçamento porque, em vez de simplesmente sair podando, encomendou à equipe econômica uma proposta mais ampla de reforma fiscal.
O outro tópico diz o seguinte: “(…e agrava temor sobre política fiscal)” – o que não é, sob nenhum critério aceitável, uma informação objetiva, pois o jornal não teve tempo de fazer uma pesquisa para chegar a essa conclusão.
Agrava temor de quem? – "Do mercado", diz o texto. Mas quem é “o mercado”? – Meia dúzia de três ou dois analistas de fundos de investimento que estão na agenda do repórter e de quem o jornalista fila uma boia de vez em quando.
Quer ver que coisa interessante? – Em 23 de fevereiro de 2011, a presidente Dilma Rousseff, iniciando seu primeiro mandato, tomou decisão semelhante. E os analistas escolhidos pelos jornais aprovaram o adiamento dos cortes, porque consideravam normal diante da perspectiva de um “aperto fiscal”.
Sabe o que mais? – Governadores e parlamentares pressionavam a presidente para que ela recriasse a CPMF, mas ela rejeitava a proposta.
O que é que mudou?
O que mudou é que a mídia tradicional, que tinha entrado de cabeça na campanha eleitoral de 2010, ainda estava digerindo a derrota nas urnas.
Passado o primeiro mandato, as empresas de comunicação engasgaram com a nova derrota e deram partida a uma aventura golpista no dia da posse.
Mas isso é outra história.
Voltemos à manchete citada: Você acha que o “mercado” deve ser o principal paradigma para a avaliação de decisões do governo no campo econômico?
Você, por exemplo, é “o mercado”? – Se não é, por que veste a camisa dessa entidade fantasmagórica que define a agenda da imprensa hegemônica?
Resposta: porque você é um midiota a caminho da perfeição.
Outra pauta: você soube da denúncia de uma ex-jornalista da TV Globo contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? A ex-repórter Mirian Dutra botou a boca no mundo, primeiro na publicação espanhola brazilcomz.com, e depois na Folha de S.Paulo, declarando, entre outras barbaridades, que FHC, suposto pai do seu filho, pagava suas despesas no exterior por meio de um contrato fictício de trabalho com uma empresa que explorava lojas em aeroportos brasileiros e tinha outros negócios com o setor público.
A história é saborosa. Seria uma fofoca das boas, quase um roteiro de novela mexicana, não fosse o seguinte detalhe: a empresa Brasif, cujo dono admite ter feito a intermediação, ganhou durante o governo FHC o direito de explorar o comércio isento de IPI e do Imposto de Importação no sistema free-shop. "Ganhou", porque nos aeroportos de São Paulo, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza ela não teve concorrentes.
Consegue fazer a conexão?
Agora, compare esse escândalo com as sucessivas manchetes sobre o bote de alumínio da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva.
Entendeu como a salsicha é feita?"
Para ler: Abrindo o bico, entrevista de Mirian Dutra à revista BrazilcomZ.
Para ler: Pulando a cerca, entrevista à colunista Mônica Bergamo.
FONTE da complementação: escrito pelo jornalista Luciano Martins Costa, mestre em Comunicação, com formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias sem Salvaguardas” (http://jornalggn.com.br/noticia/manual-do-perfeito-midiota-11-por-luciano-martins-costa).
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