terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O FASCÍNIO DE FHC PELO PODER E A AUTODESTRUIÇÃO DO MITO


         Resta a estátua em pedaços


Intelectuais e o fascínio do poder: o caso de FHC

Por Emir Sader, sociólogo e cientista político

"Diz-se que os intelectuais não resistem a qualquer nomeação para cargos de governo. Existem, na verdade, vários casos que poderiam exemplificar isso. Em geral, as consequências são desastrosas, para os intelectuais, nem sempre para os governos que se valem do seu prestígio.

O caso de Sergio Rouanet é típico. Surpreendentemente, pelo prestígio intelectual que tinha, aceitou ser Ministro da Cultura do governo de nada menos do que o Collor. E, se já não fosse um dano suficiente a seu nome como intelectual, esse ficou perenizado no nome de uma lei que privatiza a cultura no Brasil, deixando nas mãos dos financiadores privados os destinos de viabilizar ou não iniciativas culturais no país.

FHC é um caso a mais, porém muito significativo. Sua vaidade sempre o fez se aproximar do poder, para tentar encontrar um espaço. Esteve próximo de Darcy Ribeiro, no final do governo Jango, seu nome foi veiculado como possível reitor de uma universidade federal no ABC, nos moldes da Universidade de Brasília. Por precaução, FHC saiu do Brasil logo depois do golpe [ele, assim como José Serra, não foi exilado como propala; exilou-se]. No Chile, em seminários semanais, foi sendo elaborada a "teoria da dependência" mas eis que um dia FHC aparece com um livro com seu nome como autor [como fez anos depois querendo passar-se como autor do Plano Real]. Diante do protesto geral, ele colocou como co-autor o verdadeiro criador daquela versão da teoria da dependência, Enzo Faletto, conforme testemunha do mais importante intelectual centro-americano, Edelberto Torres Rivas, em longa entrevista que eu lhe fiz e publiquei na revista de Clacso – "Critica e Emancipação".

FHC atuava sempre no MDB, buscando se projetar, até que foi candidato a suplente de Montoro e assumiu [sem um único voto] como senador. Veio a candidatura a prefeito de São Paulo, com o desastrado resultado e a foto respectiva na "Folha" [sentou na cadeira de prefeito como vitorioso. Foi derrotado. O vencedor, Janio Quadros, em ato público, desinfetou a cadeira] . Foi marginalizado do Plano econômico do governo Sarney, tendo criticado a situação econômica do país na véspera do lançamento do plano. Ulysses o tinha lançado como candidato a ministro da educação no governo Sarney, mas também não vingou.

FHC capitaneou a entrada dos tucanos no governo Collor, de que Rouanet e Celso Lafer foram o primeiro grupo a ingressar. A resistência de Covas salvou os tucanos de naufragarem junto com o Collor. Se aproximaram então do Itamar, de quem FHC foi ministro de relações exteriores antes de ser chamado para colocar em pratica a retomada do projeto neoliberal do Collor em outros termos. FHC viu ai a possibilidade de voos mais altos, o que conseguiu com a candidatura à presidência.

FHC nunca vinculou sua obra teórica à sua atividade politica. Mas sua visão do corporativismo da burguesia brasileira apontava ja para a necessidade de que se aliasse de maneira subordinada ao capitalismo internacional. E sua teoria do autoritarismo continha explicitamente uma visão neoliberal da ditadura e da democratização.

Mas sua vaidade característica estava acima de qualquer teoria ou objetivo politico. Era o poder o que o fascinava e dele fez uso da forma mais abusiva. Chamando a direita para governar com ele, tendo a ACM como seu interlocutor e a Luis Eduardo Magalhães como seu sucessor. Fustigou a esquerda – o PT, Lula, a CUT, o MST -, com ironia e sarcasmo, o mesmo que utilizou contra os servidores púbicos, os professores e os aposentados.

Cultivou o charme em relação à mídia – especialmente a jornalistas – e à intelectualidade e políticos paulistas, cujo encanto atraiu a ex-comunistas e a donos da mídia, tanto da "Folha", como da "Veja", do "Estadão'"que o tinham como seu ídolo e tábua de salvação contra a esquerda.

Cultuava o desprezo com os outros políticos tucanos, especialmente com o Serra, que sempre teve um complexo de inferioridade e rancor com o FHC. Intelectuais de São Paulo, que achavam que ocupariam cargos importantes no governo de FHC, foram totalmente desconhecidos. Assim, FHC foi cultuando rancores contra ele, que mais tarde fariam dele o politico mais odiado do Brasil.

FHC saiu muito desgastado do governo, sabia que não elegeria seu sucessor, no fundo gostou do fracasso do Serra. Ele seria o único presidente tucano, como resultado do fracasso do seu governo. Mas gozaria desse privilegio, colocando-se sempre por cima de todos os outros tucanos. Mario Covas sofre uma derrota vergonhosa em 1989, mas seria o candidato dos tucanos, não fosse sua doença e morte. FHC se aproximou de Itamar para se propor como seu ministro e a partir dai conseguiu chegar ao que sempre ambicionou: a presidência.

A partir dai não tinha mais o que ambicionar, dedicou sua vida a tentar evitar que Lula tivesse o sucesso, dentro e fora do Brasil, que ele não teve. Dai a dedicação dele a politicas golpistas, quando foram perdendo sucessivamente as eleições contra o PT. Essa a maior amargura dele.

Até que o caso da sua relação com a Mirian veio à luz, depois de escondido da Ruth Cardoso, com a conivência da mídia. Ele esperou a morte da Ruth para assumir publicamente o filho, em meio a conflitos com seus filhos, que o obrigaram a fazer os dois DNA [Míriam Dutra duvidou dos estranhos resultados do DNA].

Mas no plano pessoal tudo parecia sob controle para FHC, casado com sua secretária [quase 50 anos mais jovem], com [bilionárias] propriedades pessoais que lhe permitem vida luxuosa, até que a Mirian resolveu contar a verdadeira versão do caso com ele. Afetou o amago do orgulho pessoal de FHC. Caiu do pedestal de homem acima das picuinhas, para cair na boca do povo, da pior maneira possível. Entre envio escondido de pagamentos ao exterior [via paraíso fiscal], empresa nas Ilhas Cayman, referências depreciativas a sua esposa, Ruth, entre tantas outras coisas, sua imagem desmorona como uma estátua que se estatela no solo e se parte irremediavelmente em mil pedaços.

O intelectual que ambicionou o poder, que o conquistou, que o usou da forma mais discricionária possível, que jogou no lixo sua carreira acadêmica para tentar se projetar como estadista, mas terminou derrotado politicamente pelo Lula, impotente para promover golpes e, finalmente, ferido de morte na sua vaidade, pela revelação do homem hipócrita que ele sempre foi. Se fecha assim sua biografia publica e privada, da pior maneira possível para ele."

FONTE: escrito por Emir Sader, sociólogo e cientista político. Publicado no portal "Brasil 247"   (http://www.brasil247.com/pt/blog/emirsader/217973/Intelectuais-e-o-fasc%C3%ADnio-do-poder-o-caso-de-FHC.htm). [Título, imagem e trechos entre colchetes acrescentados por este blog 'democracia&política'].

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