quinta-feira, 21 de abril de 2011

Delfim Netto: “GRADUALISMO”


“Estamos num momento interessante. De um lado, existe otimismo moderado do governo com relação à possibilidade de manter a inflação sob controle, fazê-la retornar a 4,5% no final de 2012 e conseguir crescimento médio do PIB em torno de 4,5% no biênio 2011-12. De outro, há pessimismo exagerado de alguns analistas do mercado financeiro. Estaríamos às portas de profundo desarranjo fiscal e de perda completa da ancoragem da expectativa da taxa de inflação.

O primeiro diagnóstico sugere política econômica cuidadosa e vigilante para acomodar razoável crescimento com aumento da inclusão social.

O segundo diagnóstico prescreve ação drástica: choque monetário para recuperar a "credibilidade" do Banco Central, supostamente perdida em 2010. Os dois têm custos e riscos sociais e políticos muito diferentes e é natural que o poder incumbente procure minimizá-los.

O segundo diagnóstico é apoiado numa visão que não corresponde à realidade que estamos vivendo.

Quando se analisa o que ocorre no mundo e se compara com o que nos acontece, verificamos que a situação fiscal (déficit nominal e relação dívida/ PIB), mesmo não sendo a que gostaríamos, está longe de ser um desastre, e que a nossa taxa de inflação batendo no teto de tolerância da "meta" não está mais fora de controle do que a de qualquer outra do mundo emergente.

Um dramático choque fiscal e significativo aumento da taxa de juro real (já a maior do mundo e três vezes maior do que a do segundo colocado) poderia nos levar de volta à recessão. Não tenhamos ilusões.

É impossível "calibrar" os efeitos de tal choque. Uma vez iniciado, ele se incorporará às expectativas dos trabalhadores que, com o risco de perderem seus empregos, cortarão seu consumo, e dos empresários que, com medo de perderem o equilíbrio de suas finanças, reduzirão a produção e adiarão seus investimentos.

Quem "calibra" para reduzir o crescimento a 3% poderá acabar reduzindo-o para -1%.

Diante desses riscos, é claro que a estratégia cuidadosa do governo parece muito melhor: reduzir o crescimento real das despesas de custeio para ficar abaixo do crescimento provável do PIB e, além da manobra dos juros, introduzir medidas macroprudenciais para colaborar no ajuste da demanda.

Quando o Banco Central alonga o período da política monetária e aceita a possibilidade da taxa de inflação superar momentaneamente a "meta", ele não está desistindo do combate à inflação.

Está apenas tentando reduzir os custos sociais e políticos do ajuste necessário. Se não atingir o objetivo, poderá mudar a ênfase dos seus instrumentos e pagará um pouco mais caro por isso.”

FONTE: escrito por Antonio Delfim Netto e publicado na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2004201106.htm) [imagem do Google adicionada por este blog].

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