segunda-feira, 16 de março de 2009

A INTELIGÊNCIA DE ESTADO NO BRASIL

O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Jorge Armando Felix. O autor é economista, general e atual ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

A atividade de inteligência de Estado não deve ficar restrita ao âmbito do comitê ministerial criado, mas deve interessar a toda a sociedade

“O Presidente da República, acolhendo proposta do Gabinete de Segurança Institucional, assinou, no dia 18 de fevereiro de 2009, um decreto instituindo o comitê ministerial para a elabora- ção da Política Nacional de Inteligência e Reavaliação do Sistema Bra- sileiro de Inteligência.

O Sisbin, depois de debatido e aperfeiçoado por mais de dois anos no Congresso Nacional, foi instituído pela lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, com o objetivo de articular e coordenar a ação dos vários órgãos produtores de conhecimento e dados do interesse da atividade de inteligência. Os órgãos então existentes atuavam ou de forma dispersa, ou integrados em sistemas setoriais não conectados externamente.

No mesmo texto legal, foi criada a Agência Brasileira de Inteligência como órgão central do sistema.

O espírito da citada lei era o de criar um serviço de inteligência serventuário do Estado democrático de Direito, que teria por finalidade centralizar e coordenar toda a atividade no país e que estaria sempre sujeito a formas de controle externo -até então inexistentes. Assim, manifestava-se a preocupação em dotar o Estado de instrumento moderno de assessoramento ao processo de tomada de decisões em seu mais alto nível, igualmente capaz de assinalar ameaças às instituições e à sociedade, sempre sob o controle dessas instituições.

O fim do século 20 assistiu ao desaparecimento das poucas quimeras ainda remanescentes da Guerra Fria.

Em seu lugar, surgiram outras formas de ameaça, igualmente sérias, como a protagonizada pelo crime transnacional, em suas várias modalidades, incluindo o terrorismo. A espionagem em suas diferentes formas, cada vez mais presente na medida em que o país se consolida como potência, tem hoje como alvos a agropecuária, a biotecnologia, o petróleo, o programa espacial, os insumos para a saúde, o gás natural e a energia nuclear, entre outros. Destacam-se, também, possíveis ações de sabotagem e atividades clandestinas de proliferação de armas de destruição em massa.

Nesse cenário, surgem atores como Estados, indivíduos, organismos e entidades que tentam, por um lado, violar sistemas de informações -públicos e privados- de interesse nacional; por outro, ameaçar os interesses brasileiros, no país ou no exterior.

Além disso, há grupos e indivíduos que colocam em risco a integridade física, os direitos e as garantias dos cidadãos, as instituições democráticas e o patrimônio público.

Assim, parece lógico merecerem reavaliação o Sisbin e a Abin, tornando possível a incorporação de inovações que lhes permitam melhor eficiência e agilidade. O Sisbin passaria a atuar como um sistema de sistemas, sempre obedecendo aos princípios de autonomia, integração e complementação que o presidem. Outro objetivo do comitê ministerial, a elaboração da PNI (Política Nacional de Inteligência), encontra-se previsto na lei de criação do Sisbin.

É uma iniciativa necessária para bem definir o foco da atividade de inteligência, orientando-a para atender os interesses do Estado brasileiro.

Por fim, resulta evidente que a discussão do papel da inteligência provoca indagações ainda mais profundas, que devem preceder a elaboração da PNI. Incumbe definir o papel que o Brasil -como potência regional, economia emergente, aspirante a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e ativo "global player"- pretende desempenhar no cenário de recuperação pós-crise econômica, possivelmente avançando para posições surgidas com o deslocamento de atores que vêm cedendo espaço na cena internacional.

Trata-se, portanto, não só da definição de papéis a serem representados como também das ações correspondentes a esses papéis. A indeclinável opção por maior protagonismo -uma obrigação inerente à estatura do nosso país- deve compreender um necessário aperfeiçoamento da capacidade do sistema de inteligência e dos órgãos que o compõem.

A atividade de inteligência de Estado, por ser instrumento essencial para a preservação das instituições democráticas e para a defesa dos mais altos interesses nacionais, não deve ficar restrita ao âmbito do comitê ministerial criado, mas deve interessar a toda a sociedade, principalmente em termos de uma ampla discussão sobre qual o tipo de serviço de que necessita e o quanto está disposta a investir para consegui-lo.”

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