O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Jorge Armando Felix. O autor é economista, general e atual ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
“A atividade de inteligência de Estado não deve ficar restrita ao âmbito do comitê ministerial criado, mas deve interessar a toda a sociedade “
“O Presidente da República, acolhendo proposta do Gabinete de Segurança Institucional, assinou, no dia 18 de fevereiro de 2009, um decreto instituindo o comitê ministerial para a elabora- ção da Política Nacional de Inteligência e Reavaliação do Sistema Bra- sileiro de Inteligência.
O Sisbin, depois de debatido e aperfeiçoado por mais de dois anos no Congresso Nacional, foi instituído pela lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, com o objetivo de articular e coordenar a ação dos vários órgãos produtores de conhecimento e dados do interesse da atividade de inteligência. Os órgãos então existentes atuavam ou de forma dispersa, ou integrados em sistemas setoriais não conectados externamente.
No mesmo texto legal, foi criada a Agência Brasileira de Inteligência como órgão central do sistema.
O espírito da citada lei era o de criar um serviço de inteligência serventuário do Estado democrático de Direito, que teria por finalidade centralizar e coordenar toda a atividade no país e que estaria sempre sujeito a formas de controle externo -até então inexistentes. Assim, manifestava-se a preocupação em dotar o Estado de instrumento moderno de assessoramento ao processo de tomada de decisões em seu mais alto nível, igualmente capaz de assinalar ameaças às instituições e à sociedade, sempre sob o controle dessas instituições.
O fim do século 20 assistiu ao desaparecimento das poucas quimeras ainda remanescentes da Guerra Fria.
Em seu lugar, surgiram outras formas de ameaça, igualmente sérias, como a protagonizada pelo crime transnacional, em suas várias modalidades, incluindo o terrorismo. A espionagem em suas diferentes formas, cada vez mais presente na medida em que o país se consolida como potência, tem hoje como alvos a agropecuária, a biotecnologia, o petróleo, o programa espacial, os insumos para a saúde, o gás natural e a energia nuclear, entre outros. Destacam-se, também, possíveis ações de sabotagem e atividades clandestinas de proliferação de armas de destruição em massa.
Nesse cenário, surgem atores como Estados, indivíduos, organismos e entidades que tentam, por um lado, violar sistemas de informações -públicos e privados- de interesse nacional; por outro, ameaçar os interesses brasileiros, no país ou no exterior.
Além disso, há grupos e indivíduos que colocam em risco a integridade física, os direitos e as garantias dos cidadãos, as instituições democráticas e o patrimônio público.
Assim, parece lógico merecerem reavaliação o Sisbin e a Abin, tornando possível a incorporação de inovações que lhes permitam melhor eficiência e agilidade. O Sisbin passaria a atuar como um sistema de sistemas, sempre obedecendo aos princípios de autonomia, integração e complementação que o presidem. Outro objetivo do comitê ministerial, a elaboração da PNI (Política Nacional de Inteligência), encontra-se previsto na lei de criação do Sisbin.
É uma iniciativa necessária para bem definir o foco da atividade de inteligência, orientando-a para atender os interesses do Estado brasileiro.
Por fim, resulta evidente que a discussão do papel da inteligência provoca indagações ainda mais profundas, que devem preceder a elaboração da PNI. Incumbe definir o papel que o Brasil -como potência regional, economia emergente, aspirante a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e ativo "global player"- pretende desempenhar no cenário de recuperação pós-crise econômica, possivelmente avançando para posições surgidas com o deslocamento de atores que vêm cedendo espaço na cena internacional.
Trata-se, portanto, não só da definição de papéis a serem representados como também das ações correspondentes a esses papéis. A indeclinável opção por maior protagonismo -uma obrigação inerente à estatura do nosso país- deve compreender um necessário aperfeiçoamento da capacidade do sistema de inteligência e dos órgãos que o compõem.
A atividade de inteligência de Estado, por ser instrumento essencial para a preservação das instituições democráticas e para a defesa dos mais altos interesses nacionais, não deve ficar restrita ao âmbito do comitê ministerial criado, mas deve interessar a toda a sociedade, principalmente em termos de uma ampla discussão sobre qual o tipo de serviço de que necessita e o quanto está disposta a investir para consegui-lo.”
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