Li hoje no blog “Óleo do Diabo”, de Miguel do Rosário, o seguinte texto de João Villaverde:
“A partir dos anos 80, no longo processo de reforma do modelo varguista de desenvolvimento no Brasil, uma das ideias defendidas com mais ênfase era a privatização da telefonia. Essa ideia foi ganhando massa crítica entre os acadêmicos - majoritariamente de Economia e Administração do eixo Rio-São Paulo - que retornavam com mestrados e doutorados de escolas americanas. Por aqui, esses intelectuais passaram a ocupar cada vez mais espaços estratégicos.
Aos poucos ocuparam a imprensa, ora como fonte, mais à frente como articulistas. Depois, passar a altas posições em grandes empresas. Finalmente, foram ocupando espaços executivos no governo. Nos anos 90, seguindo um processo que se dava em toda a América Latina, o discurso de "inserir o país na modernidade, enxugando o Estado, fortalecendo a iniciativa privada" foi colocado em prática.
A ideia de privatizar a telefonia foi então colocada em prática.
O objetivo do modelo privatizado, conforme se apregoava, seria obter a universalização do acesso às telecomunicações (basicamente, ao sistema de telefonia), por meio de empresas concessionárias que operariam em um mercado concorrencial e competitivo.
Adicionalmente, não se deveria esquecer de assegurar o desenvolvimento industrial e tecnológico do país. O argumento principal era de que a concorrência iria conduzir à universalização, sem prejuízo para o desenvolvimento industrial e tecnológico.
Para verificar se todo esse discurso bonitinho valeu a pena ou não é preciso, portanto, medir o que foi alcançado em temos de universalização, competição e desenvolvimento industrial.
Pois hoje, segunda-feira 02 de março, a seguinte nota publicada na Folha Online exemplifica um pouco todo aquele processo de passar os serviços de telecomunicação das mãos do Estado para as mãos das empresas privadas. A matéria pode se lida clicando aqui.
A ONU divulgou hoje estudo que apresenta informações sobre os serviços de telefonia e internet em 150 países. O Brasil aparece entre os 40 em que o uso de telefones fixos e celulares consome a maior fatia da renda per capita.
Tomando como referência o preço de um pacote básico, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) chegou à conclusão de que o uso do celular no Brasil é um dos mais caros, consumindo o equivalente a 7,5% da renda média per capita do país. Numa escala crescente de custo, o país ocupa a 114ª posição. A telefonia fixa morde uma fatia menor da renda do brasileiro (5,9%), mas também coloca o país entre os últimos, no 113º lugar.
A internet de banda larga, considerada pela UIT importante ferramenta para o desenvolvimento econômico, tem um preço elevado no Brasil. De acordo com o estudo, seu custo mensal equivale a 9,6% da renda média per capita brasileira. E lembrem-se, na momento da reflexão, que nossa renda é baixa. Somos um país de Terceiro Mundo, bom lembrar. Essa realidade foi totalmente ignorada quando se passou os serviços de telecomunicações para mãos privadas.
Em seu seminal "A Lógica do capital-informação", o pesquisador Marcos Dantas, doutor em Engenharia da Produção pela Coppe-UFRJ, foi enfático: "o modelo que se construiu e tentou implantar nas telecomunicações brasileiras está errado. Está errado porque ignorou a realidade. A conhecidíssima má distribuição de renda brasileira foi completamente ignorada na hora em que o governo Fernando Henrique Cardoso definiu as características básicas do seu modelo para as telecomunicações".
Qualquer análise isenta e desinteressada apontaria para a incapacidade (sem falar na falta de vontade) de o investimento privado lograr superar nossas barreiras de renda, liderando assim um programa destinado a democratizar a telefonia no Brasil.
"A experiência internacional anterior a 1998 (quando se deu a privatização da Telebrás no Brasil) permitia afirmar que em nenhum lugar do mundo a concorrência democratizou as telecomunicações. Pelo contrário: nos (poucos) países onde a telefonia fora de fato universalizada, isso ocorreu por meio de monopólios públicos. Mais: antes dos leilões da Telebrás, também se sabia muito bem que o espaço para a concorrência nas telecomunicações se limita, quando muito, ao chamado mercado corporativo e ao familiar de alta renda. O governo dispunha de levantamentos feitos por empresas de consultoria contratadas pelo BNDES, confirmando que o mesmo se repetiria no Brasil. "
Não há pois surpresa no fato de a concorrência não ter vingado no conjunto do setor. Aliás, nada relacionado a péssima experiência de telefonia privada no Brasil deveria surpreender.
Ao contrário. Deveria fazer pensar.”
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