Por Marcelo Gleiser
“O bóson de Higgs, às vezes chamado de 'partícula
de Deus', tem o destino do Universo em suas mãos
Como se já não bastasse a confusão causada quando
chamam o bóson de Higgs de "partícula de Deus", eis que,
recentemente, a mesmíssima partícula voltou à berlinda, agora como profeta do
fim.
Isso mesmo, leitores, o destino do Universo está
nas mãos dessa partícula ou, mais precisamente, no valor de sua massa.
Tudo começa na cozinha, que é um excelente
laboratório. Como sabemos, as propriedades de uma substância, como a água,
dependem de sua temperatura: muito fria, a água congela; muito quente, evapora.
Essas mudanças são conhecidas como transições de fase.
Surpreendentemente, o próprio Universo -ou a
matéria- nele-passou por ao menos uma ou duas transições de fase. E talvez
possa passar por mais uma.
A história cósmica começa no “Big Bang”, que marca
o início do tempo. Logo após o "bang", o espaço começou a crescer
feito um balão, e a matéria nele se resfriou.
Voltando à cozinha, vemos que a expansão do
Universo funciona como uma geladeira, fazendo a temperatura baixar. Será que a
matéria cósmica também pode passar por uma transição de fase?
Sabemos que sim. Logo no início, a temperatura era
tal que as partículas não tinham massa. A única que tinha era o “Higgs”, mas
ele não interagia com as outras partículas.
Quando a temperatura foi baixando, o “Higgs” passou
a interagir com as partículas com maior intensidade, dando-lhes massa. Esse
processo é uma transição de fase que ocorreu quando o Cosmo tinha um
trilionésimo de segundo.
Em julho do ano passado, cientistas do laboratório
europeu de partículas CERN (onde estarei durante toda a semana -podem esperar
algo para domingo que vem) descobriram uma partícula com toda a cara do “Higgs”.
Ainda não temos certeza se é o mesmo “Higgs” que dá massa para todo mundo, mas
tudo indica que sim. O problema é a massa dele, que é entre 124 e 126 vezes
maior do que a do próton.
Dependendo da massa do “Higgs”, o Universo pode
passar por outra transição de fase, como a água, que pode ir do estado gasoso
ao líquido e do líquido ao sólido.
Se isso for verdade, estaríamos na fase líquida e
poderíamos cair na fase sólida. Quando muda a fase -por meio do surgimento de
bolhas da fase nova na fase antiga-, muda toda a física e não sobra ninguém
para contar essa história. Seria o fim do Universo, ao menos como o conhecemos
hoje.
Antes de causar pânico total, algumas boas novas.
Os cálculos indicando que a massa do “Higgs” é próxima da que causa a
instabilidade baseiam-se na suposição de que nenhuma nova física (outras
partículas ou forças) aparece até as energias vigentes perto do “Big Bang”.
Possível, mas pouco provável. Também dependem de valores muito precisos das
massas de certas partículas, que ainda contêm erros. Os mesmos cálculos indicam
que o tempo para que o Universo mude para a nova fase é de bilhões de anos.
Resumindo, a possibilidade de transição existe, mas
nada é conclusivo e, se ocorrer, deve demorar.
Na semana que vem, falarei com os físicos
responsáveis pelo cálculo para ver se têm algo novo. Talvez eu mesmo adicione
algo à conta, quem sabe ajudando a salvar o Universo.”
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser e
publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/95295-a-particula-profeta-do-apocalipse.shtml).
[Imagem do Google adicionada p[or este blog
‘democracia&política’].
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