Por Rodolpho Motta Lima`, NO “Direto da Redação”
“Pode parecer redundante
(e, cá para nós, é mesmo) a
insistência com que esta coluna se refere aos temperos e destemperos da mídia
global ao tratar da matéria política em nosso país. Além das inúmeras razões já
exaustivamente expostas para essa insistência, a verdade é que ela também tem
motivos históricos. A vantagem dos cabelos grisalhos (se é que existe) é que aquele que os detém pode falar daquilo que
vivenciou, que testemunhou.
Nos tempos da ditadura,
presenciei a sustentação que essa mídia deu ao regime militar da repressão, dos
assassinatos e das torturas. De lá para cá, lembro-me de muitos episódios
antidemocráticos em que ela se envolveu e não é por acaso que, no ambiente da
internet, já esteja carimbada como um dos componentes da sigla PIG (Partido da
Imprensa Golpista). Quer alguns deles? Pesquise o caso da PROCONSULT, a edição [pró-Collor,
pela “Globo”] do debate Lula x Collor, o episódio da “bolinha de papel” do
Serra...
Essa apregoada hegemonia
de audiência deveria trazer consigo responsabilidades com o povo que a
sustenta. Não é assim, porém, que a banda toca e, lamentavelmente, em nome dos
interesses neoliberais valem todos os recursos para iludir, desinformar,
alienar, suprimindo-se a importância daquilo que não interessa destacar e
conferindo relevo desproporcional a tudo que ajuda a construir uma não
disfarçada plataforma político-ideológica. Um verdadeiro partido, mas que dispõe
de meios inacessíveis a qualquer organização partidária, com a vantagem de que
não se submete a eleições e praticamente fala sozinho...
Mas esse quadro
monopolista nefasto, se bem analisado, deixa nu algo que se tenta enfaticamente
negar ou esconder: não morreram as
ideologias e, queiramos ou não, todos somos tendentes, em nossa visão do mundo,
a trilhar caminhos em que o coração nos leva para a esquerda ou para a direita.
Se a queda do muro [de
Berlim] e a própria globalização constituíram “vitórias” da direita – chegando-se a apregoar, então, um mundo
ideologicamente unificado - , não demorou muito para que essa fosse uma
vitória de Pirro, a julgar pelas crises que o nada civilizado capitalismo vem
impondo ao mundo. Voltam a ser discutidas alternativas a esse sistema que, no
fundo, busca perpetuar elites dominantes e fortíssimas corporações financeiras.
As massas estão indo às ruas com movimentos de ocupação para defender valores
sociais e exigir a representação de seus autênticos interesses. Não é por acaso
que, na América Latina, proliferam, hoje, governos nitidamente de esquerda,
eleitos pelo povo, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Uruguai etc . E
mesmo aqui, apesar de certa despersonalização ideológica, fruto da funesta
“governabilidade” que impõe a participação dos Sarneys, dos Calheiros e outros
do gênero .
Voltando à mídia e seus
desígnios, saúdo o texto de Mário Augusto Jakobskind sobre a vinda da blogueira
cubana Yoáni Sánchez ao Brasil , e endosso por inteiro o que ali se contém. Na
tentativa de dar à discutida personagem um destaque que ela não tem, fazem isso
com tal estardalhaço que, é claro, acabam por provocar reações cujo acerto nem
quero discutir, fruto do inconformismo dos que enxergam nessa farta cobertura o
mesmo jeito unilateral e manipulador de sempre, onde o contraditório não se
manifesta. Afinal, há muitos cubanos que poderiam vir ao Brasil para falar bem
do seu país. E se alguém quiser argumentar que estariam “a serviço do regime castrista”, é claro que podem também valer os
argumentos dos que acham que Yoáni está a serviço de outras entidades... Se “O
Globo” pode intitular os manifestantes contrários à cubana de componentes de
uma “minoria histérica” – usando o
recurso de sempre, de se valer de “especialistas” colhidos a dedo - é
evidente que a direita pode esperar retaliações e qualificações pouco nobres
para os seus representantes, e é óbvio que nem todas serão controladas pelos
gritos do Senador Suplicy. É o confronto entre direita e esquerda em plena
atividade...
Um detalhe significativo
que, embora pareça insignificante, torna óbvia a luta ideológica que se trava
em nosso país. Na edição de quarta-feira, dia 20.02, o Jornal “O Globo” – repetindo o que fizera o “Jornal Nacional”
no dia anterior – dedica espaço bem maior às escaramuças que envolveram a
cubana do que ao pronunciamento da mais importante de nossas mulheres, a
Presidenta Dilma, sobre as últimas medidas que buscam a extinção da miséria no
país. Nada mais emblemático: Cuba é,
historicamente, muito mais um problema para os americanos do que para nós.
Afinal, é uma ilhazinha que ousou enfrentar o império do Norte e que, ao longo
de mais de 50 anos, jamais permitiu ao poderoso vizinho – mesmo com a vergonhosa Guantánamo em suas entranhas – promover a
volta do antigo sistema de quintal.
O nosso problema,
imensamente maior, é mesmo a desigualdade, que cerca de indignidade a
existência de milhões de brasileiros miseráveis. Ao privilegiar Yoáni em
relação a Dilma, os globais deixam bem claras suas posições, seus interesses,
seus compromissos, suas posturas de direita que transcendem o ambiente
nacional. E robustecem as teses de quem considera que é preciso mudar esse
panorama midiático, o mais urgentemente possível. Quanto à dicotomia esquerda x
direita, está mais evidente do que nunca. No fundo, além dos racionais aspectos
econômicos, ela reflete a forma como cada um se sente, a direção para a qual
cada coração aponta. O meu, por exemplo, volta-se assumidamente para a esquerda
e, a esta altura, nem penso em mudar-lhe o rumo. Ele vai muito bem assim,
obrigado...”
FONTE: escrito por Rodolpho
Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga
Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro,
formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro.
Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento
estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Artigo publicado no site
“Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/esquerda-caminho-do-coracao). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].
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