Paulo Moreira Leite concede entrevista coletiva a blogueiros, sobre seu livro "A outra história do Mensalão"
Por Vanessa Silva, para o “Portal Vermelho”
Durante o lançamento do seu livro “A outra história do Mensalão – As contradições de um julgamento político”, o jornalista, que foi diretor da revista “Época” e redator-chefe da “Veja”, versou sobre as incômodas verdades do processo, a necessidade de democratizar a mídia e suas motivações pessoais para a prática do jornalismo.
O lançamento foi realizado com uma coletiva de imprensa para blogueiros, promovida pelo “Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé”, em parceria com a “TV dos Trabalhadores” (TVT) e a “Editora Geração”, com transmissão ao vivo pela internet. A “Geração Editorial” também publicou o best-seller “A Privataria Tucana”.
OS MELHORES MOMENTOS DA COLETIVA:
CONDENAÇÕES SEM PROVAS
“Eu resolvi fazer o livro depois que vi que terminou o julgamento e havia insatisfação muito grande com a falta de informações. Vi que, na medida em que eu fazia os artigos no site da Época, eu tinha uma resposta muito grande. Descobri as verdades incômodas desse julgamento quando fiz um trabalho sério como repórter, falei com pessoas que tinham investigado a denúncia do Ministério Público e da própria Polícia Federal. Então, percebi que o que foi apresentado não é o que foi concluído tecnicamente.
O caso básico é o dos empréstimos do Banco Rural ao PT. A denúncia é que eram uma fraude, que não existiam. Essa questão é base para condenar gente do Banco Rural e também o José Genuíno. Para a minha surpresa, a Polícia Federal viu que os empréstimos foram assinados, caíram na conta e depois foram usados para saldar dívidas reais do PT. A justiça condicionou como esses empréstimos seriam pagos e eles finalmente foram pagos. Os empréstimos são reais, não são fraudulentos.
CRIMINALIZAÇÃO DA ATIVIDADE POLÍTICA
O discurso que vem sendo utilizado é de criminalização da prática política. Não se debate que as eleições são disputadas de forma democrática e que nossa democracia precisa ser aperfeiçoada e nunca dispensou o “Caixa 2”, por exemplo.
O próximo passo agora, seguramente, é incriminar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Temos pessoas que foram condenadas a mais de 40 anos – mais que a Suzana Von Richthofen, que matou o pai e a mãe em 2002 –; então, abriu-se uma situação que não sabemos até onde vai. Eu acho que os precedentes que esse julgamento abriu são preocupantes. Temo que esse precedente comece a ser utilizado para criminalizar os trabalhadores.
O que achei ainda mais preocupante foi o fato de o Supremo ter deliberado sobre o mandato dos deputados condenados. A Constituição é clara e reserva para a Câmara a deliberação sobre o mandato dos deputados e para o Senado o de senador. Isso me parece uma coisa que afeta a divisão de poderes, pode ter consequência política muito grande, porque temos um órgão que não é eleito pelo povo, um poder cuja fonte de poder não está no voto popular e toma medidas sobre a decisão do povo. Isso, para mim, é muito sério.
ARTICULAÇÃO DE UM GOLPE
Acho que estamos assistindo a uma situação na qual é preciso entender que aquelas pessoas que foram derrotadas em 2002, 2006, 2010 e 2012 chegaram a um ponto em que elas consideram insuportável. Então, estão irritadas, com ódio, estão procurando de todas as maneiras derrotar todo esse processo. E são adversários que desaprenderam a ganhar pela via democrática. Eles sequer têm candidato a presidente para 2014.
Então, acho que estão tentando criar um clima… Aquilo que essa burguesia educada brasileira aceitava, já não aceita mais. Mesmo as concessões que Lula fez, modestíssimas muitas delas, se tornaram insuportáveis. Isso cria um ambiente em que tudo é motivo para o achincalhe, para a desmoralização. Tem colunistas que leio que parecem Mussolini, tamanho o ódio, tamanha a raiva. Essas pessoas não estão lidando com parceiros, não estão aprendendo a lidar com a democracia. Estamos vivendo uma situação em que tem parte das forças de oposição ao governo que não estão lidando com o jogo democrático, que supõe ter que aceitar uma derrota. Acho realmente isso preocupante, mas não acho que estejamos na iminência de um golpe, justamente porque há muito apoio popular e a memória do povo está forte.
REFORMA JUDICIAL
Não acho que seja possível uma reforma judicial nos moldes que alguns países da América Latina estão realizando. Para mim, esse debate é igual à questão do terceiro mandato de Lula. Depois dessa derrota [para os setores governistas, com o caso do “mensalão”], não dá para propor isso.
O ERRO O PT
A partida não está perdida, como ficou demonstrado na eleição de 2012, quando, em pleno julgamento, quando foi votada a condenação de Dirceu e Genuíno, Lula carregou a vitória nas costas de modo inesquecível. Mas vamos pensar: no momento em que houve a denúncia do “mensalão”, ela teve mais credibilidade porque muitas pessoas falaram em refundar o PT, falaram que não reconheciam aquele partido… Não quero criminalizar ninguém, mas muita gente não estava entendendo o que estava acontecendo e não recebeu explicação suficiente na hora certa. Lula ganhou essa questão na política quando, em 2006, houve a tentativa de emparedá-lo. Mas quando veio o debate jurídico, muitas pessoas estavam desarmadas.
MENSALÃO MINEIRO x PETISTA
O que está em questão nesse debate entre as diferenças entre os dois julgamentos é que ninguém acha que o Eduardo Azeredo é um lutador do povo brasileiro semelhante a Genuíno e Dirceu. Ele não tem essa ligação com a história. O que está em discussão aqui transcende um pouco. Implica em dar golpe em um movimento histórico do povo brasileiro, que produziu líderes, que produziu expressões. E que não por acaso foram pessoas perseguidas pela ditadura, foram pessoas torturadas, que foram reprimidas, que tiveram seus direitos desrespeitados antes e depois da democracia. Porque estamos falando de pessoas que realmente têm uma ligação com a história. Por isso, esse ato que não terá reparação.
Estão cometendo grande injustiça e que terá consequências. O PSDB quer tirar o Azeredo do partido para não atrapalhar eleitoralmente. Enquanto que o debate aqui envolve a história do Brasil. O mesmo Tribunal que não quis julgar a tortura sofrida por Genuíno, depois o condena. Na boa: politicamente será que isso não quer dizer nada?
POSICIONAMENTO DA MÍDIA
A mídia expressa outra força. Tem interesses de classe, de manutenção de uma ordem. Por isso, o outro lado da sociedade tem que ter uma mídia; é preciso democratizar a comunicação. Ela tem que ter seu veículo próprio, que expresse seu ponto de vista, organize seus eleitores. Se aplicássemos o que a Constituição diz, acho que bastaria para regulamentar a comunicação. Mas é péssimo momento para fazer isso na medida em que, economicamente, as empresas de mídia estão afundando.
A PRÁTICA JORNALÍSTICA
Eu nunca quis ser jornalista para ficar rico. Sabe aquela coisa: vamos ser jornalista para ajudar o mundo a ficar melhor, que todo mundo acha bobo? Eu não acho. Acho legal, acho bacana.
Eu não tenho medo das consequências da denúncia que estou fazendo. Estou conquistando uma coisa chamada liberdade e isso não tem preço. Fiz este livro e isso é bacana. Para quê eu queria ser jornalista? Porque eu achava bacana.
SERVIÇO:
Livro: “A outra história do Mensalão – As contradições de um julgamento político”
Autor: Paulo Moreira Leite
Categoria: Reportagem
Formato: 16×23
Páginas: 352
ISBN: 9788581301518
Valor: R$ 34,90
Editora: Geração
FONTE: reportagem de Vanessa Silva, para o “Portal Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=206453&id_secao=1).
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