Por Marcelo Gleiser
“Para teorias da cosmologia moderna, há vários "universos" e uma distinção entre eles é essencial
Vejam só como uma questão de ortografia esconde muito mais do que apenas escolhas estilísticas. Basta pegar alguns livros de divulgação científica, ou reportagens aqui mesmo na “Folha”, e o leitor se depara com a palavra "universo" ora com letra minúscula, ora com maiúscula. Existe algo nada sutil aqui, e que diz muito sobre como pensamos sobre o Cosmo.
A posição mais comum, e que considero a pior, é simplesmente adotar "universo" indiscriminadamente. Mas que Universo é esse? Segundo teorias da cosmologia moderna, temos de tomar cuidado com referências ao Cosmo. Há vários "universos" e uma distinção é essencial.
Ancorando a discussão no que temos de mais sólido, nossas observações, sabemos que podemos apenas "enxergar" -isso é, obter informação- de uma parte limitada do Cosmo. Isso, por dois motivos. Primeiro, nada viaja mais rápido do que a luz, o que significa que a informação demora para vir de longe até nós. Segundo, porque o Cosmo tem uma existência finita, começando 13,7 bilhões de anos atrás.
Juntando as duas coisas, vemos que, no máximo, podemos saber sobre objetos que nos enviaram informação (através de luz e outros tipos de radiação eletromagnética) há 13,7 bilhões de anos. E, como estrelas e galáxias só surgiram uns 200 milhões de anos após o "bang" inicial, o limite que temos é em torno de 13,5 bilhões de anos. O que existe além dessa fronteira -chamada de horizonte- nos é inacessível. Falamos, então, do "universo observável", aquele que podemos medir. Este, prefiro chamar de Universo, já que temos confiança na sua existência e somos parte dela. Ele é tudo o que há no nosso horizonte e, considerando o fato de o Cosmo estar em expansão, está a 42 bilhões de anos-luz de distância. É a fronteira do conhecimento astronômico.
Mas o Universo não termina necessariamente no limite do que podemos ver. Muito provavelmente, se estende além da fronteira do mensurável. Meio como o mar, que se estende além do horizonte que vemos da praia: sabemos que existe mais mar além da linha do horizonte, mesmo se não podemos enxergá-lo da nossa posição. A essa continuação do Cosmo além do visível e que, em princípio, não é tão diferente do que podemos ver dentro do nosso horizonte, chamo de universo. Não merece o "U" pois não sabemos ao certo se está lá e o que existe por lá. Podemos especular que as coisas além do horizonte não são muito diferentes daqui, mais galáxias e estrelas, mas não podemos ter certeza disso. Daí o "u". Porém, o universo contêm o Universo.
Temos que continuar. Afinal, hoje se especula que o Universo não é único, mas parte de algo mais vasto, uma entidade que pode conter muitos universos chamada de "multiverso". Claro, não sabemos se o multiverso existe. Pior, parece ser impossível confirmar sua existência, visto que sua extensão está além do nosso Universo. No máximo, como calcularam alguns colegas, podemos ter informação de colisões de nosso Universo com universos vizinhos, caso tenham ocorrido no passado. (Até agora, nada de muito conclusivo.) Mas saber de um vizinho ou dois não é o mesmo do que saber de um país inteiro. De concreto, temos apenas o nosso Universo, já repleto de mistérios.”
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/94168-universo-ou-universo.shtml) [Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
“Para teorias da cosmologia moderna, há vários "universos" e uma distinção entre eles é essencial
Vejam só como uma questão de ortografia esconde muito mais do que apenas escolhas estilísticas. Basta pegar alguns livros de divulgação científica, ou reportagens aqui mesmo na “Folha”, e o leitor se depara com a palavra "universo" ora com letra minúscula, ora com maiúscula. Existe algo nada sutil aqui, e que diz muito sobre como pensamos sobre o Cosmo.
A posição mais comum, e que considero a pior, é simplesmente adotar "universo" indiscriminadamente. Mas que Universo é esse? Segundo teorias da cosmologia moderna, temos de tomar cuidado com referências ao Cosmo. Há vários "universos" e uma distinção é essencial.
Ancorando a discussão no que temos de mais sólido, nossas observações, sabemos que podemos apenas "enxergar" -isso é, obter informação- de uma parte limitada do Cosmo. Isso, por dois motivos. Primeiro, nada viaja mais rápido do que a luz, o que significa que a informação demora para vir de longe até nós. Segundo, porque o Cosmo tem uma existência finita, começando 13,7 bilhões de anos atrás.
Juntando as duas coisas, vemos que, no máximo, podemos saber sobre objetos que nos enviaram informação (através de luz e outros tipos de radiação eletromagnética) há 13,7 bilhões de anos. E, como estrelas e galáxias só surgiram uns 200 milhões de anos após o "bang" inicial, o limite que temos é em torno de 13,5 bilhões de anos. O que existe além dessa fronteira -chamada de horizonte- nos é inacessível. Falamos, então, do "universo observável", aquele que podemos medir. Este, prefiro chamar de Universo, já que temos confiança na sua existência e somos parte dela. Ele é tudo o que há no nosso horizonte e, considerando o fato de o Cosmo estar em expansão, está a 42 bilhões de anos-luz de distância. É a fronteira do conhecimento astronômico.
Mas o Universo não termina necessariamente no limite do que podemos ver. Muito provavelmente, se estende além da fronteira do mensurável. Meio como o mar, que se estende além do horizonte que vemos da praia: sabemos que existe mais mar além da linha do horizonte, mesmo se não podemos enxergá-lo da nossa posição. A essa continuação do Cosmo além do visível e que, em princípio, não é tão diferente do que podemos ver dentro do nosso horizonte, chamo de universo. Não merece o "U" pois não sabemos ao certo se está lá e o que existe por lá. Podemos especular que as coisas além do horizonte não são muito diferentes daqui, mais galáxias e estrelas, mas não podemos ter certeza disso. Daí o "u". Porém, o universo contêm o Universo.
Temos que continuar. Afinal, hoje se especula que o Universo não é único, mas parte de algo mais vasto, uma entidade que pode conter muitos universos chamada de "multiverso". Claro, não sabemos se o multiverso existe. Pior, parece ser impossível confirmar sua existência, visto que sua extensão está além do nosso Universo. No máximo, como calcularam alguns colegas, podemos ter informação de colisões de nosso Universo com universos vizinhos, caso tenham ocorrido no passado. (Até agora, nada de muito conclusivo.) Mas saber de um vizinho ou dois não é o mesmo do que saber de um país inteiro. De concreto, temos apenas o nosso Universo, já repleto de mistérios.”
FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Artigo publicado na “Folha de São Paulo” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/94168-universo-ou-universo.shtml) [Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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