A saída da crise brasileira está na redução do custo financeiro da dívida
"Cottani aponta uma saída para a crise da economia diametralmente oposta à dos ortodoxos tupiniquins e bem mais próxima à dos 'dinossauros' heterodoxos.
Por Fabrício Augusto de Oliveira, doutor em economia pela Unicamp, na "Plataforma Política Social"
Por Fabrício Augusto de Oliveira, doutor em economia pela Unicamp, na "Plataforma Política Social"
Por essa provavelmente os economistas do mercado – os mansuetos, alexandres e pessôas, entre outros – não esperavam e devem estar se sentindo traídos por alguém supostamente integrante de suas fileiras. Em artigo publicado no jorna "Valor Econômico", de 28 de dezembro, intitulado “Desequilíbrios da economia pedem medidas inovadoras”, o economista-chefe para a América Latina da "Standard & Poor Rating Services", Joaquín Cottani, aponta uma saída para a crise da economia brasileira diametralmente oposta à de nossos ortodoxos tupiniquins e bem mais próxima à de nossos “dinossauros” heterodoxos.
Vinda de Cottani, de quem se poderia esperar uma receita ortodoxa para resolver o problema brasileiro, por pertencer aos quadros da S&P, a proposta surpreende, ao deixar de lado o mantra de ser necessário contar com um superávit primário robusto para melhorar as condições fiscais do Estado, combinando-o com uma elevada taxa de juros para combater a inflação, e deslocar sua atenção para a questão que, para ele, deveria ser atacada de imediato para ambos os problemas: o custo financeiro da dívida pública.
Cottani deixa bastante claro que se continuar insistindo no ajuste primário atual, combinado com uma taxa de juros elevada e crescente, se depender do Banco Central, esperando que a inflação primeiro caia para só depois se dar início à redução da taxa de juros, o Brasil não terá como escapar de um crack financeiro, que incluirá uma maxidesvalorização da moeda local, acompanhada da aceleração da inflação e queda ainda maior do PIB, podendo-se gerar uma recessão no país igual ou pior à da Argentina de 2002, quando a contração do produto superou a casa dos 10%.
Essa é a estratégia de política econômica defendida por nossos economistas ortodoxos e, até o momento, seguida pelo Banco Central. Mas, para Cottani, a tese de ser necessário reduzir a inflação para só depois dar início à redução dos juros é equivocada. Isso porque a elevada taxa real de juros não somente atrasa a recuperação, que se agrava com a insistência na geração de um mirrado superávit primário, como também é altamente prejudicial para a dinâmica da dívida, que não vai parar de crescer, devido aos seus elevados encargos, mantendo altas as expectativas da inflação, apesar da recessão e do desemprego.
Nessa toada, para ele, ao não se “[…] mediar uma solução definitiva para a insustentabilidade fiscal, [mantém-se livre o caminho para] produzir uma corrida cambial contra os ativos líquidos locais, que, no Brasil, equivalem a quatro vezes as reservas internacionais […], produzindo-se um salto brusco e inesperado da taxa de inflação”. Um cenário que ele vê como inevitável a médio prazo e que não será revertido com a política econômica atual, devido a esse erro de diagnóstico.
Cottani considera, contudo, que existem outros caminhos mais fáceis e profícuos capazes de gerar melhores resultados para resolver o problema fiscal e começar a retirar a economia do “inferno” da recessão. Uma condição para trilhá-los é a de que o Banco Central se afaste temporariamente de seu mandato anti-inflacionário e adote um plano baseado em três pilares:
1) Na suspensão imediata da venda de swaps e de outros instrumentos de proteção cambial, permitindo a esse preço encontrar seu ponto de equilíbrio. O custo dessa política de intervenção no mercado de câmbio para administrar a paridade (flutuação suja) tem representado perdas, para o Banco Central, equivalentes, só em 2015, a 2% do PIB, ou a mais de R$ 120 bilhões;
2) Na redução da taxa Selic de 14,25% para 7,25%, devendo-se lembrar que cada ponto percentual dessa taxa representa recursos equivalentes a cerca de R$ 15 bilhões;
3) No estabelecimento da remuneração das operações de recompra dos títulos da dívida pública pelo Banco Central junto aos bancos comerciais (chamadas “repos” – acordos de recompra) à taxa inferior às de mercado. Atualmente, as operações compromissadas são remuneradas pela Selic, que é superior ao CDI, e funcionam como canal de ganhos fáceis para o sistema bancário, sem que esses tenham de correr os riscos inerentes aos empréstimos que realizam.
E aponta uma série de vantagens nessas medidas:
(i) não requerem autorização legislativa;
(ii) permitem acabar com o problema da insustentabilidade da dívida, considerando que as análises empíricas que realizou, contando com a colaboração de Elijah Oliveros-Rosen, revelaram que, se implementadas no início de 2016, o déficit nominal cairia de 9,5 para 2,5% do PIB durante o curso de dois anos, incluindo a geração de um superávit primário de 1%;
(iii) permitem recuperação mais rápida da economia, com a melhoria das expectativas diante da queda da relação dívida/PIB, da maior competitividade externa, com a desvalorização cambial, e do menor custo do capital decorrente da diminuição dos juros e do aumento da oferta de crédito.
O custo dessa política seria a elevação da taxa de inflação como resultado da desvalorização adicional da taxa de câmbio em razão da diminuição da taxa de juros e da retirada do Banco Central desse mercado, por meio das operações de swaps. Mas considera que esse seria um preço menor a se pagar diante da prolongada recessão que se prenuncia. Mas também que, absorvido o efeito inicial da desvalorização, a inflação começaria a cair, convergindo para a meta de 4,5%, com a condição de que, durante algum tempo, o gasto público primário e o salário médio dos trabalhadores corram (sejam reajustados) abaixo da inflação para evitar problemas de pressão de demanda.
Ousada, vinda de onde veio, para sensaboria da ortodoxia brasileira, e mesmo polêmica em alguns pontos, a proposta de Cottani para a superação da crise pode ser complementada com sugestões para a realização de reformas estruturais, incluindo a tributária:
-- estendendo-se a cobrança de impostos das classes mais ricas para fortalecer a capacidade de financiamento do Estado; a
-- criação de mecanismos de controles de capitais externos,
-- a mudança do período de um ano na definição das metas inflacionárias, para melhor acomodar as variações de preços provocadas por esses ajustes e por problemas também sazonais etc.
O importante a destacar nela é que deixa de lado o surrado argumento da ortodoxia de ser o ajuste primário uma pré-condição para reequilibrar as contas do setor público (Cottani: “os analistas do setor privado enfatizam o resultado fiscal primário sem, no entanto, advertir que tão [ou mais] importante que esse […] é, em realidade, o custo financeiro [da dívida]”). Ou seja, de que reside exatamente nesse custo financeiro (sempre ignorado por nossos ortodoxos) a origem, a principal causa dos desequilíbrios financeiros do setor público. E que, sem enfrentar essa questão, não se chega a lugar algum em termos de ajuste, a não ser na recessão e na permanente instabilidade econômica.
É o que os “dinossauros” heterodoxos vêm, há tempos, defendendo no Brasil. Será Cottani um improvável heterodoxo da S&P ou um ortodoxo que enxerga bem mais longe do que os manuais dessa escola ensinam?"
FONTE: escrito por Fabrício Augusto de Oliveira, doutor em economia pela Unicamp, membro da "Plataforma de Política Social", colaborador do "Brasil Debate" e "Folha Diária", e autor, entre outros, do livro “Política Econômica, estagnação e crise mundial, Brasil 1980-2010”. Artigo publicado no site "Carta Maior" (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-saida-da-crise-brasileira-esta-na-reducao-do-custo-financeiro-da-divida/7/35406).
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